Acórdão Nº 0003397-66.2017.8.24.0054 do Sexta Turma de Recursos - Lages, 29-11-2018

Número do processo0003397-66.2017.8.24.0054
Data29 Novembro 2018
Tribunal de OrigemRio do Sul
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Sexta Turma de Recursos - Lages


APELAÇÃO CRIMINAL N. 0003397-66.2017.8.24.0054, DE RIO DO SUL [JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL]

RELATOR: JUIZ SÍLVIO DAGOBERTO ORSATTO


APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA SAÚDE PÚBLICA. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. CONSUMO PRÓPRIO. CANNABIS SATIVA LINNEU [MACONHA]. ART. 28, CAPUT, DA LEI 11.343/06. ABSOLVIÇÃO. DESCRIMINALIZAÇÃO OU DESPENALIZAÇÃO? DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO STF PARA EXAME DA [IN]CONSTITUCIONALIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO. APRECIAÇÃO EM CURSO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) 635.659. JULGAMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL. ARTIGO 28 DA LEI 11.343/2006. RELATORIA DO MINISTRO GILMAR MENDES PELA DESCRIMINALIZAÇÃO. VOTOS COM O RELATOR PELOS MINISTROS EDSON FACHIN E LUÍS ROBERTO BARROSO. MACONHA. DESCRIMINALIZAÇÃO DA DROGA. PORTE DE ATÉ 25 GRAMAS DE MACONHA. PARÂMETRO TÉCNICO-JUDICIAL DE REFERÊNCIA PARA DIFERENCIAR CONSUMO E TRÁFICO. CRITÉRIOS TÉCNICO-CIENTÍFICO, TODAVIA PROVISÓRIO. CRIMINALIZAÇÃO QUE VIOLA O ARTIGO 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA INTIMIDADE E DA VIDA PRIVADA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. Para o STF a suposta despenalização incide em inconstitucionalidade, desafiando a sua declaração, com redução de texto, da parte do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, o qual prevê a pena de prestação de serviços à comunidade, por se tratar de pena restritiva de direitos, para extirpá-la. Assim, o tipo penal transmuda-se para uma infração administrativa, sem nenhum efeito penal.

2. Tal interpretação seja pelo viés constitucional, seja pelo viés da política criminal, da sociologia e da segurança pública parece-me mais adequada do que aquele decorrente do atual cenário de criminalização com estigmatização do usuário e comprometedor das medidas de prevenção e redução de danos.

JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. ADVOGADO. NOMEAÇÃO DE DEFENSOR DATIVO EM PROCESSO CRIMINAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARBITRAMENTO. ÔNUS DA FAZENDA ESTADUAL. FIXAÇÃO EM VALOR DESSARAZOADO AOS SERVIÇOS PRESTADOS. NECESSIDADE DE ARBITRAMENTO DE FORMA CRITERIOSA E COM MODERAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL N. 155/97 E REGRAMENTO PROCESSUAL CIVIL. PARÂMETROS. ORIENTAÇÃO. DELIBERAÇÃO N. 01/2013, DA SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. PRINCÍPIOS DA ADEQUAÇÃO, DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. EX OFFICIO.

1. O arbitramento de honorários pela prestação de serviços de defensoria dativa observará como parâmetro os valores obtidos com a conversão em pecúnia do número de URHs, na forma do Anexo Único da própria Lei Complementar Estadual n. 155/97, ainda que o STF a tenha declarado inconstitucional; 2. Matéria pacifica em múltiplos precedentes da 6ª. Turma de Recursos.



VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003397-66.2017.8.24.0054, de Rio do Sul [Juizado Especial Cível e Criminal], em que é Apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelados Davi Eduardo Gois e Everson Antonio Ezídio.


ACORDAM, em sessão da Sexta Turma de Recursos de Lages, por unanimidade, conhecer da Apelação Criminal e, no mérito, por maioria, negar-lhe provimento.


