Acórdão Nº 0003353-55.2017.8.24.0019 do Quinta Câmara Criminal, 24-09-2020

Número do processo0003353-55.2017.8.24.0019
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemConcórdia
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0003353-55.2017.8.24.0019, de Concórdia

Relator: Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTELIONATO SIMPLES (CP, ART. 171, CAPUT) E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO E MUNIÇÕES (LEI 10.826/03, ART. 12). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. LAUDO QUE COMPROVA A INEFICÁCIA DO ARTEFATO BÉLICO PARA O FIM A QUE SE DESTINA. INSTRUMENTO SEM O CÃO E COM A PARTE INTERNA TRAVADA. CONDUTA ATÍPICA. POSSE DE 104 CÁPSULAS DE MUNIÇÃO DEFLAGRADAS. APENAS UMA MUNIÇÃO INTACTA. CONDUTA INSIGNIFICANTE. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE.

PLEITO DE ABSOLVIÇÃO PELO DELITO DE ESTELIONATO. ACUSADO QUE ADQUIRIU DA VÍTIMA JOIAS POR VALOR IRRISÓRIO. AUSÊNCIA DE ARDIL. RÉU QUE OFERTOU À VÍTIMA A AQUISIÇÃO DAS JOIAS POR R$100,00. VALOR ACEITO PELO OFENDIDO. EMENDATIO LIBELLI E MUTATIO LIBELLI INVIÁVEIS. CONDUTA ATÍPICA. RÉU ABSOLVIDO.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA ABSOLVER O ACUSADO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003353-55.2017.8.24.0019, da comarca de Concórdia Vara Criminal em que é Apelante Samoel José da Silva e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para absolver o acusado dos fatos descritos na exordial acusatória.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, a Excelentíssima Senhora Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer e o Excelentíssimo Senhor Desembargador Luiz Cesar Schweitzer.

Funcionou como Representante do Ministério Público o Excelentíssimo Senhor Doutor Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese.

Florianópolis, 24 de setembro de 2020.



Desembargador Antônio Zoldan da Veiga

Presidente e Relator





RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Samoel José da Silva, imputando-lhe a prática do delito previsto no art. 171, caput, do Código Penal, e do art. 12, da Lei 10.826/03, conforme os seguintes fatos narrados na inicial acusatória (fls. 63-65):

FATO I

Em data a ser apurada durante a instrução criminal, mas em outubro de 2015, no estabelecimento comercial denominado Expresso Café, localizado no Largo Rio Branco, quiosque central do município de Concórdia/SC, o denunciado, SAMOEL JOSÉ DA SILVA, obteve, para si, mediante meio fraudulento, vantagem ilícita em prejuízo de Maura Pierina Baccin. O estratagema consistiu em se aproveitar que o filho da vítima, Daniel Luís Baccin, não possui muito discernimento, em razão de uma lesão cerebral leve aparente que possui, para adquirir joias deste por valor inferior ao que elas realmente valiam. Nesse contexto, dissimulando o seu real interesse (que era o de adquirir joias sem pagar o valor que realmente valiam), o denunciado pediu a Daniel se teria joias de ouro para vender, dizendo que comprava joias de ouro. Induzido em erro pelo meio fraudulento, Daniel, então, começou a pegar joias de sua mãe, Maura Pierina Baccin, para vendê-las ao denunciado. Nesse contexto, o denunciado recebeu de Daniel: 4 (quatro) correntes de ouro; 1 (uma) uma aliança de pérolas; 1 (um) par de brincos de ouro; 1 (uma) aliança dupla com brilhantes; 1 (uma) pulseira de ouro e 1 (uma) fivela com a inscrição "Alcides" e com pedras sintéticas, pagando-lhe apenas R$ 100,00, quando, na verdade, uma das correntes de ouro, o anel com pérolas e um dos brincos de ouro1, foram avaliados no total de R$ 200,00 (laudo pericial da fl. 50).

FATO II

Em 15 de março de 2016, por volta das 14 horas, na residência localizada na rua Mato Grosso, 131, bairro dos Estados, Concórdia/SC, o denunciado, SAMOEL JOSÉ DA SILVA, possuía e mantinha sob sua guarda: 104 (cento e quatro) estojos de munição, calibre .22, marca CBC; e 1 (um) projétil calibre .22, marca CBC, em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Assim agindo, o denunciado, SAMOEL JOSÉ DA SILVA, infringiu as normas contidas o art. 171, caput, o Código Penal, e no art. 12 da Lei n. 10.826/03 c/c o art. 17 do Decreto-Lei n. 3.665/00, na forma do art. 69 do Código Penal, razão pela qual requer o Ministério Público seja recebida a presente denúncia, tramitando o processo pelo rito ordinário (art. 394, § 1º, I, do Código de Processo Penal), com a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, designando-se, na sequência, audiência de instrução e julgamento para oitiva das pessoas adiante arroladas, interrogatório do acusado demais atos, nos termos dos arts. 399 e seguintes do CPP, com a posterior condenação do denunciado, bem como, se couber, a fixação de valor mínimo a título de reparação dos danos causados (art. 387, IV, do Código de Processo Penal).

Processado o feito e encerrada a instrução processual, sobreveio sentença (fl. 139-157), por meio da qual o magistrado a quo julgou procedente a pretensão ministerial, condenando o acusado Samoel José da Silva às penas de 1 ano e 2 meses de reclusão, em regime inicial aberto; 1 ano de detenção, em regime inicial aberto; e 10 dias-multa, pela prática do delito descrito no art. 171, caput, do Código Penal, e art. 12, da Lei 10.826/03.

As penas corporais foram substituídas por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária.

Inconformado com a prestação jurisdicional, o acusado interpôs recurso de apelação.

Em suas razões (fls. 192-205), almejou sua absolvição, ao argumento de que inexistem provas suficientes para um decreto condenatório em relação ao crime de estelionato.

Requereu também o reconhecimento da atipicidade da conduta de posse de munições, uma vez que as "armas encontradas são ineficazes e estojos deflagrados não se prestam a causar perigo algum e que o projétil único encontrado submete-se ao postulado da insignificância."

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (fls. 211-226), nas quais pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto.

Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Ernani Dutra (fls. 231-236), manifestando-se pelo conhecimento e desprovimento do reclamo.

Este é o relatório.





VOTO

Analisados os pressupostos de admissibilidade, o recurso merece ser conhecido.

A materialidade dos fatos está estampada no auto circunstanciado de busca e apreensão da fl. 21, no auto de apreensão da fl. 46, no laudo pericial das fls. 31-34 e no laudo de avaliação das fls. 49-50.

A autoria, por sua vez, mostra-se inconteste.


1. Posse ilegal de arma de fogo e munições de uso permitido

Samoel José da Silva, em seu interrogatório judicial, confessou que a arma de fogo, a munição e as capsulas deflagradas apreendidas são suas. Bem como, confirmou ter celebrado contrato de compra e venda com a vítima Daniel Luís Baccin para a aquisição de uma correntinha, uma fivela de cinto, um par de brincos e um anel. Asseverou, contudo, que pagou à vítima o valor devido e, no tocante a arma, disse ter adquirido sabendo que era inapta para uso e que as cápsulas estavam deflagradas (audiovisual da fl. 110).

No que se refere à arma, o laudo pericial das fls. 31-34 concluiu que o artefato bélico é ineficiente para disparo (está sem o cão e travada internamente) e as cápsulas encontradas estavam deflagradas, com a exceção de uma.

Nessa toada, entende este Tribunal de Justiça que "em que pese dispensável a elaboração de perícia técnica na arma de fogo para a comprovação de sua potencialidade lesiva, uma vez elaborado o laudo e comprovada sua total ineficiência, a conduta deve ser considerada formalmente atípica e incapaz de gerar risco à incolumidade pública" (TJSC, Apelação Criminal n. 0001869-92.2018.8.24.0011, de Brusque, rel. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 22-10-2019).

Diante disso, não é possível condenar o acusado pelo porte ilegal de arma de fogo.

No que se refere às munições, mesmo diante do encontro de cápsulas deflagradas, já decidiu esta Câmara que "demonstrada por laudo pericial a total ineficácia da arma de fogo (inapta a disparar) e das munições apreendidas (deflagradas e percutidas), deve ser reconhecida a atipicidade da conduta perpetrada, diante da ausência de afetação do bem jurídico incolumidade pública, tratando-se de crime impossível pela ineficácia absoluta do meio." (REsp 1451397/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015). [...](TJSC, Apelação Criminal n. 0000462-18.2011.8.24.0069, de Sombrio, rel. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, Quinta Câmara Criminal, j. 26-10-2017).

Dessa forma, afastada a arma de fogo e cápsulas vazias, restaria para a configuração do delito apenas uma cápsula intacta. Porém, entende o Superior Tribunal de Justiça e também esta Corte ser "admissível a aplicação do princípio da insignificância a casos de pequena quantidade de munição apreendida." (AgRg no HC 477.449/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe 12/08/2020) (Para esta Corte, confira: TJSC, Apelação Criminal n. 0002850-46.2016.8.24.0091, da Capital, deste relator, Quinta Câmara Criminal, j. 03-10-2019; TJSC, Apelação Criminal...

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