Acórdão Nº 0003646-15.2010.8.24.0037 do Quarta Câmara de Direito Público, 26-10-2023

Número do processo0003646-15.2010.8.24.0037
Data26 Outubro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0003646-15.2010.8.24.0037/SC



RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA


APELANTE: GILSON JOSE BARP (AUTOR) APELANTE: MARLENE EDVIGES MISCZAK (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)


RELATÓRIO


Gilson Jose Barp e Marlene Edviges Misczak propuseram "ação de desapropriação indireta" contra Estado de Santa Catarina, referente ao imóvel matriculado sob n. 7.912 no Registro de Imóveis de Joaçaba.
Devidamente instruída, a lide foi julgada nos consecutivos termos (Evento 265, 1G):
3. Ante o exposto, reconheço a ilegitimidade ativa da parte autora e, por conseguinte, JULGO EXTINTO o feito, sem resolução do mérito, com fulcro no artigo 485, inciso VI, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios, os quais arbitro em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §§ 2º e 3º, do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa, em razão de ser beneficiária da gratuidade da justiça.
Sentença publicada com o seu lançamento no sistema e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (Evento 278, 1G).
Irresignados, os autores objetivam a reforma do decisum pautada nos seguintes requerimentos (Evento 285, 1G):
Em face do exposto, requerem à Vossas Excelências, seja recebido e provido o recurso, para:
5.1 preliminarmente seja admitida a prova emprestada;
5.2 reformar a sentença declarando a LEGITIMIDADE ATIVA dos apelantes nos termos da fundamentação supra;
5.2.1 seja condenado o apelado ao pagamento a indenização de R$ 47.125,69, corrigido monetariamente e aplicado juros compensatórios conforme fundamentação;
5.2.3 por fim requer seja condenado o apelado ao pagamento da verba sucumbencial de 5% sobre o valor da condenação.
Com contrarrazões (Evento 290, 1G).
Desnecessária a intervenção do Ministério Público nos termos dos artigos 127 da Constituição Federal e 178 do Código de Processo Civil.
É o relatório

