Acórdão Nº 0003495-15.2016.8.24.0045 do Quarta Câmara Criminal, 17-12-2020

Número do processo0003495-15.2016.8.24.0045
Data17 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemPalhoça
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualEmbargos de Declaração
Tipo de documentoAcórdão


Embargos de Declaração n. 0003495-15.2016.8.24.0045/50001, de Palhoça

Relator: Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGADA CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO. VÍCIO INEXISTENTE. ACERVO PROBATÓRIO DEVIDAMENTE ANALISADO. RAZÕES DO DECISUM EXPOSTAS DE MANEIRA CLARA. PRETENSA REDISCUSSÃO DE MATÉRIA. INVIABILIDADE. VIA ELEITA INADEQUADA.

"A pretensão de rediscutir matéria devidamente abordada e decidida no acórdão embargado, consubstanciada na mera insatisfação com o resultado da demanda, é incabível na via dos embargos de declaração" (STJ, EDcl no AgRg no HC n. 453.541/SC, rela. Mina. Laurita Vaz, j. em 30/5/2019).

POSTULADA PROPOSTA DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ART. 28-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA PROLATADA. RECURSO DE APELAÇÃO JULGADO. NÃO CABIMENTO.

Não obstante o conteúdo híbrido das normas que consagram o acordo de não persecução penal, a sua retroatividade após o esgotamento da jurisdição em Primeiro Grau encontra-se em total desalinho com os fatores que renderam ensejo à sua criação, que foi justamente a possibilidade de resolução célere dos casos de reduzido potencial ofensivo, implicando na subversão completa do sentido teleológico do novo instituto.

BENEFÍCIOS DA LEI N. 9.099/95. ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO DE LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. CONDENAÇÃO POR CRIMES DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO MANTIDA. SOBRESTAMENTO DOS EFEITOS QUE SE IMPÕE. REMESSA DOS AUTOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO A FIM DE VERIFICAR EVENTUAL POSSIBILIDADE DE OFERTA DOS INSTITUTOS DESPENALIZADORES DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. EXTENSÃO DOS EFEITOS AOS CORRÉUS EM IDÊNTICA SITUAÇÃO. EXEGESE DO ART. 580 DO CPP.

Tendo em vista a absolvição quanto ao delito de lesão corporal seguida de morte, remanescendo a condenação por delitos de menor potencial ofensivo (arts. 147 e 345, ambos do Código Penal), possível, em tese, a aplicação de benefícios da Lei n. 9.099/95, competindo ao órgão do Ministério Público a análise quanto ao seu cabimento.

EMBARGOS CONHECIDOS E ACOLHIDOS EM PARTE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração n. 0003495-15.2016.8.24.0045/50001, da comarca de Palhoça (1ª Vara Criminal) em que é Embargante Gilberto José Apolinário e Embargado Ministério Público do Estado de Santa Catarina

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer e acolher em parte os aclaratórios, para sobrestar os efeitos da condenação, a fim de que o Ministério Público de Primeiro Grau avalie a possibilidade de oferta dos benefícios da Lei n. 9.099/95 ao embargante, bem como aos corréus Fabiano, Lucas e Daniel, em atenção ao art. 580 do Código de Processo Penal. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador José Everaldo Silva, e dele participaram os Exmos. Srs. Desembargadores Alexandre d'Ivanenko e Zanini Fornerolli. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Sr. Dr. Rui Arno Richter.

Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.


Desembargador Sidney Eloy Dalabrida

Relator





RELATÓRIO

Gilberto José Apolinário opôs embargos de declaração contra a decisão colegiada de fls. 4866-4995, a qual, por unanimidade de votos, proveu parcialmente o recurso de apelação por ele interposto, para absolvê-lo da prática do delito de leão corporal seguida de morte, mantendo, todavia, a condenação pelos crimes previstos nos arts. 147 e 345, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 1 (um) mês e 29 (vinte e nove) dias de detenção, em regime inicial aberto.

Discorre o embargante, em síntese, que o acórdão objurgado padece de obscuridade e contradição.

A contradição, segundo alega, reside no fato de que, "se não existe prova para condenar pela lesão corporal seguida de morte, com muito mais razão não existir para manter a condenação no crime de ameaça e exercício arbitrário das próprias razões" (fl. 3). Com esses argumentos, almeja a absolvição quanto a todos os delitos.

Sustenta, ademais, que, remanescendo a condenação apenas por crimes de menor potencial ofensivo, estão preenchidos os requisitos para a aplicação do instituto despenalizador previsto no art. 76 da Lei n. 9.099/95 – transação penal.

Por fim, almeja que "seja o feito encaminhado ao Ministério Público para fins de apresentação da proposta de não persecução penal, nos moldes do art. 28-A do Código de Processo Penal" (fls. 1-12).

