Acórdão Nº 0003667-09.2015.8.24.0039 do Primeira Câmara Criminal, 06-02-2020

Número do processo0003667-09.2015.8.24.0039
Data06 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemLages
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0003667-09.2015.8.24.0039, de Lages

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

APELAÇÃO CRIMINAL. DANO CONTRA O PATRIMÔNIO PÚBLICO (ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, DO CÓDIGO PENAL). RECURSO DA DEFESA. MÉRITO. SUSCITADA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NARRADA NA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA INAPLICÁVEL À HIPÓTESE. CIRCUNSTÂNCIAS DO EVENTO QUE IMPEDEM A APLICAÇÃO DO ALUDIDO PRINCÍPIO, POR DENOTAREM A ALTA EXECRABILIDADE DA CONDUTA. PRETENDIDA ABSOLVIÇÃO, SOB A TESE DE INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. ALEGAÇÃO DE QUE O DANO SE DEU EM CONTEXTO DE INCENSURÁVEL REVOLTA, RELACIONADA À CONDUTA DE POLICIAIS CONTRA UM TERCEIRO. CAUSA EXCLUDENTE DE CULPABILIDADE NÃO CONFIGURADA. ALEGAÇÃO NÃO DEMONSTRADA A CONTENTO. AGENTE, ADEMAIS, QUE PODERIA AGIR DE FORMA DIVERSA. ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. O reeducando que, no interior de estabelecimento prisional, durante o cumprimento de pena privativa de liberdade, danifica, dolosamente, objetos integrantes do patrimônio público, comete conduta formalmente e materialmente típica, haja vista que, em tal hipótese, há grave ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma, a denotar intensa reprovabilidade e periculosidade social da ação. Nesse contexto, afigura-se inviável a aplicação do princípio da insignificância.

2. Segundo o direito penal pátrio, o agente que pratica fato típico e ilícito compelido por circunstâncias que impedem a tomada de conduta distinta não poderá ser considerado culpável.

No entanto, não há exclusão da culpabilidade se não demonstrada a existência de circunstância capaz de impelir de maneira absolutamente inevitável o agente à prática do delito.





Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003667-09.2015.8.24.0039, da comarca de Lages (2ª Vara Criminal) em que é Apelante Moisés Farias dos Santos e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina.



A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exma. Dra. Jayne Abdala Bandeira.

Florianópolis, 06 de fevereiro de 2020.



Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Relator





RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Termo Circunstanciado, ofereceu denúncia contra Moisés Farias dos Santos, devidamente qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, pelos fatos assim narrados na peça exordial acusatória, in verbis (fls. 84/86):


No dia 08 de setembro de 2013, por volta das 11h30min., no Presídio Masculino, situado na Rua Projetada, acesso Sul, neste Município e Comarca de Lages-SC, o denunciado MOISÉS FARIAS DOS SANTOS danificou portas, grades e uma garrafa que era utilizada para servir bebidas aos presos, do referido estabelecimento [Boletim de Ocorrência n. 00472-2013-09821 - fls. 2/3 e CD de fls. 41 e 50].

Desse modo, o denunciado MOISÉS FARIAS DOS SANTOS deteriorou os mencionados bens públicos, os quais são patrimônio do Estado de Santa Catarina-SC.

Merece ser frisado, que o denunciado MOISÉS FARIAS DOS SANTOS é reincidente em crime doloso, conforme se retira da certidão de antecedentes criminais de fls. 17/21.


Encerrada a instrução processual, o MM. Juiz a quo julgou procedente a denúncia para condenar o acusado à pena de 07 (sete) meses e 20 (vinte) dias de detenção, em regime semiaberto, e ao pagamento de 11 (onze) dias-multa, cada qual no seu valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, concedendo-lhe o direito de recorrer em liberdade (fls. 177/181).

Inconformado, o acusado, por intermédio da Defensoria Pública do Estado, interpôs recurso de apelação (fl. 191). Nas respectivas razões de insurgência, a defesa sustentou a atipicidade da conduta narrada na exordial, sob a invocação do princípio da insignificância. Também sustentou a tese de que era inexigível do agente a tomada de conduta diversa da apurada, haja vista que a praticou em contexto de severa revolta, diante de agressões praticadas por agentes prisionais em desfavor de um outro detento (fls. 195/203).

Em contrarrazões, o Ministério Público pugnou pelo conhecimento e desprovimento do recurso defensivo (fls. 209/215).