VOTO


In casu, o juízo a quo encartou decisão extintiva pela ilegitimidade dos autores, sob a premissa de que a aquisição da propriedade foi posterior à data da expropriação, é dizer, "a aquisição do bem ou de eventuais direitos sobre ele ocorreu quando já existia a restrição administrativa", e "não podem os autores, em nome próprio, cobrar indenização" (Evento 265, 1G).
Inconformada, a parte insurgente argui que: a) a apelada juntou documento oficial do Deinfra/SC o qual comprova que as obras da rodovia SC-150 ocorreram entre 10-6-1997 e 22-3-1999 (Evento 27, Documentacao2, 1G); b) "a conclusão que o apossamento administrativo teria ocorrido em 1975 se mostra equivocado, eis que o objeto da ação não é o traçado antigo da rodovia, mas apenas a faixa de domínio declarada de utilidade pública através do Decreto Estadual n. 2.892/98"; c) "a perícia não soube afirmar com precisão a data do apossamento, informando através de informações não oficiais e mapas antigos que o apossamento poderia ter ocorrido em 1955, 1961, 1975, 1985 ou 2004 (Evento 226, Laudo1)" e d) subsidiariamente, está "presente exceção da vulnerabilidade econômica dos adquirentes trazida pelo Tema 1.004/STJ" (Evento 285, 1G).
Na contenda em prélio, os apelantes encetaram demanda desapropriatória visando o recebimento de indenização por conta da expropriação ocorrida em parte de imóvel de sua propriedade, que resultou na implantação e/ou alargamento da Rodovia SC-452.
A altercação, em epítome, cinge-se à ventilada legitimidade ativa, sob o fundamento recursal de que o apossamento ocorreu em data anterior à aquisição do imóvel.
Dita controvérsia, acerca da legitimidade ativa em desapropriações indiretas, foi recentemente dirimida no julgamento do Tema n. 1004 do STJ (REsp 1750660), que estabeleceu a seguinte tese jurídica:
"Reconhecida a incidência do princípio da boa-fé objetiva em ação de desapropriação indireta, se a aquisição do bem ou de direitos sobre ele ocorrer quando já existente restrição administrativa, fica subentendido que tal ônus foi considerado na fixação do preço. Nesses casos, o adquirente não faz jus a qualquer indenização do órgão expropriante por eventual apossamento anterior. Excetuam-se da tese hipóteses em que patente a boa-fé objetiva do sucessor, como em situações."
A ementa do julgado é deveras elucidativa, in verbis:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO. APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À ALIENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ILEGITIMIDADE ATIVA DO ADQUIRENTE. DESCABIMENTO DE PRETENSÃO FUNDADA EM CESSÃO DE DIREITOS E SUB-ROGAÇÃO. ARTS. 286, 290, 346, 347, 349, 884, CAPUT, E 927 DO CÓDIGO CIVIL. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA, DA MORALIDADE E DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INAPLICABILIDADE DO ART. 31 DO DECRETO-LEI 3.365/1941. PRECEDENTES DA PRIMEIRA SEÇÃO E DA PRIMEIRA E SEGUNDA TURMAS DO STJ. JURISPRUDÊNCIA INERCIAL. ARTS. 926, CAPUT, E 927, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. [...]
OBSERVÂNCIA, NO DIREITO PÚBLICO, DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA 13. No Direito Público, com maior razão até que no Direito Privado, hão de ser aplicados, rigorosamente e na maior extensão possível, os princípios da boa-fé objetiva e da proibição de enriquecimento sem causa. Especificamente quanto à questão controvertida nos autos, repita-se trecho da lição, em Voto-Vista, do Min. Teori Zavaski: "subjaz à proibição de cobrança, pelo novo proprietário, de indenização por restrição ou esbulho administrativo, o entendimento de que o princípio constitucional da justa indenização visa a proteger o direito de propriedade, mas não a fomentar enriquecimento indevido, à base de pura especulação imobiliária." E conclui: demanda como a dos presentes autos "representa não o exercício de um direito, mas uma invocação abusiva do direito" (EREsp 254.246/SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ 12.3.2007, grifo acrescentado).
DEBATES APROFUNDADOS E ELUCIDATIVOS NA SESSÃO DE JULGAMENTO 14. No colegiado, foram aprofundados e elucidativos os debates acerca da questão central do Recurso Especial. O Ministro Francisco Falcão, acompanhando a divergência, pontuou: "Essa matéria já foi amplamente discutida em 2005, em 2006, no período em que eu era Presidente da Primeira Seção [...] E, sabedor de que quem adquiriu a propriedade sabia que havia restrição sobre aquela gleba, sobre aquele título de domínio, não tenho como modificar esta jurisprudência já pacificada no STJ." Por sua vez, o Ministro Sérgio Kukina rememorou que a matéria está associada à chamada "indústria da desapropriação". Tal patologia, nas suas palavras, "sempre gerou perplexidade, precatórios que se repetiam [...] tudo de fato desenhando esse cenário que não foi auspicioso, principalmente para o Erário e, portanto, para os contribuintes". O Ministro Benedito Gonçalves ponderou que, embora tenha havido oscilação na jurisprudência, "chegou-se o momento de definir as situações que foram bem postas aqui, firmando uma posição". Da posição majoritária discordou o Ministro Og Fernandes, acompanhando o Relator originário, arguindo que, ao se negar a possibilidade de cessão/sub-rogação, se estaria "colocando o Estado numa situação de privilégio, que beira a um enriquecimento ilícito". Em esmerado Voto Vogal escrito, a Ministra Assusete Magalhães não se opõe, na essência, à linha jurisprudencial da Primeira Seção sobre a vedação de cessão/sub-rogação, desde que se trate de constrição provinda de limitação administrativa ou normativa, cenário em que, nas suas palavras, realmente quem adquire após a constrição "não pode pretender obter depois indenização pela existência dessa limitação administrativa". Logo, "em se tratando de limitação administrativa, aplica-se, sim, esse entendimento" da Primeira Seção. Contudo, inferiu que, na hipótese dos autos, a situação é distinta, discrímen que afasta a pertinência dos precedentes arrolados, por "versaram sobre pedidos de indenização em decorrência de limitações administrativas, que não envolveram o apossamento ou o esbulho da propriedade pela Administração...

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