VOTO

1 Inicialmente, importante frisar que, nos termos do art. 619 do Código de Processo Penal, os embargos de declaração exigem, como requisitos para seu acolhimento, a ocorrência de ambiguidade a ser esclarecida, obscuridade a ser resolvida, omissão a ser sanada, ou, ainda, contradição a ser dirimida, não servindo, em regra, para modificar o ato decisório.

O Superior Tribunal de Justiça já afirmou que "o cabimento dos embargos de declaração está vinculado à demonstração de que a decisão embargada apresenta um dos vícios previstos no art. 619 do Código de Processo Penal, quais sejam, ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, o que não se verifica no caso dos autos. [...] A mera irresignação com o resultado do julgamento, visando, assim, à reversão do que já foi regularmente decidido, não tem o condão de viabilizar a oposição dos aclaratórios" (EDcl no AgRg no AREsp n. 625.568/PR, rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, j. em 26/2/2019, DJe de 15/3/2019).

Assim, tem-se que, em outras palavras, servem os aclaratórios tão somente para integrar o julgado, e não para substituir aquilo que já fora deliberado pelo órgão colegiado.

Guilherme de Souza Nucci bem define os termos contidos no art. 619 do CPP, veja-se:

Ambiguidade: é o estado daquilo que possui duplo sentido, gerando equivocidade e incerteza, capaz de comprometer a segurança do afirmado. Assim, no julgado, significa a utilização, pelo magistrado, de termos com duplo sentido, que ora apresentam uma determinada orientação, ora seguem em caminho oposto, fazendo com que o leitor, seja ele leigo ou não, termine não entendendo qual o seu real conteúdo.

Obscuridade: é o estado daquilo que é difícil de entender, gerando confusão e ininteligência, no receptor da mensagem. No julgado, evidencia a utilização de frases e termos complexos e desconexos, impossibilitando ao leito da decisão, leigo ou não, captar-lhe o sentido e o conteúdo.

Contradição: trata-se de uma incoerência entre uma afirmação anterior e outra posterior, referentes ao mesmo tema e no mesmo contexto, gerando a impossibilidade de compreensão do julgado. Logo, inexiste contradição, quando a decisão – sentença ou acórdão – está em desalinho com opiniões doutrinárias, outros acórdãos ou sentenças e mesmo com a prova dos autos. É preciso existir confronto entre afirmações interiores ao julgado.

Omissão: é a lacuna ou o esquecimento. No julgado, traduz-se pela falta de abordagem do magistrado acerca de alguma alegação ou requerimento formulado, expressamente, pela parte interessada, merecedor de apreciação (Código de Processo Penal comentado. 15. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1269-1270).

Diante disso, configurada a existência de ambiguidade, obscuridade, contradição ou omissão, a falha deve ser suprida, examinando-se o ponto de modo a complementar e/ou retificar o julgado embargado.

Desse modo, passa-se à análise das questões apontadas no reclamo.

2 O embargante sustenta que o decisum é contraditório, porquanto os fundamentos utilizados para a absolvição do delito de lesão corporal são incompatíveis com a manutenção da condenação pelos crimes de ameaça e exercício arbitrário das próprias razões. Com base nisso, postula a absolvição quanto a todos os ilícitos.

Ao absolver o embargante e outros envolvidos quanto ao delito mais grave, justificou-se no acórdão (fls. 4969-4972):

Em relação aos demais recorrentes (Fabiano, Gilberto, Lucas e Daniel), a condenação criminal foi imposta a título de participação de menor importância por não haverem impedido o resultado, mesmo estando na posição de garantidores, porquanto criaram o risco da sua ocorrência, pugnando o Ministério Público, em sede de contrarrazões, pela reforma da decisão para aplicação da fração máxima de redução da pena.

Todavia, data venia, o material probatório constante dos autos não permite a responsabilização dos referidos apelantes pelo crime de lesão corporal seguida de morte.

Ainda que se possa entender que a discussão que culminou com a agressão física à vítima tenha relação com a desocupação que, em conjunto, promoveram e que, portanto, também foram responsáveis pela geração do risco, a possibilidade de imputação do resultado em caso de omissão em crime comissivo reclama a presença de outros elementos que, a nosso juízo, não se encontram perfeitamente comprovados.

Prescreve o § 2º do art. 13 do Código Penal:

[...]

Ao tratar do tema, anota Fernando Capez:

Para que se caracterize a participação por omissão é necessário que ocorram, na lição de Aníbal Bruno, 'os elementos de ser uma conduta inativa voluntária, quando ao agente cabia, na circunstância, o dever jurídico de agir, e ele atua com a vontade consciente de cooperar no fato.

Acrescenta o doutrinador:

Convém notar que a participação por omissão exige dolo, dada a necessidade de liame subjetivo, não sendo admissível participação culposa em crime doloso (o partícipe tem de se omitir, querendo ou aceitando o risco de o resultado ocorrer) (Curso de direito penal, volume 1, parte geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 460).

Se, por um lado, o dever de agir, decorrente do disposto no art. 13, § 2º, "c", do CP, pode estar conectado à atuação...

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