I – VOTO


Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público de Santa Catarina em desfavor de Davi Eduardo Gois e Everson Antonio Ezídio em face da sentença a quo, que julgou improcedente a denúncia para absolver os réus, em face da atipicidade da conduta de posse de entorpecentes, pois o art. 28, caput, da Lei n. 11.343/06 prevê somente a aplicabilidade de sanções educativas, inexistindo previsão das penas de reclusão e detenção ao portador de droga, o que descaracteriza a condição de crime ou contravenção penal, conforme reza o art. 1º da Lei de Introdução ao Código de Processo Penal.


Almeja o representante do Ministério Público a reforma da sentença, a fim de serem os acusados condenados como incurso no art. 28, caput da Lei n. 11.343/06 (pp. 52/63).


Os acusados em suas contrarrazões pugnaram pela manutenção da sentença (pp. 68/76).


Em segundo grau, o representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina, manifestou-se pelo conhecimento do recurso, ante o preenchimento dos pressupostos legais de admissibilidade e, no mérito, pelo provimento do recurso para reformar a sentença (pp. 49/50), para condenar Davi Eduardo Gois e Everson Antônio Ezídio como incurso nas sanções do art. 28, caput da Lei n. 11.343/06.

Com estas digressões, registro que a denúncia imputou os seguintes fatos (pp 35/36): "No dia 12 de junho de 2017, por volta das 22h55min, na rua Oswaldo Schroeder, próximo ao Posto Santa Luzia, Centro, Lontras/SC, policiais militares abordaram EVERSON ANTONIO AZIDIO e DAVI EDUARDO GOIS, ocasião em que, após revista pessoal, constataram que os denunciados transportavam e traziam consigo, para consumo pessoal, porções de droga vulgarmente conhecida como "maconha", sendo aproximadamente 0,3 (três decigramas) com EVERSON e 1,5 (um grama e cinco decigramas) com DAVID, ambos sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (laudo pericial de fls. 19-21)".


Apenas para constar, na época dos fatos, o acusado Davi Eduardo Gois contava com 24 anos, e o acusado Everson Antonio Ezídio com 46 anos.

O recurso imerece provimento.


Com a Lei n. 11.343/2006 foi despenalizada a referida conduta, com abrandamento da sanção penal, sem prever a pena privativa de liberdade. Não obstante, nesta última década, tornou-se notória a influência proeminente do papel das drogas na gênese da criminalidade no Brasil, ocasionando, com efeito secundário, superlotação das prisões, inclusive femininas, a deterioração das condições de vida nos presídios e, como efeito motor da criminalidade o favorecimento ao aliciamento de pessoas pelas organizações criminosas que atuam dentro das prisões, causando a infiltração do crime por toda a sociedade brasileira e uma segregação dos aliciados e de suas famílias aos chefes do crime.


O Min. Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do Recurso Extraordinário n. 635659, com repercussão geral reconhecida, votou pela inconstitucionalidade do art. 28 (crime a porte de drogas para uso pessoal) da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), sob o fundamento que a criminalização “afeta o livre desenvolvimento da personalidade, em suas diversas manifestações”, aos “diferentes modos de desenvolvimento do sujeito, como o direito à autodeterminação, à autopreservação e à autorepresentação”, ofendendo “de forma desproporcional, o direito à vida privada” e a “margem de autonomia do indivíduo”.


Adverte, ainda, que o reconhecimento da inconstitucionalidade não deve ser interpretado como legalização do porte de drogas para consumo pessoal, pois medidas restritivas de natureza não penal deverão dispor sobre a “administrativização” (do art. 28) mediante a transformação de norma penal em regra de direito administrativo, com base em uma necessária reforma legislativa.


Por fim, entende que a criminalização acaba interferindo no direito de construção da personalidade dos usuários, principalmente os jovens, mais sujeitos à rotulação imposta pelo tipo penal, classificados como criminosos por uma conduta que, se tanto, implica apenas autolesão: “Tenho que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao desenvolvimento da personalidade em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional”, afirma.


Portanto, injustificável todo o acionamento do sistema judicial quando o crime ou ato infracional é de uso de ínfima quantidade de droga, para justificar a reprimenda estatal.


Quanto a fixação dos honorários advocatícios do Defensor Dativo, Rubens Sérgio Cziecelski – OAB/SC 6.735, em face da apresentação das contrarrazões recursais, deve atender os parâmetros da jurisprudência desta Turma...

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