Acórdão Nº 0003655-32.2017.8.24.0004 do Segunda Câmara Criminal, 19-10-2021

Número do processo0003655-32.2017.8.24.0004
Data19 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003655-32.2017.8.24.0004/SC

RELATOR: Desembargador SÉRGIO RIZELO

APELANTE: MARIA APARECIDA DOS SANTOS SAID (RÉU) ADVOGADO: EDUARDO DA ROCHA DANIEL (OAB SC055154) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Araranguá, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Maria Aparecida dos Santos Said e Anderson Magno Cândido de Souza, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, nos seguintes termos:

No dia 17 de abril de 2017, por volta da 1h48min., na Avenida Getúlio Vargas, n. 2612 (residência da vítima), bairro Jardim Atlântico, Município de Balneário Arroio do Silva/SC, os denunciados Maria Aparecida dos Santos Said e Anderson Magno Cândido de Souza, em comunhão de esforços, mediante grave ameaça exercida com emprego de uma barra de ferro, subtraíram, 1 (um) relógio da marca Orient e 1 (uma) faca de cozinha, bens da vítima Joventino Brina (nascido em 8 de agosto de 1941).

Registra-se que, para realizar a subtração, o denunciado Anderson Magno Cândido de Souza, em união de desígnios com Maria Aparecida dos Santos Said, ameaçou causar injusto e grave a Joventino Brina, prometendo matá-lo caso não entregasse dinheiro ou outros bens. Além disso, empregou ameaça gestual ao empunhar uma barra de ferro (Evento 6).

Por não ter sido localizado para citação pessoal, o feito foi cindido com relação a Anderson Magno Cândido de Souza, prosseguindo nestes autos apenas contra a Coacusada.

Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito julgou parcialmente procedente a exordial acusatória e condenou Maria Aparecida dos Santos Said à pena de 7 anos, 3 meses e 3 dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 16 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, pelo cometimento do delito previsto no art. 157, § 2º, II, do Código Penal (Evento 99).

Insatisfeita, Maria Aparecida dos Santos Said deflagrou recurso de apelação (Evento 120).

Nas razões do recurso, alega a nulidade do reconhecimento fotográfico realizado pela Vítima, haja vista não ter aderido ao procedimento especificado no art. 226 do Código de Processo Penal.

No mérito, requer a proclamação da sua absolvição, por insuficiência probatória.

Subsidiariamente, pugna pela desclassificação da imputação à da prática do delito de furto ou de violação de domicílio.

Feito isso, pretende o afastamento do concurso de pessoas e o reconhecimento da atipicidade material da conduta, por insignificante.

Quanto à aplicação da reprimenda, almeja a fixação da pena-base no mínimo legal e a atenuação da intermediária em vista da confissão qualificada e da "coculpabilidade".

Com as alterações, espera que o regime inicial de resgate da pena seja o aberto, bem como que a privativa de liberdade seja substituída por restritivas de direitos.

Finalmente, pede o arbitramento de honorários recursais em remuneração do Excelentíssimo Defensor nomeado para atuar em sua defesa (Evento 130).

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (Evento 135).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Rogerio Antônio da Luz Bertoncini, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (Evento 7).

VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

No mérito, todavia, merece apenas parcial provimento.

1. Não há ilicitude nos reconhecimentos fotográficos realizados no feito, nas fases administrativa e judicial.

A Apelante Maria Aparecida dos Santos Said sustenta que, como os reconhecimentos não respeitaram o disposto no art. 226 do Código de Processo Penal, devem ser considerados ilícitos e imprestáveis.

Porém, a inobservância de tais disposições tem somente um reflexo: a prova "apenas não receberá o cunho de reconhecimento de pessoa ou coisa, podendo constituir-se numa prova meramente testemunhal, de avaliação subjetiva, que contribuirá ou não para a formação do convencimento do magistrado" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 528).

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça possui diversos precedentes no sentido de que "as disposições contidas no art. 226 do Código de Processo Penal configuram uma recomendação legal, e não uma exigência absoluta, não se cuidando, portanto, de nulidade quando praticado o ato processual (reconhecimento pessoal) de forma diversa da prevista em lei" (AgRg no AREsp n. 1.054.280/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 13/6/2017) (AgRg no AREsp 1.662.901, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 5.5.20).

