Acórdão nº 0003362-34.2020.8.14.0037 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, Tribunal Pleno, 24-07-2023

Data de Julgamento24 Julho 2023
ÓrgãoTribunal Pleno
Número do processo0003362-34.2020.8.14.0037
Classe processualRECURSO ESPECIAL
AssuntoHomicídio qualificado

APELAÇÃO CRIMINAL (417) - 0003362-34.2020.8.14.0037

APELANTE: ROBENILSON OLIVEIRA DE SOUZA

APELADO: JUSTIÇA PUBLICA

RELATOR(A): Desembargadora VÂNIA LÚCIA CARVALHO DA SILVEIRA

EMENTA

APELAÇÃO PENAL. ART. 121, §2º, II, E ART. 121, §2º, INCISO II, C/C ART. 14, INCISO II, AMBOS DO CPB. SENTENÇA CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. QUALIFICADORA MOTIVO FÚTIL. LIMITES DA PRONÚNCIA. TESE REJEITADA. SOBERANIA DO JULGAMENTO POPULAR. FUNDAMENTOS DA QUALIFICADORA DELINEADOS NOS AUTOS. DESCLASSIFICAÇÃO LESÃO CORPORAL. INCABIMENTO. ANIMUS NECANDI. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. INOBSERVÂNCIA. AGENTE QUE NÃO PROSSEGUIU COM A AÇÃO POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À SUA VONTADE. DECISÃO CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS. HOMICÍDIO PRIVILEGIADO. IMPROCEDÊNCIA. VIOLENTA EMOÇÃO E INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA NÃO EVIDENCIADOS. DECOTE QUALIFICADORA MOTIVO FÚTIL. AGRESSÕES FÍSICAS E MORAIS INICIADAS PELA VÍTIMA. PLEITO INSUBSISTENTE. AÇÃO DESPROPORCIONAL AO RESULTADO PRODUZIDO. PENA. EXCESSO PUNITIVO OBSERVADO NA ESTIPULAÇÃO DA PENA BASE. REDIMENSIONAMENTO. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO QUALIFICADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME.

1. Carece de procedência a exclusão da qualificadora do motivo fútil, ao argumento de que os fundamentos delimitados na pronúncia diferem dos acolhidos pelo Conselho de Sentença. Extrai-se que o acusado teria praticado o delito em razão de desentendimento com a vítima por comida, sendo sua reação absolutamente desproporcional. Tal enfoque encontra-se discriminado nos autos, desde o início, consoante se infere, inclusive, da peça denunciativa. Sob tal enfoque, denota-se que as circunstâncias descritas e acolhidas pelos jurados, sempre estiveram retratadas nos autos, ao pleno acesso dos jurados e do recorrente, o qual defende-se dos fatos, e não da capitulação penal que lhe é irrogada. Saliente-se que a questão foi apreciada pelo Júri, o juiz natural da lide, e este tendo entendido que as circunstâncias em que o crime fora cometido de fato denotam repugnância pela ação do acusado, entende-se ser incabível, em sede de apelação, o afastamento da qualificadora ora em comento, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos.

2. A intenção do agente de apenas lesionar a vítima não foi demonstrada de forma inequívoca pela defesa, quando em realidade, se colhe das provas produzidas que o réu promoveu verdadeira tentativa de execução à vítima, ao impingir-lhe arma branca, não a atingindo apenas em face da reação do ofendido, que se defendeu, oportunidade na qual sofreu profundo corte na mão direita e, após, saiu correndo para a casa de uma vizinho, onde foi socorrido e encaminhando ao hospital.

3. A desistência voluntária é do que uma espécie de tentativa qualificada na qual o agente inicia a execução de um crime e, durante o iter criminis, desiste voluntariamente de prosseguir na sua execução, de modo que o delito não se consuma por vontade do próprio agente. No caso, consoante colhido, o homicídio não se consumou por razões alheias à vontade do agente, em virtude da reação da vítima, ao defender-se da agressão e sair em fuga. Daí a configuração da tentativa, com especial destaque às afirmações do apelante de que já tinha matado seu irmão, anteriormente, e nada o impediria de ceifar a vida de mais uma pessoa.

4. Não preenchidos os requisitos exigidos pela lei a justificar a tese de homicídio privilegiado. Ao contrário, a prova amealhada sugere o ânimo homicida e a ausência dos elementos que autorizem tal privilégio, vez que não comprovado que o réu agiu por motivo de relevante valor social ou moral, tampouco sob violenta emoção, até porque reconhecido pelo Corpo de Jurados a qualificadora do motivo fútil.

5. Em determinados casos, a prévia discussão entre o autor do delito e a vítima pode afastar a qualificadora do motivo fútil. Na hipótese, extrai-se do arcabouço probatório que a discussão prévia entre a vítima e o acusado teria se dado por motivos absolutamente banais, em face de discussão por comida, aliada ao estado de embriaguez voluntária do recorrente. Não notícia, entretanto, de discussão intensa, exaltação ou revolta, suficiente a afastar a futilidade do crime, decorrente de animosidade entre as partes.

6. Embora a elevação da reprimenda basilar não deva obedecer a critérios aritméticos, no caso, a prevalência de apenas duas vetoriais desfavoráveis, não enseja a determinação da pena primária no quantum cominado pelo juízo, pois desprovido de razoabilidade.

7. Deve ser aplicada em favor do réu a atenuante da confissão espontânea, ainda que qualificada, sob argumento da legítima defesa, excludente não acolhida pelo Conselho de Sentença.

