Acórdão Nº 0003685-12.2018.8.24.0011 do Quarta Câmara Criminal, 14-07-2022

Número do processo0003685-12.2018.8.24.0011
Data14 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003685-12.2018.8.24.0011/SC

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE D'IVANENKO

APELANTE: JOELSON DA SILVA FONSECA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na comarca de Brusque (Vara Criminal), o Ministério Público denunciou Joelson da Silva Fonseca como incurso nas sanções do art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, por duas vezes, na forma do art. 70 do Código Penal, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória (Evento 14):

Infere-se do presente Inquérito Policial que no dia 20 de junho de 2018, por volta das 8h, na Avenida Bepe Rosa, Centro I, nesta cidade de Brusque/SC, próximo ao Supermercado Fort Atacadista, o denunciado JOELSON DA SILVA FONSECA, na condução do caminhão Scania, modelo R124 GA4X2NZ, de placas KAA-5677, com o reboque REB/RECRUSUL de placas IBV-5865, de forma negligente e imprudente, praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor, causando a morte da vítima Ana Paula Benaci.

Na ocasião, o denunciado JOELSON DA SILVA FONSECA estava conduzindo o caminhão Scania, modelo R124 GA4X2NZ, de placas KAA-5677, com o reboque REB/RECRUSUL de placas IBV-5865, na Avenida Bepe Rosa, Centro I, nesta cidade de Brusque/SC, sentido Bairro/Centro, ocasião em que, ao realizar a curva acentuada à direita localizada antes do Supermercado Fort Atacadista, de forma negligente e imprudente, pois não observou o traçado da via de sua mão de direção e, consequentemente, não esboçou reação compatível e necessária para acionar o sistema de direção corretamente no trecho curvilíneo em que trafegava, isto é, sem se atentar aos cuidados na condução do veículo automotor e na falta do dever de cuidado de se manter centralizado em sua pista de direção, perdeu o controle do caminhão, o qual tombou em cima do automóvel I/Audi Q3 2.0.TFSI, cor azul, de placas QIX-1984, que estava transitando sentido Centro/Bairro, causando-lhe a morte da condutora do referido automóvel, Ana Paula Benaci.

Devido à gravidade do acidente, a vítima Ana Paula Benaci sofreu "traumatismo crânioencefálico e de coluna cervical", conforme Laudo Pericial Cadavérico n. 9403.18.547 acostado à fl. 6. Naquele dia, o local do acidente "apresentava condições climáticas desfavoráveis uma vez que intenso nevoeiro afetava a visibilidade dos condutores" (vide Laudo Pericial n. 9111.18.00259 - fl. 59), de modo que o denunciado JOELSON DA SILVA FONSECA, como motorista profissional e sabendo que no local existe uma curva acentuada perigosa, deveria ter redobrado a sua atenção, pois as condições climáticas restringiram a visibilidade dos motoristas devido à presença de nevoeiros.

O Laudo Pericial n. 9111.18.00259 concluiu que "(...) o fator determinante para a ocorrência do acidente foi a provável detectibilidade tardia do traçado da via pelo condutor de V1, em função da falta de visibilidade ocasionada pela situação climática, nevoeiro, o impedindo de proceder a uma reação compatível e necessária para acionar o sistema de direção corretamente no trecho curvilíneo em que trafegava" (fl. 86).

Ressalta-se que a vítima, Ana Paula Benaci, estava grávida, de 21 a 23 semanas, de um feto masculino, o qual também faleceu em decorrência dos traumas sofridos pela vítima no acidente (vide Laudo Pericial Cadavérico n. 9403.18.548 - fl. 8), de sorte que, de forma negligente e imprudente, praticou homicídio culposo na direção de veículo automotor, causando a morte do feto masculino.

Recebida a denúncia em 29.01.2019 (Evento 17) e regularmente instruído o feito, foi prolatada sentença -- publicada em 15.09.2021 --, nos seguintes termos (Evento 133):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, a denúncia para condenar o acusado JOELSON DA SILVA FONSECA, já identificado nos autos, às penas de dois (2) anos e quatro (4) meses de detenção, em regime aberto (artigo 33, § 2º, 'c', do Código Penal), e suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de sete (7) meses, dando-o como incurso nas sanções do artigo 302, caput, da Lei n. 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), por duas vezes, em concurso formal, na forma do artigo 70, caput, do Código Penal.

Condeno-o, ainda, ao pagamento das custas processuais, que deverão ser recolhidas no prazo de dez (10) dias, a contar do trânsito em julgado.

Considerando que diante das circunstâncias judiciais, tenho como suficiente, para a reprovação e prevenção do crime, a substituição da reprimenda legal por duas restritivas de direito, nos termos do artigo 59 c/c o artigo 43, incisos I e IV, artigo 44, I e § 2º, artigo 46, §§ 2º e 3º, todos do Código Penal, aplico-lhe:

a) Prestação pecuniária consistente no pagamento de dois (2) salários mínimos, vigentes à época do efetivo pagamento, que deverão ser recolhidos em dinheiro, em favor de entidade conveniada junto ao juízo, nos termos da Portaria n. 02/2018, da Vara Criminal de Brusque, no prazo de trinta (30) dias, à contar do trânsito em julgado da sentença, depositando-se em juízo, em conta vinculada; e,

b) Prestação de serviço à comunidade em entidade conveniada a ser indicada na execução da sentença, conforme as aptidões do sentenciado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, executadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho, devendo sujeitar-se às orientações do administrador daquela entidade que acompanhará e fiscalizará a execução, controlando a freqüência e, ao final, enviando ao Juízo, relatório sucinto das atividades desenvolvidas.

[...]

Concedo-lhe o direito de recorrer em liberdade, posto que não se vislumbram presentes os requisitos para a decretação de sua prisão preventiva.

Inconformado, o réu apelou por seu defensor constituído, em cujas razões pugna pela sua absolvição, arguindo, para tanto, a ausência de culpa em sua conduta e a insuficiência de provas de que tenha agido com imprudência, imperícia ou negligência. Subsidiariamente, almeja o expurgo do concurso formal e a substituição da pena nos termos do art. 44 do Código Penal, sob o argumento de que não pode ter a pena de suspensão da habilitação por 7 (sete) meses, pois é motorista profissional; e que a jornada de trabalho da prestação de serviços à comunidade irá prejudicar a sua jornada de trabalho normal. Por fim, requer o direito de recorrer em liberdade (Evento 139).

Contra-arrazoado o recurso (Evento 148), os autos ascenderam a esta Corte, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, opinou pela adequação ex officio da capitulação do crime e pelo conhecimento e não provimento do apelo (Evento 10, PROMOÇÃO1).

VOTO

Cuida-se de apelação criminal interposta pelo réu -- Joelson da Silva Fonseca -- contra sentença que o condenou à pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, em regime inicial aberto, substituída por 2 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária no valor de 2 (dois) salário mínimos, e prestação de serviços à comunidade; bem como à suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo prazo de 7 (sete) meses, por infração ao art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, por duas vezes, na forma do art. 70 do Código Penal.

Insurge-se a defesa em busca da absolvição. Subsidiariamente, almeja o expurgo do concurso formal e a substituição da pena nos termos do art. 44 do Código Penal. Por fim, requer o direito de recorrer em liberdade.

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela adequação ex officio da capitulação do crime.

Presentes em parte os pressupostos de admissibilidade, conforme se verá no momento oportuno, o apelo há de ser parcialmente conhecido.

1 Da emendatio libelli

Inicialmente, ainda que não seja objeto de recurso, mister se faz esclarecer que o acidente automobilístico vitimou Ana Paula Benaci, que estava grávida, com aproximadamente, 22 semanas de gestação, e tanto a gestante quanto o feto vieram a óbito com os traumas sofridos.

Por tal motivo, o acusado foi denunciado e condenado pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, por duas vezes, em concurso formal.

Entretanto, com a devida vênia, entendo não ser possível a configuração do delito sub judice no que se refere ao óbito do nascituro, uma vez que a morte intrauterina não está protegida pelo crime de homicídio, mas sim pelo delito de aborto, que, entretanto, não comporta a modalidade culposa.

Aliás, o ponto em questão restou profundamente analisado pelo Procurador de Justiça, Dr. José Eduardo Orofino da Luz Fontes, motivo pelo qual a fim de evitar tautologia e em prestígio ao empenho demonstrado, transcrevo excerto do parecer, o qual adoto como parte integrante do voto e razões de decidir:

Inicialmente, de ofício, impende ser readequada a capitulação do crime homicídio culposo praticado no trânsito, que vitimou tanto Ana Paula Benaci quanto o nascituro.

Isso porque, não obstante a gravidade do crime, é certo que o nascituro não pode ser sujeito passivo de crime de homicídio, seja praticado na modalidade dolosa, seja na culposa.

Acerca do tema, leciona NUCCI:

Sujeito passivo: qualquer pessoa, com qualquer condição de vida, de saúde, de posição social, de raça, de estado civil [...]. Além disso, não se deve aceitar que a vida principia no início do parto, pois o...

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