Sem ignorar o marco histórico representado pelo julgamento do Habeas Corpus 598.886 pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (cuja conclusão foi a de que "O reconhecimento de pessoas deve [...] observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendido, de 'mera recomendação' do legislador", e que será retomado posteriormente), é importante destacar que o precedente, que é referente a julgamento realizado em outubro de 2020, já teve sua relevância mitigada pela própria Sexta Turma:

1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é possível a utilização das provas colhidas durante a fase inquisitiva - reconhecimento fotográfico - para embasar a condenação, desde que corroboradas por outras provas colhidas em Juízo - depoimentos e apreensão de parte do produto do roubo na residência do réu, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal. Precedentes. 2. Tendo o Tribunal local valorado existirem provas da prática do delito de roubo pelo paciente, utilizando-se não apenas do reconhecimento fotográfico, mas de outras circunstâncias descritas no acórdão, desconstituir tal premissa para acolher a tese de absolvição por fragilidade das provas demandaria o revolvimento fático-probatório, e não apenas a revaloração jurídica (AgRg no HC 633.659, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 2.3.21).

No mesmo sentido:

É firme o entendimento desta Corte de que a validade do reconhecimento do autor de infração não está obrigatoriamente vinculada à regra contida no art. 226 do Código de Processo Penal, porquanto tal dispositivo veicula meras recomendações à realização do procedimento, mormente na hipótese em que a condenação se amparou em outras provas colhidas sob o crivo do contraditório (AgRg no HC 629.864, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 2.3.21).

E da Quinta Turma:

Eventual descumprimento do procedimento de reconhecimento pessoal, não tem o condão de tornar nula a condenação, ainda mais quando esta foi alicerçada em outros elementos de prova (AgRg no HC 616.891, Rel. Min. Felix Fischer, j. 9.2.21).

Os reconhecimentos, então, devem ser considerados válidos e, sendo lícitos, não devem ser desentranhados dos autos.

Afasta-se essa preliminar.

2.1. No mérito, os pleitos absolutório e desclassificatório também não merecem acolhida.

A materialidade dos fatos está positivada no boletim de ocorrência do Evento 1, doc3-5, e na prova oral, consistente nos relatos judiciais e extrajudiciais do Ofendido (Evento 1, doc9-10 e Evento 72, doc115), e também nas palavras da própria Recorrente na Delegacia de Polícia (Evento 1, doc13-14), todos no sentido de que houve a subtração de bens pertencentes a Joventino Brina, na madrugada de 17.4.17, mediante a prática de grave ameaça exercida pelo porte de uma barra de ferro.

Isso é incontroverso e basta para que se perceba que é inviável a desclassificação da conduta à configuradora do furto, haja vista que presente a ameaça de lesão à incolumidade física da Vítima, o que diferencia os tipos penais em comento.

A propósito:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE ROUBO MAJORADO (ART. 157, § 2º, I E V, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N. 13.654/2018, DO CP). SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. RECURSO DA DEFESA. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE ROUBO PARA O DELITO DE FURTO. AUSÊNCIA DE PROVAS DO EMPREGO DE VIOLÊNCIA OU DE GRAVE AMEAÇA. IMPOSSIBILIDADE. PALAVRAS FIRMES E HARMÔNICAS DA VÍTIMA, EM AMBAS AS ETAPAS PROCESSUAIS, QUE CONFIRMAM A EXISTÊNCIA DA GRAVE AMEAÇA EXERCIDA COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO TIPO PENAL DO ROUBO. CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA MANTIDA (TJSC, Ap. Crim. 0009746-33.2016.8.24.0018, Rel. Antônio Zoldan da Veiga, j. 23.7.20).

2.2. Também a partir disso é patente que o delito cometido tampouco foi o de simples violação de domicílio (CP, art. 150), dado que a entrada na residência do Ofendido deu-se com a finalidade específica de subtração de seu patrimônio, o que, novamente, caracteriza o crime patrimonial.

Também desta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO IMPRÓPRIO TENTADO (ART. 157, § 1º, C/C O ART. 14, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ALMEJADA A DESCLASSIFICAÇÃO PARA OS CRIMES DE VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO E AMEAÇA. IMPOSSIBILIDADE. DOLO DO RÉU EM SUBTRAIR OBJETOS DA RESIDÊNCIA DEVIDAMENTE CONFIGURADO. Estando comprovada a...

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