Acórdão Nº 0003486-85.2008.8.24.0028 do Segunda Câmara de Direito Público, 24-11-2020

Número do processo0003486-85.2008.8.24.0028
Data24 Novembro 2020
Tribunal de OrigemIçara
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0003486-85.2008.8.24.0028, de Içara

Relator: Desembargador Francisco Oliveira Neto

AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. CONSTRUÇÃO DA RODOVIA INTEGRANTE DO ANEL VIÁRIO DA CIDADE DE CRICIÚMA. FAIXA DE DOMÍNIO E ÁREA NON AEDIFICANDI QUE COMPREENDEM GRANDE FRAÇÃO DA PROPRIEDADE, INCLUINDO PARTE DA RESIDÊNCIA E A GARAGEM E O HORTO POR INTEIROS. LAUDO PERICIAL CONCLUSIVO NO SENTIDO DE QUE A TOPOGRAFIA DA RODOVIA EM NÍVEL SUPERIOR AO IMÓVEL, SEM SISTEMA DE DRENAGEM PLUVIAL, DEU ENSEJO AO ESCOAMENTO E ACÚMULO DE ÁGUAS NO INTERIOR DO TERRENO, PREJUDICANDO A ESTRUTURA DA RESIDÊNCIA. ESVAZIAMENTO DA FUNÇÃO SÓCIOECONOMICA DO IMÓVEL CARACTERIZADO. EQUIVALÊNCIA À EXPROPRIAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE REPARAR DA PERDA DA PROPRIEDADE. JUROS MORATÓRIOS. INAPLICABILIDADE DO ÍNDICE DE REMUNERAÇÃO DA POUPANÇA. TEMA 905 DO STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA PELO IPCA-E. TEMA 810 DO STJ. CORREÇÃO DE ERRO MATERIAL DA SENTENÇA NO PERTINENTE À DATA ADOTADA COMO MARCO INICIAL DA INCIDÊNCIA DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO PARA 5% DA DIFERENÇA ENTRE O VALOR PROPOSTO INICIALMENTE PELO IMÓVEL E A INDENIZAÇÃO IMPOSTA JUDICIALMENTE. ART. 27, § 1º, DO DECRETO-LEI N. 3.365/41 C/C. ART. 85, § 2º, DO CPC/15. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA REFORMADA EM PARTE. APELO DO AUTOR PROVIDO PARA AUMENTAR A VERBA HONORÁRIA. APELAÇÃO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDA PARA CORRIGIR TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0003486-85.2008.8.24.0028, da comarca de Içara 2ª Vara em que são Apte/Apdos Alexandre Kieslarck Moretti e Apdo/Aptes o Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por meio eletrônico, por votação unânime, dar provimento ao recurso do autor e dar parcial provimento ao recurso do réu.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargador Francisco Oliveira Neto, Desembargador Sérgio Roberto Baasch Luz e Desembargador Cid Goulart.

Florianópolis, 24 de novembro de 2020.

Desembargador Francisco Oliveira Neto

RELATOR


RELATÓRIO

Tratam-se de recursos interpostos por Alexandre Kieslarck Moretti e pelo Estado de Santa Catarina contra sentença proferida nos autos da "ação de interdito proibitório com pedido de liminar", com pedido subsidiário de indenização por desapropriação, ajuizada pelo primeiro em face do segundo, visando assegurar a posse de seu imóvel em decorrência das obras de construção do anel viário de Criciúma.

O provimento jurisdicional foi assim proferido:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido veiculado nesta demanda. Retifique-se a autuação a fim de excluir o DEINFRA e incluir o Estado de Santa Catarina no polo passivo.

CONDENO o Estado de Santa Catarina a pagar à parte Autora o valor histórico de R$ 102.000,00 (cento e dois mil reais) a título de indenização por desapropriação indireta.

Sobre o valor da indenização deve incidir correção monetária pelo IPCA-E, a contar de 24/11/2015 (data da avaliação pericial) até a data do efetivo pagamento.

Os juros compensatórios devem incidir no percentual de 6% ao ano sobre o valor da indenização corrigido monetariamente, desde 2004 até a inclusão do valor devido em precatório.

Os juros moratórios devem incidir no percentual de 6% ao ano sobre o valor da indenização, desde o 1º dia de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deverá ter sido realizado.

Condeno o Estado de Santa Catarina a pagar honorários ao advogado da parte Autora, os quais fixo no percentual de 2,5%, incidente sobre o valor da condenação, incluídos os juros compensatórios e moratórios.

Sem custas processuais, tendo em vista que a Fazenda Pública é isenta (art. 33, caput, da Lei Complementar Estadual n. 156/1997).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Sentença dispensada do reexame necessário (art. 496, § 3º, II, do CPC). [..]" (fls. 409/415).

Em suas razões recursais, o autor pleiteou a majoração dos honorários advocatícios para 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, a considerar que o processo tramita há mais de 10 anos, tendo havido instrução processual, sentença, a interposição da recurso, provimento do apelo para anular o provimento jurisdicional, o prosseguimento do feito, instrução processual, o rejulgamento da causa e, agora, nova interposição de recurso, e o seu advogado participou ativamente de todos os atos (fls. 420/427).

