Acórdão Nº 0003533-25.2018.8.24.0023 do Quinta Câmara Criminal, 24-09-2020

Número do processo0003533-25.2018.8.24.0023
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0003533-25.2018.8.24.0023, da Capital

Relator: Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA COM PARTICIPAÇÃO DE ADOLESCENTES (ART. 2º, §§ 2º E 4º, I DA LEI 12.850/2013). TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006) POSSE DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO (ART. 16 LEI 10.826/2003) SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PALAVRAS DOS POLICIAIS QUE EFETUARAM A ABORDAGEM. VALOR PROBATÓRIO RECONHECIDO. DADOS COLETADOS NOS APARELHOS DE TELEFONE CELULAR EXTRAÍDO DE APLICATIVO DE MENSAGENS. ESTABILIDADE EVIDENCIADA NOS AUTOS. DIVISÃO DE TAREFAS A FIM DE POTENCIALIZAR A AÇÃO DO BANDO. NEGATIVAS DE AUTORIA ISOLADAS NOS AUTOS. PRETENSÃO AFASTADA.

EXCLUSÃO DAS CAUSAS DE AUMENTO DE PENA. INVIABILIDADE. COMPROVAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DE ADOLESCENTES E DO EMPREGO DE ARMAS DE FOGO PELO GRUPO. EXASPERAÇÃO ACIMA DO MÍNIMO LEGAL SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA.

TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE MACONHA EM PODER DE UM DOS FACCIONADOS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE. ANOTAÇÕES CONTÁBEIS DO COMÉRCIO ESPÚRIO E APREENSÃO DE COMPONENTES DESTINADOS AO FRACIONAMENTO DA DROGA. POSSÍVEL CONDIÇÃO DE USUÁRIO QUE NÃO AFASTA A CONFIGURAÇÃO DO COMÉRCIO.

APREENSÃO DE FARTA QUANTIDADE DE MUNIÇÕES CALIBRE NOVE MILÍMETROS (9MM). ALEGADA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. ACUSADO QUE MANTINHA SOB SUA GUARDA CINQUENTA MUNIÇÕES. LESÃO EVIDENTE AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. PRECEDENTES. SUPERVENIÊNCIA DO DECRETO 9.847/2019. ALTERAÇÃO DA CLASSIFICAÇÃO DO CALIBRE PARA USO PERMITIDO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME PREVISTO NO ART. 14, DA LEI 10.826/2003 EM FACE À INOVAÇÃO LEGISLATIVA BENÉFICA. MANUTENÇÃO, TODAVIA, DO AUMENTO DE PENA DECORRENTE DA QUANTIDADE E DO ALTO PODER VULNERANTE DAS MUNIÇÕES, CUJO CALIBRE É USUALMENTE UTILIZADO PELO EXÉRCITO E POR FORÇAS POLICIAIS ESPECIAIS. CAUSA DE AUMENTO INCIDENTE NO DELITO CONEXO. BIS IN IDEM. NÃO CONFIGURAÇÃO. INSTITUTOS JURÍDICOS QUE DECORREM DE SITUAÇÕES DIVERSAS. COEXISTÊNCIA VIÁVEL.

DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. MAJORAÇÃO FUNDADA NO MODO DE AGIR DO GRUPO CRIMINOSO, COM DESTAQUE PARA SUA ATUAÇÃO ENQUANTO SUBGRUPO DO PGC - PRIMEIRO GRUPO CATARINENSE. RECRUDESCIMENTO DE METADE. FUNDAMENTO HÍGIDO.

ANTECEDENTES CRIMINAIS. AFASTAMENTO. NÃO PROVIMENTO. CONDENAÇÕES ANTERIORES NÃO ATINGIDAS PELO PERÍODO DEPURADOR. RECRUDESCIMENTO MANTIDO.

REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. PENA INFERIOR A 8 (OITO) ANOS. ACUSADO NÃO REINCIDENTE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA QUE NÃO PERMITE ESTIPULAÇÃO DE REGIME MAIS GRAVOSO AO PREVISTO NO ART. 33, § 2º, "B" DO CÓDIGO PENAL. SITUAÇÃO NÃO VERIFICADA EM RELAÇÃO AO CORRÉU EM FACE AO QUANTUM DA PENA. RECURSO PROVIDO NO ASPECTO.

SUBSTITUIÇÃO DO CÁRCERE POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. VEDAÇÃO LEGAL. PENAS SUPERIORES A 4 (QUATRO) ANOS. IMPEDITIVO DO ART. 44, I, DO CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO AFASTADA.

DETRAÇÃO. INSTITUTO AFETO AO JUÍZO DA EXECUÇÃO EM FACE À IMPOSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO NA INSTÂNCIA AD QUEM.

ISENÇÃO DAS CUSTAS E CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. NÃO CONHECIMENTO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. PRECEDENTES

DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE. INVIABILIDADE. CONFIRMAÇÃO DO DECRETO CONDENATÓRIO POR ESTA CORTE. REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL QUE SE MANTÉM HÍGIDOS. ADEMAIS, APELANTES QUE PERMANECERAM SEGREGADOS DURANTE O PROCESSO. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO FÁTICA APTA A JUSTIFICAR A REVOGAÇÃO DO CÁRCERE NESTE MOMENTO. PRECEDENTES. SEGREGAÇÃO MANTIDA.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003533-25.2018.8.24.0023, da comarca da Capital Vara Criminal Região Metropolitana Florianópolis em que é apelante César Tiago Raupp e outros e apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer e negar provimento ao recurso interposto pelo acusado César Tiago Raupp; conhecer e negar provimento ao recurso aforado em favor do acusado Marcos Vinícius de Almeida Santos; conhecer em parte e dar parcial provimento ao recurso do acusado Alessandro Castelan Santos para desclassificar a conduta referente ao crime de posse de munições do art. 16 para aquele previsto no art. 14 da Lei 10.826/2003, a fim de reduzir sua pena para 10 (dez) anos de reclusão e pagamento de 106 (cento e seis) dias multa, em seu valor mínimo legal, e, por fim, conhecer em parte e dar parcial provimento ao recurso do acusado Luiz Henrique Barbosa para fixar o regime semiaberto para resgate da pena. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Desembargador Antônio Zoldan da Veiga, com voto, e dele participou a Exma. Sra. Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer.

