Acórdão Nº 0003586-69.2010.8.24.0125 do Terceira Câmara de Direito Público, 28-09-2021

Número do processo0003586-69.2010.8.24.0125
Data28 Setembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0003586-69.2010.8.24.0125/SC

RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS

APELANTE: MARCIO ANDRE MEDEIROS MORAES (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU) APELADO: MOSER TARCISIO SCHENATO MATTIA (RÉU)

RELATÓRIO

Na Comarca de Itapema, Márcio André Medeiros Moraes ajuizou ação de indenização por danos morais em face do Estado de Santa Catarina alegando que no dia 30 de janeiro de 2008 foi agredido fisicamente e humilhado moralmente por Policial Militar na Delegacia de Polícia Civil de Itapema, quando, na qualidade de advogado, acompanhava seu sobrinho Bianco que havia tido uma desavença com um mototaxista por não ter pago a corrida; que estava conversando com a agente de polícia, enquanto aguardava a ficha de ocorrência do conduzido Bianco; que ao ser questionado pela agente de polícia, o autor disse que o motoboy já tinha recebido o valor devido, e que não havia mais motivo para manter o seu sobrinho detido; que a agente concordou; que neste momento o policial militar Mattia disse que deveria manter ele preso pois viriam outros policias para prestar queixa contra ele por outro fato ocorrido; que o autor explicou para a agente policial que este fato tinha ocorrido na semana anterior, e não tinha motivo para mantê-lo na delegacia, sendo que ela concordou e disse que os policiais poderiam prestar queixa e depois ele seria intimado; que neste momento o policial chamou o autor de advogado "enxerido", "esse advogado de porta de cadeia" e "metido"; que o autor, com autoridade, disse que não admitia que falasse assim com ele, que estava no exercício da advocacia e exigia respeito por parte do policial; que então o policial deu voz de prisão para o autor, partindo para cima dele para algemá-lo, e, não conseguindo, chamou um outro policial que estava do lado de fora da delegacia; que a agente o tinha proibido de algemar o autor, pois estava dentro da delegacia e era um advogado, mas o outro soldado veio e o imobilizaram; em seguida veio o delegado que mandou eles soltarem o autor; que, em razão das fatos, pugnou pela procedência do pedido com a condenação do ente público ao pagamento de indenização por danos morais no valor equivalente a duzentos salários mínimos.

Devidamente citado, o Estado de Santa Catarina ofertou contestação requerendo, preliminarmente, a denunciação da lide ao policial Moser Tarcísio Schnato Mattia. No mérito, sustentou que não está presente nenhum dos elementos para a configuração da responsabilidade civil; que o autor interveio em abordagem policial que não lhe dizia respeito, desacatou policiais, tentou impedir o trabalho da polícia e na delegacia resistiu à ordem de prisão; que não houve erro de conduta por parte do policial militar, o qual estava agindo no cumprimento do seu dever legal; que não houve nenhuma atitude abusiva ou agressão verbal contra o autor. Ao final, pugnou pela improcedência do pedido e que em caso de eventual indenização, deve-se levar em conta todos os aspectos envolvidos no caso, com base em critérios razoáveis, com prudência e bom-senso (Evento 203, Contestação 94/102).

O autor apresentou réplica à contestação (Evento 203, Réplica 122/126).

Deferida a denunciação da lide, o policial Moser Tarcísio Schnato Mattia foi citado e contestou a lide alegando que agiu no estrito cumprimento do dever legal e que as agressões e desacato partiram do autor. Argumentou que a carência de liame de causalidade entre os fatos narrados pelo autor e as provas não autorizam qualquer indenização por danos morais. Por fim, requereu a improcedência do pedido (Evento 203, Contestação 179/187).

O Estado de Santa Catarina apresentou réplica à contestação do litisdenunciado (Evento 203, Réplica 194).

Durante a instrução do feito, foi colhido o depoimento pessoal do autor (Evento 212, Vídeo 397) e ouvidas as testemunhas arroladas (Evento 211, Vídeos 398 e 399) e (Evento 203, Carta precatória 303).

Alegações finais apresentadas pelo autor (Evento 203, Alegações Finais 379/390).

Na sequência, a MMa. Juíza de Direito sentenciou o feito, consignando na parte dispositiva:

"Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por MARCIO ANDRE MEDEIROS MORAES e declaro resolvido o mérito do processo, na forma do artigo 487, I, do Código de Processo Civil de 2015.