8. Recurso CONHECIDO e PARCIALMENTE provido, para redimensionar a dosimetria da pena, passando a atribuir ao réu, após regra do concurso material, a sanção concreta e derradeira de 27 (vinte e sete) anos, 01 (um) mês e 15 (quinze) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado, mantendo-se a decisão objurgada em seus demais termos. Decisão unânime.

Acordam os Excelentíssimos Desembargadores componentes da 1ª Turma de Direito Penal, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso e lhe dou parcial provimento, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.

Sessão do Plenário Virtual do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, iniciada aos vinte e quatro dias e finalizada aos trinta e um dias do mês de julho de 2023.

Julgamento presidido pela Excelentíssima Senhora Desembargadora Kédima Pacífico Lyra.

Belém/PA, 24 de julho de 2023.

Desembargadora VÂNIA LÚCIA SILVEIRA

Relatora


RELATÓRIO

ROBENILSON OLIVEIRA DE SOUZA interpôs recurso de apelação criminal, irresignado com sentença prolatada pelo Conselho de Sentença da Vara Única da Comarca de Oriximiná/PA (ID 11994945), que o condenou, como incurso nos tipos penais elencados no art. 121, §2º, inciso II, do Código Penal (contra a vítima Marcos Oliveira de Souza) e art. 121, §2º, inciso II, c/c art. 14, inciso II, do referido Diploma Legal (em face da vítima Willian Gomes de Oliveira), após o cômputo do concurso material de crimes, à reprimenda de 31 (trinta e um) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial fechado.

Narra a preambular acusatória (ID 5959712) que no dia 19 de julho de 2020, por volta das 19h30min, o apelante em epígrafe ceifou a vida de seu irmão Marcos Oliveira de Souza, mediante vários golpes de arma branca, e causou lesão corporal em Willian Gomes de Souza.

Revela a peça incoativa que o réu exercia o trabalho de lavrador de campo na Fazenda Esperança, de propriedade de seu irmão Roberto Paes de Oliveira. No dia dos faros, Roberto levou seu outro irmão, a vítima falecida, Marcos Oliveira de Souza, para ajudar nas tarefas. Por volta das 17h30min, Robenilson e Marcos passaram a fazer consumo de bebida alcóolica. Às 18h00min, aproximadamente, Marcos pediu a Willian que preparasse em cozido de frango, ao que o réu Robenilson disse que era para comer o que tinha.

Descreve que, já por volta das 19h30min, já bastante embriagados, a vítima Willian saiu para fazer a limpeza do galinheiro. Minutos após, todavia, avistou o ofendido Marcos andando pela casa, toda ensanguentado, bem como o recorrente Robenilson andando atrás dele com uma faca na mão. Ato seguinte, Marcos se ajoelho e caiu desfalecido no assoalho da casa.

Relata que a vítima Willian, vendo que Marcos estava seriamente ferido, falou a Robenilson que não fizesse aquilo com irmão, ao que Robenilson disse: “eu já matei ele e te mato também” (textuais). Nesse momento, o apelante empunhou a faca para acerta Willian, o qual,3

Expõe, derradeiramente, que, acionada a polícia, a guarnição encontrou a vítima Willian no hospital, que os levou até o local dos fatos. Ao chegarem, depararam-se com o corpo do ofendido Marcos caído no assoalho da casa, já sem vida, e a faca próxima ao corpo, com o cabo quebrado. O apelante Robenilson, por sua vez, estava deitado em uma rede, pelo que foi preso em flagrante delito.

Em razões recursais (ID 11995059), clama a defesa pela nulidade da decisão do Tribunal Popular, por afronta ao art. 476 do CPP, ao argumento de que o representante do Parquet, em debates orais, durante sessão plenária de julgamento, inovou em seu pedido, ao pugnar pela incidência da qualificadora do motivo fútil, com supedâneo em fundamentos diversos do contido da peça acusatória e das alegações finais, acolhidos na pronúncia. Afirma que tanto a denúncia como as alegações finais ministeriais descrevem por motivo fútil a embriaguez voluntária do recorrente; ao passo que o RMP, em sessão do Júri, aponta motivação decorrente de discussão banal, por questão de comida.

Nesse contexto, aduz ofensa aos limites da pronúncia decorrente da inovação das circunstâncias da dinâmica dos fatos, pois, na verdade, não se sabe, cabalmente, o real motivo do crime. Assim, considerando que inexiste prova do motivo do crime, não qual como qualificar o homicídio, pois a ausência de motivo não é futilidade.

Sustenta, outrossim, ausência de provas no tocante à intenção do recorrente de ceifar a vida do ofendido Willians Gomes de Souza, pelo que, pugna pela desclassificação do crime de tentativa de homicídio para lesão corporal, com fundamento no art. 593, inciso III, alínea “d”, do CPPB.

Subsidiariamente, seja anulado o decisum popular, uma vez configurado o instituto da desistência voluntária, pois o réu, de forma livre e espontânea, desistiu de prosseguir com a execução. Assim só deve responder pelos atos já praticados, a lesão corporal, a ter do art. 15, do CPB, e art. 593, inciso III, alínea “d”, do CPP.

Especificamente no que tange ao crime de homicídio consumado, perpetrado em face da vítima Marcos Oliveira Souza, aduz a defesa que a decisão do Corpo de Jurados é contrária às provas dos autos, diante do não reconhecimento do privilégio contido no art. 121, §1º, do CPB. Salienta que a vítima deu início às agressões...

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