A seu turno, o Estado invocou a existência de erro material na sentença quanto ao marco inicial de incidência da correção monetária, fixada em 24.11.2005, pois o laudo pericial é datado de 24.11.2015, ou seja, do ano de 2015.

No mérito, requereu a reforma da sentença, a fim de que o pedido seja julgado improcedente, ao argumento de que foi indenizado o imóvel por inteiro; contudo, segundo o laudo, não houve comprometimento da totalidade do bem, pois a faixa de domínio e a área non aedificandi não correspondem a apossamento, não tendo havido desapropriação sobre elas. Afirmou que restou uma área de 120,11m2 para utilização, além de 223,48m2 como área não edificável. Asseverou que o apossamento fático-administrativo e o esvaziamento da função socioeconômica da propriedade não ficaram cumpridamente provados.

Com relação ao esvaziamento da função socioeconômica da propriedade, afirmou que o laudo pericial foi inconclusivo no sentido de que acúmulo de água no terreno, que está prejudicando a infraestrutura da residência, tem por origem a obra viária.

Quanto à desapropriação indireta, aduziu que a faixa de domínio caracteriza limitação administrativa, razão pela qual não houve expropriação.

Argumentou que a casa de madeira não deve ser indenizada porque é passível de remoção para outro local e, em última hipótese, deve ser reduzida a quantia indenizatória para R$ 29.320,49.

Subsidiariamente, requereu que a correção monetária observe a Taxa Referencial (TR) e os juros moratórios incidam conforme o índice de remuneração da poupança.

Insurgiu-se contra o arbitramento de honorários advocatícios sobre o valor da condenação, sob a justificativa de que o enunciado de súmula 617 do STF veda a incidência de honorários sobre os juros compensatórios e moratórios (fls. 432/440).

Com as contrarrazões do autor (fls. 444/451), os autos subiram ao Tribunal de Justiça.

É o relatório.

VOTO

1. O voto, antecipe-se é pelo provimento do recurso do autor e pelo parcial provimento do recurso do réu.

1.1. Da remessa necessária:

Inicialmente, anote-se não ser caso de remessa necessária, pois a condenação ao pagamento de indenização no valor de R$ 102.000,00 (cento e dois mil reais) está dentro do parâmetro de dispensa do duplo grau de jurisdição obrigatório previsto no art. 496, inciso I, § 3º, do CPC/15:

"Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;

[...]

§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:

[...]

II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados;".

Registre-se que ao tempo da prolação da sentença, em 25.07.2019 (fls. 409/415), o salário mínimo era de R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais), de modo que 500 (quinhentos) salários mínimos perfazem R$ 499.000,00 (quatrocentos e noventa e nove mil reais).

Feita esta consideração, passa-se ao julgamento dos recursos.

2. Consigne-se que não é hipótese de sobrestamento do feito por força do Recurso Especial n. 1.328.993, uma vez que nos embargos declaratórios da referida questão de ordem, a Primeira Seção do STJ esclareceu que "não estão compreendidos na ordem de sobrestamento: i) os feitos expropriatórios em que não haja recurso quanto aos juros compensatórios ou não estejam sujeitos a reexame necessário (...)" (STJ, EDcl no REsp n. 1.718.773/SP, rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, j. 26.11.19).

Portanto, possível o julgamento do feito.

3. Da apelação cível do Estado de Santa Catarina:

O apelo do Estado, adiante-se, deve ser conhecido em parte e, nesta extensão, parcialmente provido.

3.1. Impõe-se o não conhecimento do recurso no ponto em que visa a redução do montante indenizatório diante da possibilidade de aproveitamento da edificação residencial mediante remoção da casa para outra localidade, uma vez que a matéria foi suscitada pelo recorrente apenas no momento da interposição do recurso, constituindo-se como inovação recursal.

Com efeito, a parte que não comprovar que deixou de alegar matéria de defesa em momento processual oportuno por motivo de força maior (art. 1.014 do CPC/15), fica impossibilitada de argui-la em grau recursal, em decorrência da preclusão temporal.

Aliás, segundo o STJ, "é incabível o exame de tese não exposta em apelação e invocada apenas em recursos posteriores, pois configura indevida inovação recursal. Precedentes" (AgInt no AREsp 769.538/SP, rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, j. 16.03.2020).

Assim, não se conhece o recurso neste particular.

3.2. Da reparação civil pelo esvaziamento da função socioeconômica da propriedade:

Cinge-se a discussão acerca da existência, ou não, de apossamento fático-administrativo do imóvel do autor para a construção da rodovia estadual integrante do anel viário da cidade de Criciúma.

A prova pericial é contundente no sentido de que houve o efetivo esvaziamento da propriedade, conforme se infere no encarte probatório coligido aos autos.

Colhe-se da perícia judicial que "houve a perda de uma fração do imóvel litigioso, de 17,50m² (dezessete metros e cinquenta centímetros quadrados), destinada à faixa de domínio...

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