Acórdão nº 0003465-57.2016.822.0005 de TJRO. Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, Segundo Grau, 30-01-2023

Data de Julgamento30 Janeiro 2023
Classe processualAPELAÇÃO CRIMINAL
Número do processo0003465-57.2016.822.0005
Órgão1ª Câmara Criminal

1ª Câmara Criminal / Gabinete Des. Jorge Leal



Processo: 0003465-57.2016.8.22.0005 - APELAÇÃO CRIMINAL (417)

Relator: Des. JORGE LUIZ DOS SANTOS LEAL



Data distribuição: 13/04/2022 11:03:36

Data julgamento: 27/01/2023

Polo Ativo: Leonardo Pereira Klipll

Polo Passivo: MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE RONDONIA


RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por Leonardo Pereira Klipll contra sentença que o condenou pela prática do crime previsto no art. 157, §1º e §3º do Código Penal, ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 07 anos de reclusão, em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 10 dias-multa.

Em razões de recurso (ID 15423052, p. 65-89) a defesa requer, preliminarmente, a declaração de nulidade da sentença em razão da violação ao sistema acusatório, visto que o MP requereu a absolvição do réu; bem como a declaração de nulidade do reconhecimento realizado, nos termos do art. 564, IV do CPP. No mérito, pleiteia a absolvição do apelante por insuficiência probatória, com base no art. 386, IV do CPP e no princípio do in dubio pro reo. Subsidiariamente, pugna pela desclassificação do crime de roubo impróprio para o de furto tentado e lesão corporal de natureza grave, com a consequente absolvição diante da causa excludente de ilicitude da legítima defesa ou por lesões recíprocas. Em relação à dosimetria, requer a fixação da pena-base no mínimo legal; e, na segunda fase, o reconhecimento da preponderância da atenuante da menoridade relativa para reduzir a pena para abaixo do mínimo legal. Não sendo acolhido tal pleito, pleiteia a utilização da circunstância da menoridade relativa para o abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena. Em relação à desclassificação do crime de furto tentado, pleiteia a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 14, p. ú. do Código Penal no máximo legal de 2/3. Por fim, pleiteia a fixação do regime inicial de cumprimento de pena no aberto, a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, a dispensa do pagamento das custas processuais, e prequestiona as matérias para efeito de eventuais recursos às instâncias superiores.

Em contrarrazões, o Ministério Público manifestou-se pelo conhecimento e o parcial provimento do recurso interposto, para afastar as preliminares arguidas e, no mérito, absolver o apelante (ID 15423052, p. 91-94).

Nesta instância, o Procurador de Justiça Francisco Esmone Teixeira manifestou-se pelo conhecimento do recurso, o acolhimento da preliminar de violação ao sistema acusatório e, no mérito, pelo provimento da apelação (ID 15718496).


É o relatório.




VOTO

DESEMBARGADOR JORGE LEAL

O recurso é próprio e tempestivo, portanto, dele conheço.

Narra a denúncia:

Consta do incluso Inquérito Policial, que na madrugada do dia 11 de setembro de 2016, na Rua das Flores, n° 2919-B, Bairro Santiago, nesta cidade e comarca, LEONARDO PEREIRA KLIPLL, agindo dolosamente, tentando subtrair, para si coisas móveis, pertencentes a João de Souza Alves, perpetrou contra esta vítima violência, com o fito de assegurar a impunidade do crime contra o patrimônio, da qual resultou lesão corporal de natureza grave.
Segundo restou apurado, o fato ocorreu na residência da vítima, João de Souza, onde ao chegar em casa naquele dia ela se deparou com a porta aberta e seus bens móveis e utensílios em desordem, sendo surpreendida pelo denunciado, que havia invadido o imóvel movido pelo desejo de subtrair bens patrimoniais armado com uma faca e, propenso a assegurar sua impunidade na ocasião, desferiu-lhe golpe contra a região torácica, produzindo-lhe lesão que lhe acarretou perigo à vida.
Assim agindo, LEONARDO PEREIRA KLIPLL praticou o crime previsto no artigo 157, §1º e 3º do Código Penal, nos moldes das disposições legais anteriores a reforma penal ditada pela Lei n. 13.654, de 23.04.18.

Conforme sentença de ID 15423052, pp. 52-60, Leonardo foi condenado em virtude do crime descrito na denúncia à pena de 07 anos de reclusão, em regime fechado, e 10 dias-multa.

Assim, passo à análise do recurso.

1. DAS PRELIMINARES

1.1 Da violação ao sistema acusatório

Inicialmente, a defesa de Leonardo pleiteia a declaração de nulidade da sentença sob o argumento de que esta violou o sistema acusatório, já que o Ministério Público, em alegações finais, requereu a absolvição do réu.

Sobre o tema, cabe relembrar que o art. 385 do Código de Processo Penal dispõe o seguinte:

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

As Cortes Superiores vêm, ao longo dos últimos anos, reconhecendo que a Constituição Federal recepcionou o dispositivo supracitado.

