Acórdão Nº 0003480-06.2015.8.24.0005 do Quinta Câmara Criminal, 21-10-2021

Número do processo0003480-06.2015.8.24.0005
Data21 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003480-06.2015.8.24.0005/SC

RELATORA: Desembargadora CINTHIA BEATRIZ DA SILVA BITTENCOURT SCHAEFER

APELANTE: FABIANE CRISTINA SILVA LEAO (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público do Estado de Santa Catarina com atuação perante o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Balneário Camboriú ofereceu denúncia contra Fabiane Cristina Silva Leão, dando-o como incurso nas sanções do artigo 155, § 4º, inciso IV, c/c artigo 14, inciso II, c/c artigo 62, inciso III, todos do Código Penal, e artigo 244-B, da Lei nº 8.069/1990, pela prática dos fatos delituosos assim narrados (evento n. 10):

"Extrai-se do incluso caderno indiciário que no dia 19 de maio de 2015, por volta das 18 horas e 30 minutos, a denunciada Fabiane Cristina Silva Leão dirigiu-se até a Loja Renner, localizada no interior do Balneário Camboriú Shopping, situado na Avenida Santa Catarina, Bairro dos Estados, nesta Comarca de Balneário Camboriú, e, em conjunto de esforços com a filha adolescente K.H.L.C, de 13 anos de idade, instigando e determinando que essa participasse da empreitada em razão da autoridade exercida como mãe, tentou subtrair os objetos descritos no Auto de Exibição e Apreensão de fls. 11, pertencentes à Loja Renner, apenas não alcançando seu objetivo diante da pronta diligência da funcionária do estabelecimento.

Infere-se do caderno policial que a denunciada destacou algumas peças de vestuário que ficavam no interior da loja supracitada e, após a retirada dos sensores de segurança, determinou que sua filha K.H.L.C as escondesse em baixo de suas vestes.

Ocorre que a dupla, após flagrada por uma funcionária do estabelecimento comercial, foi abordada já no lado de fora do estabelecimento comercial, oportunidade em que foram apreendidas três calças escondidas pela adolescente, avaliadas, no total, em R$ 150,90 (cento e cinquenta reais e noventa centavos), conforme Auto de Apreensão de fl. 14 e Termo de Reconhecimento e Entrega de fl. 15.

Frisa-se, ainda, que a denunciada Fabiane Cristina Silva Leão corrompeu menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando a infração penal aqui disposta".

A denúncia foi recebida em 05 de junho de 2015 (evento n. 14), a ré foi citada (evento n. 24) e apresentou resposta à acusação (evento n. 32).

A defesa foi recebida, e não sendo o caso de absolvição sumária foi designada audiência de instrução e julgamento (evento n. 36).

Durante a instrução foram ouvidas duas testemunhas comuns às partes (Claudete e Thiago); após, a acusada teve sua revelia decretada, em face da sua ausência, muito embora tenha sido devidamente citada, mudando de endereço sem informar ao juízo. (termo de audiência e mídias registradas nos evento n. 62).

Encerrada a instrução processual, foram apresentadas as alegações finais (eventos n. 66 e 71), e sobreveio a sentença (evento n. 73), com o seguinte dispositivo:

"III DISPOSITIVO.

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a denúncia de fls. 26/28 e, em consequência, CONDENO a acusada FABIANE CRISTINA SILVA LEÃO, já qualificada, à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida no regime inicial aberto, além do pagamento de 5 (cinco) dias-multa, cada dia no valor mínimo legal à época dos fatos, como incursa nas sanções do artigo 155, § 4º, IV c/c artigo 14, II, todos do Código Penal e artigo 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente."

Não resignada, a ré Fabiane Cristina Silva Leão interpôs recurso de apelação (evento n. 87 e 117), no qual postula a absolvição do delito de furto pelo reconhecimento da atipicidade da conduta praticada, justificando, num primeiro momento, a configuração de crime impossível e, num segundo, a necessária a incidência do princípio da insignificância. De modo subsidiário, na dosimetria, almeja o afastamento da circunstância judicial negativa (conduta social), o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e a consideração do percentual máximo de redução atribuído à tentativa. Ao final, almeja a aplicação do concurso formal entre os delitos e a fixação de honorários ao defensor dativo nomeado.

Foram apresentadas as contrarrazões (evento n. 122), e os autos ascenderam a este egrégio Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Henrique Limongi, opinando pelo: "conhecimento e, no mérito, parcial procedência do recurso, tão-só para que incida o concurso formal de delitos." (evento n. 10, destes autos).

VOTO

Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, o recurso merece conhecimento.

Cuida-se de apelação criminal interposta por Fabiane Cristina Silva Leão, pois inconformada com a sentença proferida pela MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Balneário Camboriú que julgou procedente a denúncia e a condenou à pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 5 (cinco) dias-multa, cada dia no valor mínimo legal à época dos fatos, por infração ao artigo 155, § 4º, IV c/c artigo 14, II, todos do Código Penal e artigo 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Como sumariado, a apelante almeja a absolvição do delito de furto pelo reconhecimento da atipicidade da conduta praticada, justificando, num primeiro momento, a configuração de crime impossível.