Participou da sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese.

Florianópolis, 24 de setembro de 2020

Luiz Neri Oliveira de Souza

Relator


RELATÓRIO

Na Comarca da Capital, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Thiago Americano Lemes, Marcos Vinícius de Almeida Santos, Alessandro Castelan Santos, Emerson da Rosa, Luiz Henrique Barbosa e César Tiago Raupp, dando todos como incursos nas sanções do art. 2º, §§ 2º e 4º, inciso I, da Lei nº 12.850/13 (integrar organização criminosa armada com participação de adolescentes); art. 35, caput, c/c art. 40, incisos IV e VI, da Lei nº 11.343/06 (associação para o tráfico de drogas com emprego de arma de fogo e participação de adolescentes) e art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (corrupção de menores); além da imputação aos acusados Alessandro, Emerson, Luiz e César do crime de porte ilegal de munições de uso restrito (art. 16 da Lei nº 10.826/03) e, ao acusado Marcos, a prática do crime de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06), tudo conforme descrito na inicial acusatória, in verbis (fls. 199-208):

Fato 1 - Da organização Criminosa

Em dia, horário e local a serem apurados durante a instrução processual, mas em data anterior ao mês de março de 2018, os denunciados MARCOS VINÍCIUS DE ALMEIDA SANTOS, ALESSANDRO CASTELAN SANTOS, EMERSON DA ROSA, LUIZ HENRIQUE BARBOSA, CÉSAR TIAGO RAUPP e THIAGO AMERICANO LEMES, passaram a integrar a organização criminosa denominada "FAMÍLIA CHELSEA", para a prática de tráfico de drogas, comércio e porte ilegal de armas de fogo, dentre outros ilícitos voltados aos interesses da facção; agindo de maneira hierarquizada, estruturada, caracterizada pela divisão de tarefas, com objetivo de obter, especialmente, vantagens patrimoniais com a narcotraficância.

De acordo com o relatório de investigação, a nomenclatura utilizada para designação da referida organização é alusiva ao time de futebol europeu. Os integrantes da organização usam o uniforme daquela equipe europeia, bem como realizam pichações com as inscrições da organização na comunidade (fls. 96-97), atuando na localidade conhecida como MALOCA, situada na área continental de Florianópolis.

Ressalta-se que a organização criminosa mantém a associação de mais de quatro pessoas, estruturalmente ordenada, com divisão de tarefas e com o objetivo de obtenção de vantagem pecuniária, mediante a prática de tráfico de drogas e comercialização de armas de fogo, cujas penas máximas são superiores a 4 (quatro) anos.

Colhe-se, ainda, do procedimento investigatório incluso, que a referida organização criminosa emprega arma de fogo nas suas atividades, além de contar com a participação de adolescentes.

Durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão nos endereços apontados pela Autoridade Policial como depósito de armas e armazenamento de drogas, foram efetivadas prisões em flagrante delito, apreensão de drogas, artefatos bélicos, valores, bem como anotações pertinentes ao narcotráfico, papel filme, sendo possível evidenciar que os denunciados efetivamente exercem o tráfico de entorpecentes de forma reiterada, bem como a posse e o porte de armas de fogo.

A par disso, constata-se que referido grupo é escalonado e seus integrantes possuem funções definidas, conforme passa-se a expor:

CÉSAR TIAGO RAUPP, vulgo "Cavalo", é apontado como o Chefe do tráfico na região da Maloca, sendo responsável pela organização do tráfico na compra de entorpecentes e gerenciamento da atividade armada na localidade, tanto é que na residência em que foi preso em flagrante foi apreendido material bélico, valores em espécie e materiais utilizados para o fracionamento de entorpecentes (fl. 7), o que é corroborado pelas imagens referidas no relatório de investigação em que segura armamento bélico (fls. 30-31);

ALESSANDRO CASTELAN SANTOS, vulgo Ale, braço direito de César Tiago Raupp, atuava na coordenação do tráfico, integra o grupo do whatsapp da organização (fl.32), bem como é apontado em anotações que resultaram na expedição dos mandados de busca e apreensão n. 0019829-59.2017.8.24.0023 (fl.39), além de ter sido preso em flagrante na residência em que foi apreendido material bélico, valores em espécie e materiais utilizados para o fracionamento de entorpecentes (fl. 7);

MARCOS VÍNICIUS DE ALMEIDA SANTOS, é responsável pelo controle na venda dos entorpecentes, movimentação e arrecadação de valores, bem como pelo pagamento dos "olheiros" do tráfico, tanto é que nos autos n. 0003532-40.2018.8.24.0023, no qual resultou preso em flagrante, foi apreendido dinheiro em espécie, papel com anotação do movimento financeiro do tráfico por ele controlado (Termo de Apreensão de fl.6), além dos diálogos mantidos via aplicativo whatsapp com o também denunciado Luiz Henrique Barbosa a respeito da movimentação financeira do tráfico de drogas (fls. 25-26 );

LUIZ HENRIQUE BARBOSA, vulgo Cabelinho, possuía...

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