"Condeno a parte autora ao pagamento das despesas processuais, dentre as quais os honorários advocatícios, os quais arbitro equitativamente em R$ 3.000,00, haja vista o reduzido valor atribuído à causa (CPC/2015, art. 85, § 8º), considerando a natureza e importância da causa, bem como o tempo de tramitação do feito.

"Outrossim, julgo prejudicado o exame da lide secundária.

"Em atenção ao princípio da causalidade, condeno o Estado litisdenunciante ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do procurador do litisdenunciado, os quais arbitro equitativamente em R$ 1.000,00 (CPC/2015, art. 85, § 8º), observados os critérios do art. 85, § 2º, do CPC/2015.

"Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

"Certificado o trânsito em julgado, e cumpridas as formalidades legais, arquivem-se definitivamente os autos, com as devidas anotações no sistema."

Inconformado, o autor apelou repisando os fatos elencados na peça vestibular, argumentando, em suma, a comprovação, por meio dos relatos testemunhais, da abordagem excessiva por parte do policial militar e pugnou pelo provimento do recurso a fim de que seja reconhecida a responsabilidade objetiva estatal, concedendo-lhe indenização por danos morais. Subsidiariamente, requereu o prequestionamento dos arts. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, 234 do Código de Processo Penal Militar, Decreto Lei 1002/69, e a Súmula Vinculante 11 do STF.

Com as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Superior Instância, perante a qual a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da Exma. Sra. Dra. Eliana Volcato Nunes, considerou ausente o interesse público na causa e deixou de intervir.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Márcio André Medeiros Moraes, contra a sentença que julgou improcedente o pedido formulado na "ação de indenização por danos morais" proposta contra o Estado de Santa Catarina, reiterando os termos expostos em sua petição inicial, no sentido de que tem direito de ser indenizado pelos danos anímicos sofridos em virtude de suposto abuso de autoridade praticado por policial militar.

Pois bem.

A responsabilidade civil aquiliana, em geral, funda-se em três requisitos, quais sejam: a conduta antijurídica (culposa ou dolosa), o dano e, ainda, o nexo causal entre ambos. Tal conclusão é extraída da conjugação dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, segundo os quais:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Em se tratando, porém, de responsabilidade do Estado pela reparação de danos infligidos aos administrados, como no caso "sub judice", deve-se analisar sob a ótica da responsabilidade objetiva, que dispensa à vítima a prova da culpa do causador do dano. O ente estatal, por sua vez, só se exime da responsabilidade se comprovar que o evento danoso ocorreu por culpa do lesado ou de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Essa conclusão deflui do disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, que preceitua: "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

De igual forma, o art. 43 do Código Civil de 2002 declara:

"As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito regressivo contra os causadores do danos, se houver, por parte destes, culpa ou dolo."

Sobre a matéria, esclarece Hely Lopes Meirelles:

A doutrina civilística ou da culpa civil comum, por sua vez, vem perdendo terreno a cada momento, com predomínio das normas de Direito Público sobre as regras de Direito Privado na regência das relações entre a Administração e os administrados. Resta, portanto, a teoria da responsabilidade civil sem culpa como a única compatível com a posição do Poder Público perante os cidadãos. Realmente, não se pode equiparar o Estado, com seu poder e seus privilégios administrativos, ao particular, despido de autoridade e de prerrogativas públicas. Tornaram-se, por isso, inaplicáveis em sua pureza os princípios subjetivos da culpa civil para a responsabilização da Administração pelos danos causados aos administrados. Princípios de Direito Público é que devem nortear a fixação dessa responsabilidade. A doutrina do Direito Público propôs-se a resolver a questão da responsabilidade civil da Administração por princípios objetivos, expressos na teoria da responsabilidade sem culpa ou fundados numa culpa especial do serviço público quando lesivo de terceiros. Nessa tentativa surgiram as teses da culpa administrativa, do risco administrativo e do risco integral, todas elas identificadas no tronco comum da responsabilidade objetiva da Administração Pública, mas com variantes nos seus fundamentos e na sua aplicação, sem se falar nas submodalidades em que se repartiram essas três correntes. Vejamos, em síntese, essas teorias objetivas, para verificarmos qual a acolhida pelo Direito Administrativo Atual.[...]Teoria do risco administrativo A teoria do risco administrativo faz surgir a obrigação a obrigação de indenizar o dano do só ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração. Não se exige qualquer falta do serviço público, nem culpa de seus agentes. Basta a lesão, sem o concurso do lesado. Na teoria da culpa administrativa exige-se a falta do serviço; na teoria do risco administrativo exige-se, apenas, o fato...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT