Acórdão nº 0003409-16.2015.8.11.0021 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara Criminal, 05-12-2023
Data de Julgamento | 05 Dezembro 2023 |
Case Outcome | Provimento em Parte |
Classe processual | Criminal - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS |
Órgão | Primeira Câmara Criminal |
Número do processo | 0003409-16.2015.8.11.0021 |
Assunto | Homicídio Qualificado |
ESTADO DE MATO GROSSO
PODER JUDICIÁRIO
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
Número Único: 0003409-16.2015.8.11.0021
Classe: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426)
Assunto: [Homicídio Qualificado, Crime Tentado]
Relator: Des(a). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI
Turma Julgadora: [DES(A). ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, DES(A). MARCOS MACHADO, DES(A). PAULO DA CUNHA]
Parte(s):
[WANDERSON RODRIGUES DA LUZ - CPF: 040.091.091-81 (RECORRENTE), DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 02.528.193/0001-83 (REPRESENTANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (RECORRIDO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), Gleisson Campos Pereira (VÍTIMA), SEBASTIAO BATISTA DA SILVA - CPF: 894.942.611-00 (VÍTIMA), ISMAEL JOSEI DA COSTA SILVA - CPF: 061.404.271-26 (VÍTIMA), GLEISSON CAMPOS PEREIRA - CPF: 030.949.321-85 (VÍTIMA), GLEISSON CAMPOS PEREIRA (VÍTIMA), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a). MARCOS MACHADO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0003409-16.2015.8.11.0021
RECORRENTE: WANDERSON RODRIGUES DA LUZ
RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
EMENTA
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL – PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE NULIDADE DA PRONÚNCIA – DECISÃO FUNDAMENTADA EM ELEMENTOS INFORMATIVOS COLHIDOS NA FASE INQUISITORIAL – RAQUÍTICOS INDÍCIOS DE AUTORIA OU DE PARTICIPAÇÃO NA EMPREITADA DELITUOSA – INEXISTÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS –RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO EM DISSONÂNCIA DO PARECER MINISTERIAL.
“O recente entendimento adotado pela Sexta Turma do STJ, firmado com observância da atual orientação do Supremo Tribunal Federal, é de que não se pode admitir a pronúncia do réu, dada a sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório produzido em juízo, fundamentada exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase inquisitorial” [STJ, HC n. 712.098/MG, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022].
“1. Em que pese ao acórdão consignar que há indícios de autoria aptos a pronunciar o ora paciente, diante da prova testemunhal ouvida em juízo, observa-se que se trata de testemunhos indiretos, na medida em que não foram ouvidas testemunhas presenciais do fato.
2. Esta Corte Superior possui entendimento de que a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nem em depoimentos testemunhais indiretos, como no presente caso. Assim sendo, os testemunhos indiretos não autorizam a pronúncia, porque são meros depoimentos de ‘ouvir dizer’ - ou hearsay, na expressão de língua inglesa -, que não têm a força necessária para submeter um indivíduo ao julgamento popular.
3. Consoante a bem fundamentada decisão de impronúncia, verifica-se que a única versão em juízo apontando os autores do delito é de um informante, pai da vítima, ou seja, que presta apenas declarações, na medida em que não é compromissado e que não presenciou o fato.
Contudo, essa não é a melhor posição para o deslinde da controvérsia dos autos, pois, no Estado Democrático de Direito, a força argumentativa das convicções dos magistrados deve ser extraída de provas submetidas ao contraditório e à ampla defesa. Isso porque o mínimo flerte com decisões despóticas não é tolerado e a liberdade do cidadão só pode ser restringida após a superação do princípio da presunção de inocência, medida que se dá por meio de procedimento realizado sob o crivo do devido processo legal.
4. Importa registrar que a prova produzida extrajudicialmente é elemento cognitivo destituído do devido processo legal, princípio garantidor das liberdades públicas e limitador do arbítrio estatal.
Com efeito, sob o pálio de se dar máxima efetividade ao sistema de íntima convicção dos jurados, consagrado na norma insculpida no inciso III do art. 483 do CPP, não se pode desprezar a prova judicial colhida na fase processual do sumário do Tribunal do Júri.
Em análise sistemática do procedimento de apuração dos crimes contra a vida, observa-se que o juízo discricionário do Conselho de Sentença, uma das últimas etapas do referido procedimento, não apequena ou desmerece os elementos probatórios produzidos em âmbito processual, muito menos os equipara à prova inquisitorial.
5. Na hipótese em foco, optar por solução diversa implica inverter a ordem de relevância das fases da persecução penal, conferindo maior juridicidade a um procedimento administrativo realizado sem as garantias do devido processo legal em detrimento do processo penal, o qual é regido por princípios democráticos e por garantias fundamentais. Em outras palavras, entender em sentido contrário seria considerar suficiente a existência de prova inquisitorial para submeter o réu ao Tribunal do Júri sem que se precisasse, em última análise, de nenhum elemento de prova a ser produzido judicialmente.
Todavia, essa não foi a opção legislativa. Diante da possibilidade da perda de um dos bens mais caros ao cidadão - a liberdade -, o Código de Processo Penal submeteu o início dos trabalhos do Tribunal do Júri a uma cognição judicial antecedente. Perfunctória é verdade, mas munida de estrutura mínima a proteger o cidadão do arbítrio e do uso do aparelho repressor do Estado para satisfação da sanha popular por vingança cega, desproporcional e injusta. Precedentes” [STJ, AgRg no HC n. 751.046/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022].
ESTADO DE MATO GROSSO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0003409-16.2015.8.11.0021
RECORRENTE: WANDERSON RODRIGUES DA LUZ
RECORRIDO: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RELATÓRIO
EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIRA PERRI
Egrégia Câmara:
Cuida-se de Recurso em Sentido Estrito interposto por Wanderson Rodrigues da Luz, em face da decisão proferida pelo juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Água Boa, que o pronunciou como incurso nas sanções do art. 121, § 2º, inciso II, c.c. art. 14, inciso II, ambos do CP, [tentativa de homicídio qualificado pelo motivo fútil], submetendo-o a julgamento perante o Tribunal do Júri.
A Defensoria Pública Estadual postula a nulidade da decisão de pronúncia, porquanto lastreada exclusivamente em elementos de informação predominante produzidos no inquérito policial.
Subsidiariamente, depreca a desclassificação do crime de tentativa de homicídio para o delito de lesão corporal leve.
A 2ª Promotoria de Justiça Criminal de Água Boa requer a manutenção da sentença hostilizada.
O juízo de origem manteve a decisão hostilizada por seus próprios fundamentos.
A Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça, Alexandre de Matos Guedes, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
Inclua-se em pauta.
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (426) Nº 0003409-16.2015.8.11.0021
VOTO
EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR)
Egrégia Câmara:
Pesa contra o recorrente, Wanderson Rodrigues da Luz, vulgo “Sulinha”, a prática do crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil, em sua modalidade tentada [art. 121, § 2º, inciso II, c.c. art. 14, inciso II, ambos do CP], consoante se extrai de excerto da exordial acusatória, verbis:
“Fato 1: No dia 6/3/2015, por volta das 23h00min, na Rodoviária de Cocalinho, situada na Avenida Araguaia, bairro Terra Firme, o denunciado WANDERSON RODRIGUES DA LUZ, vulgo ‘SULINHA’, com a vontade livre e consciente do caráter criminoso de sua conduta, agindo com animus necandi, por motivo fútil, tentou matar as vítimas Gleisson Campos Pereira, tentando golpeá-lo com um canivete, o qual não o atingiu por circunstâncias alheias à vontade do denunciado, Ismael José da Costa, desferindo 1 (um) golpe com canivete em seu tórax e Sebastião Batista da Silva, desferindo 1 (um) golpe de canivete ao lado esquerdo de seu peito, conforme boletim de ocorrência de fls. 3/5, termos de declarações e demais documentos coligados nos autos.
A qualificadora do motivo fútil resta configurada visto que o crime foi cometido em razão de a vítima, Sebastião Batista da Silva, ter emprestado sua moto para o denunciado, que demorou a devolvê-la”.
Encerrada a fase do judicium accusationis, o juízo de origem pronunciou o recorrente pela prática do crime de homicídio qualificado pelo motivo fútil, em sua modalidade tentada.
Após analisar com acuidade o conjunto fático-probatório coligido na fase do sumário da culpa, entendo que assiste razão à Defensoria Pública Estadual ao asseverar que a pronúncia foi fundamentada com base nos elementos de informação colhidos na fase inquisitorial, contrariando, assim, a regra contida no art. 155 do CPP[1].
Extraem-se dos autos que, em juízo, não houve a inquirição de nenhuma das três vítimas[2].
Do mesmo modo, as testemunhas [supostamente] presenciais, Vitor Loxandre Ferreira de Almeida e Yasmim Ferreira de Almeida, também não foram ouvidas na fase judicial.
As únicas “testemunhas” auscultadas foram os policiais militares que atenderam a ocorrência, sendo eles: Aleandro Alves de Lima, Carlos Rubens Barbalho Barros e Faresim Fernandes Rodrigues de Carvalho.
O primeiro não se recordou do caso.
O segundo pouco esclareceu sobre os fatos, não sabendo informar sequer quem deu início ao entrevero.
O terceiro, por sua vez, somente tomou conhecimento do ocorrido mediante relato das vítimas, segundo as quais houve uma briga e que foram feridas pela pessoa de alcunha “Sula”, que fez...
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