Para tanto, aduz que "Em todo o tempo em que esteve na loja, a ré esteve sob a vigilância direta da funcionária" e "Antes mesmo de tentar sair da loja, a ré já era aguardada pela funcionária, que a abordou".

Veja-se, portanto, que a apelante não nega que tenha tentado furtar o estabelecimento, mas sim que era completamente impossível alcançar o intento criminoso.

Passas-se, portanto, a análise direta do pedido, já que não houve insurgência quanto à materialidade e autoria do crime.

A figura do crime impossível se configura quando o delito não se consuma por absoluta impropriedade do objeto ou por completa ineficácia do meio. Existindo a possibilidade, mesmo que remota, da sua consumação, não se pode cogitar da aplicação do artigo 17 do Código Penal.

No caso presente, o monitoramento por câmera de vigilância ou o fato da segurança do estabelecimento terem condições de perceber a conduta da ré não configura impropriedade do objeto, nem sequer resulta na absoluta ineficácia do meio para a prática de furto.

Não por outra razão, entendem os tribunais superiores que a simples presença de sistemas de vigilância de estabelecimentos comerciais, ou mesmo os constantes monitoramentos realizados por funcionários, não têm o condão de impedir totalmente a consumação do crime.

Aliás, há de se concordar com o apontamento do Procurador de Justiça, quando afirma que "A existência de vigilância à ação da ré, de forma integral, não torna o meio absolutamente ineficaz, diante da possível falibilidade humana - caso lograsse êxito em desvencilhar-se do segurança, as mercadorias não teriam sido recuperadas - e de eventuais problemas técnicos que a aparelhagem eletrônica possa ostentar." (fl. 03, evento n. 10).

A respeito, colhe-se da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:

HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO. PACIENTE MONITORADA POR SISTEMA ELETRÔNICO DE VIGILÂNCIA. CRIME IMPOSSÍVEL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA. VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS. AUSÊNCIA DE INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. DISTINÇÃO ENTRE FURTO INSIGNIFICANTE E FURTO PRIVILEGIADO. ORDEM DENEGADA. 1. Na hipótese em que o sistema de vigilância não inviabiliza, mas apenas dificulta a consumação do crime de furto, não há que falar na incidência do instituto do crime impossível por ineficácia absoluta do meio (CP, art. 17). Precedentes. [...] (STF, HC 120.083, Rel. Min. Teori Zavascki, j. 3.6.14).

Habeas corpus. 2. Furto qualificado pelo concurso de agentes. Condenação. 3. Alegação de violação ao Enunciado 7 da Súmula do STJ. Não houve reexame do contexto fático-probatório produzido nas instâncias ordinárias, mas tão somente uma valoração jurídica dos fatos, consentânea aos limites legalmente impostos ao recurso especial. 4. Violação ao artigo 5º, inciso LIV, da CF. Inocorrência. Corréu devidamente intimado, que deixou de contra-arrazoar o REsp. 5. Tese de crime impossível. Os sistemas de vigilância de estabelecimentos comerciais, ou até mesmo os constantes monitoramentos realizados por funcionários, não têm o condão de impedir totalmente a consumação do crime. Precedentes do STF. 6. Aplicação do princípio da insignificância. Sentenciados reincidentes na prática de crimes contra o patrimônio. Precedentes do STF no sentido de afastar a aplicação do princípio da insignificância aos acusados reincidentes ou de habitualidade delitiva comprovada. 7. Ordem denegada. (HC 117083, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/02/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-051 DIVULG 14-03-2014 PUBLIC 17-03-2014).

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive em caráter repetitivo, sedimentou o entendimento de que a simples presença de câmeras de vigilância no local dos fatos não é suficiente para tornar impossível a consumação do delito. Vejamos:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. RITO PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC. DIREITO PENAL. FURTO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE SEGURANÇA E DE VIGILÂNCIA ELETRÔNICA. CRIME IMPOSSÍVEL. INCAPACIDADE RELATIVA DO MEIO EMPREGADO. TENTATIVA IDÔNEA. RECURSO PROVIDO. 1. Recurso Especial processado sob o rito previsto no art. 543-C, § 2º, do CPC, c/c o art. 3º do CPP, e na Resolução n. 8/2008 do STJ. TESE: A existência de sistema de segurança ou de vigilância eletrônica não torna impossível, por si só, o crime de furto cometido no interior de estabelecimento comercial. 2. Embora os sistemas eletrônicos de vigilância e de segurança tenham por objetivo a evitação de furtos, sua eficiência apenas minimiza as perdas dos comerciantes, visto que não impedem, de modo absoluto, a ocorrência de subtrações no interior de...

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