Como exemplo, tem-se o seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal (STF):

PENAL. DENÚNCIA. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO EM ALEGAÇÕES FINAIS DO PARQUET. INDISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. NECESSIDADE DE JULGAMENTO DO MÉRITO, COM BASE EM CONVENCIMENTO JURIDICAMENTE MOTIVADO. [...]
1. A indisponibilidade da ação penal pública não proíbe que o Ministério Público possa opinar pela absolvição do réu, mas exclui a vinculação do juízo à manifestação do Parquet, tendo em vista a vedação inscrita nos artigos 42 e 576 do Código de Processo Penal, que impedem o Ministério Público de desistir da ação penal ou do recurso que haja interposto.
2. (a) As razões finais da acusação, no processo de ação pública, são meras alegações, atos instrutórios, que tendem a convencer o juiz, sem, contudo, delimitar-lhe o âmbito de cognição ou o sentido de decisão da causa, de que não dispõe. Precedente: HC 68.316, Primeira Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, j. 27/11/1990; (b) Exige-se da autoridade judiciária competente, mesmo em face de pedido absolutório deduzido pelo Parquet, a prolação de juízo de mérito revelador de convencimento juridicamente fundamentado, mercê da ausência de vinculação ao quanto requerido pelo órgão acusador.
[...]
(STF - AP: 921 RS - RIO GRANDE DO SUL 0000401-85.2015.1.00.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 20/06/2017, Primeira Turma)

E do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em sua Sexta Turma:

HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2.º-A, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. ABSOLVIÇÃO REQUERIDA PELO PARQUET NAS ALEGAÇÕES FINAIS. MANIFESTAÇÃO QUE NÃO VINCULA O JUDICIÁRIO. INOCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. A circunstância de o Ministério Público requerer a absolvição do Acusado, seja como custos legis, em alegações finais ou em contrarrazões recursais, não vincula o Órgão Julgador, cujo mister jurisdicional funda-se no princípio do livre convencimento motivado, conforme interpretação sistemática dos arts. 155, caput, e 385, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
2. "Quando o Ministério Público pede a absolvição de um réu, não há, ineludivelmente, abandono ou disponibilidade da ação, como faz o promotor norte-americano, que simplesmente retira a acusação (decision on prosecution motion to withdraw counts) e vincula o posicionamento do juiz. Em nosso sistema, é vedada similar iniciativa do órgão de acusação, em face do dever jurídico de promover a ação penal e de conduzi-la até o seu desfecho, ainda que, eventualmente, possa o agente ministerial posicionar-se de maneira diferente - ou mesmo oposta - do colega que, na denúncia, postulara a condenação do imputado" (STJ, REsp 1.521.239/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 9/3/2017, DJe de 16/3/2017).
3. Ad argumentandum, vale referir que o Legislador Ordinário, ao editar a Lei n. 13.964/2019, acrescentou ao Código de Processo Penal o art. 3.º-A, segundo o qual "[o] processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação". Todavia, qualquer interpretação que determine a vinculação do Julgador ao pedido absolutório do Ministério Público com fundamento, por si só, nessa regra, não tem legitimidade jurídica, pois o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática proferida no dia 22/10/2020 pelo Ministro LUIZ FUX, "na condição de relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6305", suspendeu, "sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, […] da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal)".
4. Ordem de habeas corpus denegada.
(STJ - HC: 623598 PR 2020/0292223-4, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 05/10/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2022)

E na Quinta Turma:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CORRUPÇÃO ATIVA. PROFERIMENTO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA APÓS PEDIDO ABSOLUTÓRIO DO PARQUET EM ALEGAÇÕES FINAIS. SENTENÇA PROLATADA ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA NOVEL LEGISLAÇÃO. APLICAÇÃO IMEDIATA, E NÃO RETROATIVA, DAS NORMAS PROCESSUAIS PENAIS. ART. 2º DO CPP. DOSIMETRIA DA PENA. VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O art. 385 do CPP permite a prolação de sentença condenatória mesmo diante de pedido do Parquet pela absolvição.
2. Descabe falar, no presente processo, em revogação tácita do art. 385 do CPP pela Lei 13.964/2019 (que acrescentou o art. 3º-A ao Código), porque a sentença condenatória foi proferida antes da entrada em vigor da novel legislação.
3. Na forma do art. 2º do CPP, a lei processual penal (ainda que seja mais benéfica ao réu) tem eficácia imediata, mas não retroativa, não podendo prejudicar os atos praticados anteriormente à sua vigência.
4. Outrossim, o art. 3º-A do CPP encontra-se com sua eficácia suspensa por decisão liminar do eminente Ministro LUIZ FUX nas ADIs 6.298, 6.300 e 6.305, publicada em 3/2/2020.
5. A valoração negativa da culpabilidade e das circunstâncias do crime, na primeira fase da dosimetria da pena,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT