Acórdão Nº 0003883-76.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 16-04-2020

Número do processo0003883-76.2019.8.24.0023
Data16 Abril 2020
Tribunal de OrigemCapital
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão




Recurso em Sentido Estrito n. 0003883-76.2019.8.24.0023, da Capital

Relator: Desembargador Paulo Roberto Sartorato

RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELA MOTIVAÇÃO TORPE, PELO EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU/IMPOSSIBILITOU A DEFESA DA VÍTIMA E PELO MEIO CRUEL (ART. 121, § 2º, INCISOS I, III E IV, DO CÓDIGO PENAL), ALÉM DE DELITOS CONEXOS DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER (ART. 211 DO CÓDIGO PENAL), ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA (ART. 2º, CAPUT, DA LEI N. 12.850/13) E CORRUPÇÃO DE MENORES MAJORADA (ART. 244-B, § 2º, DA LEI N. 8.069/90). RECURSOS DEFENSIVOS. PRETENDIDO, POR UM DOS RECORRENTES, A IMPRONÚNCIA, E, PELO OUTRO, A ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO CONEXO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. IMPOSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA DE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA DEVIDAMENTE CONSTATADOS. REQUISITOS DO ARTIGO 413 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PLENAMENTE PRESENTES. PRONÚNCIA QUE CONSTITUI MERO JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. CRIME CONEXO QUE TAMBÉM DEVERÁ SER OBJETO DE DELIBERAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS QUE RESPALDAM SUA MANUTENÇÃO NA PRONÚNCIA. PEDIDO, FORMULADO POR UMA DAS DEFESAS, DE EXCLUSÃO DAS QUALIFICADORAS RECONHECIDAS. IMPOSSIBILIDADE. CRIME DE HOMICÍDIO SUPOSTAMENTE MOTIVADO POR DESAVENÇAS ENVOLVENDO ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS. ALÉM DISSO, COMETIDO POR INÚMEROS ALGOZES, QUE SIMULTANEAMENTE ESFAQUEAVAM E, AO FINAL, DECAPITARAM A VÍTIMA. MEIO CRUEL E EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA TAMBÉM PLAUSÍVEIS NO MOMENTO, DEVENDO CONSTAR DA PRONÚNCIA. INCIDÊNCIA QUANTO A ELAS TAMBÉM DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE. DECISÃO DE PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS.

1. Comprovada a materialidade do crime doloso contra a vida e presentes indícios suficientes da autoria, deve a matéria ser remetida ao Conselho de Sentença para, soberanamente, apreciar e dirimir as dúvidas acerca da participação do recorrente no crime.

2. Uma vez realizada a pronúncia, em razão da suposta prática de crime contra a vida, o que determina a competência popular para o julgamento do feito, deve ser reconhecida, também, a competência do Júri para a averiguação do delito considerado conexo, cabendo nesta fase tão somente o encaminhamento do caso ao Tribunal Popular, sem se efetuar qualquer análise de mérito quanto à figura criminosa em questão.

3. Na fase da pronúncia, as qualificadoras "[...] só podem ser excluídas quando manifestamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos, vigorando também quanto a elas o princípio in dubio pro societate" (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. 8ª. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p. 921).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso em Sentido Estrito n. 0003883-76.2019.8.24.0023, da comarca da Capital Vara do Tribunal do Júri em que são Recorrentes Rafael Demétrio e Jonas Fronza dos Santos e Recorrido o Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer dos recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski, com voto, e dele participou o Exmo. Des. Ariovaldo Rogério Ribeiro da Silva.

Funcionou na sessão pela douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Dr. Rui Arno Richter.

Florianópolis, 16 de abril de 2020.

Assinado digitalmente

Desembargador Paulo Roberto Sartorato

Relator

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com base no incluso Inquérito Policial, ofereceu denúncia em desfavor de Rafael Demétrio, Jonas Fronza dos Santos e Ana Alice da Fonseca, devidamente qualificados nos autos, dando-os como incursos nas sanções do art. 121, § 2°, incisos I, III e IV, e art. 211, ambos do Código Penal, bem como art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/13 (fls. 82/84).

Posteriormente, o representante do Ministério Público ofereceu aditamento à denúncia, a fim de incluir no polo passivo da ação Alexsandro Serena e Bianco Laurentino, ambos devidamente qualificados nos autos, bem como incrementar a narrativa dos fatos e atualizar a capitulação jurídica dos crimes imputados aos denunciados, a fim de dá-los como incursos nas sanções do art. 121, § 2°, incisos I, III e IV, e art. 211, ambos do Código Penal, bem como nas do art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/13 e art. 244-B, § 2º, da Lei n. 8.069/90, pelos fatos assim narrados na peça exordial acusatória, in verbis (fls. 169/171):

1 O Homicídio Qualificado

No mês de janeiro de 2019, em dia incerto, em um matagal às margens da Servidão João Simplício da Costa, Vargem do Bom Jesus, na localidade conhecida como "Morro do Mosquito", nesta Capital, mediante prévio acordo de vontades e animus necandi, na companhia do adolescente Cleberson Teles Gonçalves, os denunciados mataram a vítima Jhon Wellington Alves Vidal. Os denunciados abordaram a vítima, amarraram-na e levaram-na para o referido matagal, onde passaram cada qual a deferir golpes de facão e faca contra o seu corpo, causando-lhe os ferimentos descritos no laudo cadavérico de fls. 26-27, o que provocou a sua morte. Toda ação dos denunciados foi sadicamente gravada por vídeos anexados aos autos. O homicídio foi triplamente qualificado. (1) O motivo do crime foi torpe. Os denunciados mataram o ofendido em razão de uma disputa entre organizações criminosas rivais1, porquanto são faccionados ao Primeiro Comando da Capital PCC, que domina a região do "Morro do Mosquito", e acreditavam que a vítima integrava o Primeiro Grupo Catarinense - PGC. (2) O crime foi executado com a utilização de meio cruel. Os denunciados desferiram contra o ofendido incontáveis golpes com uma pequena faca e um facão, a maior parte delas na região do pescoço, culminando na sua decapitação. Enquanto os denunciados reiteravam nos golpes fatais, revezando-se entre si e com tom jocoso, a vítima agonizava e suplicava pela vida, sangrando até a morte. Não bastasse, não cessaram as agressões a facão até a secção total da cabeça do ofendido. Tal agir demonstra brutalidade imoderada, irrelevância com a vida alheia e ausência de qualquer sentimento de piedade dos denunciados, os quais imprimiam dor e sofrimento desnecessários ao ofendido, sem que isso fosse preciso para matá-lo. (3) Por fim, o delito restou praticado de modo a dificultar a defesa do ofendido, na medida em encontrava-se completamente subjugado por seus executores, com as mãos amarradas, estes em superioridade numérica, no interior de comunidade dominada por organização criminosa, circunstância que tornou impossível esboçar eficaz reação ou eventual fuga.

2 A ocultação de cadáver

Após, os denunciados enterraram o corpo da vítima Jhon Wellington Alves Vidal em cova rasa, cobrindo-o de pedras, no matagal do próprio morro onde a mataram, às margens da Servidão João Simplício da Costa, Vargem do Bom Jesus, na localidade conhecida como "Morro do Mosquito", nesta Capital, com manifesto intuito de ocultar o seu cadáver, o qual apenas foi encontrado no dia 30 de janeiro de 2019, conforme laudo de exame de local de morte violenta de fls. 46-57.

3 A Participação em Organização Criminosa

Os denunciados integravam, à época do homicídio, a organização criminosa paulista denominada Primeiro Comando da Capital - PCC, conhecida associação de mais de quatro pessoas, caracterizada pela divisão de tarefas e ordenada estruturalmente, ainda que de forma informal (ministérios, disciplinas, sintonias, etc...), com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas são superiores a quatro anos, impondo temor à sociedade em geral, através da promoção de homicídios, roubos e tráfico de entorpecentes, dentre outras infrações penais, com o emprego de arma de fogo na sua atuação.

4 A corrupção de menor majorada

Nas mesmas circunstâncias, os denunciados corromperam e facilitaram a corrupção do adolescente Cleberson Teles Gonçalves, nascido em 23/05/2002, porquanto com ele praticaram as infrações capituladas acima, dentre elas o homicídio triplamente qualificado, crime este hediondo.

Encerrada a primeira fase da instrução processual, a MMa. Juíza a quo, convencida da existência de prova da materialidade e de indícios suficientes da autoria de crime contra a vida, julgou parcialmente admissível a denúncia, pronunciando os acusados Rafael Demétrio, Jonas Fronza dos Santos, Ana Alice Fonseca, Alexsandro Serena e Bianco Laurentino, a fim de que fossem submetidos a julgamento perante o Tribunal do Júri, como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, art. 211, ambos do Código Penal, art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/13 e art. 244-B, caput, da Lei n. 8.069/90, negando-lhes o direito de recorrer em liberdade, com manutenção da segregação cautelar anteriormente imposta (fls. 541/557).

Posteriormente, a Magistrada a quo avocou os autos a fim de retificar erro material constante da parte dispositiva da decisão, pronunciando os acusados como incursos nas sanções do art. 121, § 2º, incisos I, III e IV, art. 211, ambos do Código Penal, art. 2º, caput, da Lei n. 12.850/13 e art. 244-B, § 2º, da Lei n. 8.069/90 (fl. 567).

Inconformadas, as defesas dos acusados Jonas (fl. 720) e Rafael (fl. 740) interpuseram recursos em sentido estrito.

Jonas, argumentando que os indícios de prova amealhados em seu desfavor são insuficientes para justificar a decisão impugnada, requer a sua impronúncia (fls. 721/736).

Rafael, a seu turno, pugna pelo afastamento das qualificadoras do crime contra a vida, bem como pela absolvição quanto ao delito conexo constante do art. 2º, caput, da Lei n. 12.850/13, por insuficiência de provas (fls. 741/744).

O representante do Ministério Público, em contrarrazões, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento de ambos os recursos (fls. 752/764).

Mantida a decisão recorrida (fl. 765), os autos...

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