Após a ascensão dos autos a esta Superior Instância, a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por meio de parecer exarado pela Exma. Dra. Jayne Abdala Bandeira, opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 223/225).

Este é o relatório.

VOTO

O presente recurso de apelação se volta contra a sentença de primeiro grau que, ao julgar procedente a denúncia oferecida pelo Ministério Público, condenou o acusado Moisés Farias dos Santos pela prática do crime previsto no art. 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal (dano contra o patrimônio público).

O recurso merece ser conhecido, porquanto presentes seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

I – Da pretendida aplicação do princípio da insignificância

Destaque-se, inicialmente, que a autoria do dano ao patrimônio público narrado na inicial não foi impugnada pela defesa. Na insurgência, contudo, suscita-se a atipicidade da conduta, à luz do princípio da insignificância, dada a alegada inexpressividade da lesão causada ao bem jurídico tutelado.

Entende-se, no entanto, a partir da análise do presente caderno processual, que a conduta praticada pelo acusado é plenamente típica, afigurando-se inarredável sua responsabilização penal pelo fato.

O princípio da insignificância ou bagatela, sabe-se, repousa na ideia de que não pode haver crime sem ofensa jurídica - nullum crimen sine iniuria -, e deve ser invocado quando verificada a inexpressividade de uma determinada lesão a um bem jurídico tutelado pelo ordenamento legal.

Sobre o tema, é o ensinamento de Fernando Capez:


O direito penal não cuida de bagatelas, nem admite tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico. Se a finalidade do tipo penal é tutelar bem jurídico, se a lesão, de tão insignificante, torna-se imperceptível, não é possível proceder-se ao enquadramento, por absoluta falta de correspondência entre o fato narrado na lei e o comportamento iníquo realizado. Por essa razão, os danos de nenhuma monta devem ser considerados atípicos. Tal não se confunde com o furto privilegiado, em que a coisa furtada é de pequeno valor, mas não é de valor insignificante, ínfimo. Somente a coisa de valor ínfimo autoriza a incidência do princípio da insignificância, o qual acarreta a atipicidade da conduta. (Curso de Direito Penal, volume 2: parte especial. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 389).


Segundo a jurisprudência dos Tribunais Superiores, "[...] a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada". (STJ - AgRg no HC n. 495964/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. em 16/05/2019).

Por outro lado, certo que referido princípio deve ser utilizado moderadamente pelo julgador, visto que sua aplicação descomedida ocasionaria a banalização e incentivo ao cometimento de delitos de pequeno porte. Em outras palavras, o preceito deve ser empregado com copiosa cautela, evitando-se, dessa forma, a ampliação disparatada do que se tem como lesão inexpressiva a bem jurídico e à ordem social. Somente quando a potencialidade lesiva da conduta for manifestamente irrelevante, pois, é que estará excluída sua tipicidade material.

No caso em tela, restou demonstrado que o acusado, interno do sistema prisional estadual, em momento de alteração de ânimos, investiu fisicamente contra uma porta e uma garrafa térmica existentes no Presídio Masculino de Lages, ambas de propriedade do Poder Público, causando-lhes danos. Nesse sentido, aliás, o boletim de ocorrência de fls. 02/03, a prova oral contida nas fls. 124 e 129 e os arquivos de vídeo disponíveis na fl. 157.

É bem verdade que os objetos danificados não foram submetidos a uma oportuna avaliação, que poderia quantificar, com maior precisão, os prejuízos suportados pela Administração Pública em decorrência do episódio.

Lembre-se, contudo, que o reconhecimento do princípio da insignificância não demanda, apenas, a análise do objeto material dos ilícitos, mas envolve, também, o exame de todas as peculiaridades que envolvem o caso, inclusive das características subjetivas do agente.

Dito isso, convém salientar que o tipo penal em que incorreu o acusado tutela o patrimônio público, bem de altíssima relevância, de interesse de toda a coletividade. Nesse contexto, independentemente do tamanho do prejuízo causado à Administração, é inquestionável que a ação perpetrada pelo acusado ofendeu gravemente o bem jurídico tutelado pela norma, bem como encerrou intensa reprovabilidade e periculosidade social.

O Superior Tribunal de Justiça, em oportunidade pretérita, decidiu que "[...] A conduta de destruir, inutilizar ou deteriorar a coisa alheia, restrita ao tipo simples do crime de dano, afronta unicamente o patrimônio privado, sendo plenamente possível o...

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