Acórdão Nº 0003886-17.2017.8.24.0018 do Quinta Câmara Criminal, 27-01-2022

Número do processo0003886-17.2017.8.24.0018
Data27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003886-17.2017.8.24.0018/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ NERI OLIVEIRA DE SOUZA

APELANTE: IVANDRO FAGUNDES DOS SANTOS (ACUSADO) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

Na Comarca de Chapecó, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Ivandro Fagundes dos Santos dando-o como incurso nas sanções do art. 306, caput, e 309, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, conforme os seguintes fatos descritos na inicial acusatória, in verbis (Evento 15):

"Segundo se infere do presente procedimento, no dia 10 de maio de 2017, por volta das 22h10min, policias militares foram acionados para atender ocorrência de acidente de trânsito com apenas danos materiais, na Rua John Kennedy, bairro Passos dos Fortes, nesta Cidade e Comarca de Chapecó/SC, envolvendo o veículo VW/Saveiro CL, placa LZQ-5663, conduzido pelo denunciado IVANDRO FAGUNDES DOS SANTOS, e o veículo Peugeot 307, placa EQA-6104, conduzido por Jorge Felippe Cardoso de Souza Nunes.

Diante disso, os milicianos se deslocaram até o local e constataram que o denunciado IVANDRO FAGUNDES DOS SANTOS apresentava visível estado de embriaguez. Realizado o teste do bafômetro, restou constatado que o denunciado estava com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou substância de efeitos análogos (Teste de Alcoolemia de fl. 06 - indicando concentração de 1,21 miligramas/litros = 24,2), de forma que as suas condições de dirigibilidade estavam gravemente comprometidas, e assim o denunciado expôs a dano potencial a incolumidade alheia, comprometendo gravemente a segurança viária, mormente em razão de o local dos fatos ser de movimentação intensa de caminhões e pedestres, tanto que acabou ocasionando o mencionado acidente de trânsito, com danos materiais de grande monta.

Portanto, o denunciado IVANDRO FAGUNDES DOS SANTOS estava com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, revelada pelo teste de alcoolemia, bem como diante da forma que conduzia seu veículo (provocando inclusive acidente de trânsito).

Ademais, verifica-se que, à época dos fatos, o denunciado IVANDRO FAGUNDES DOS SANTOS não possuía Carteira Nacional de Habilitação e, pela forma que conduzia o automóvel acima referido, sobretudo diante do fato de ter colidido com outro veículo, expôs a perigo de dano os demais transeuntes e condutores de veículos, atentando contra à incolumidade e segurança alheia".

Encerrada a instrução, a magistrada a quo proferiu sentença julgando procedente a denúncia, nos seguintes termos (Evento 114):

"Pelos fatos e fundamentos expostos, nos termos da fundamentação, ACOLHO a pretensão punitiva estatal para, em consequência, CONDENAR IVANDRO FAGUNDES, já devidamente qualificado nos autos, à pena privativa de liberdade de 10 (dez) meses e 15 (quinze) dias de detenção, além do pagamento de 15 dias-multa, no valor individual de 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, e 3 (três) meses de suspensão do direito de dirigir veículo automotor, por infração aos arts. 306, caput, e 309 do Código de Trânsito Brasileiro.

O regime inicial para o cumprimento de pena é o semiaberto, ante a circunstância judicial desfavorável e pela multirreincidencia (art. 33, § 2º, b e § 3º).

Diante da circunstância judicial desfavorável e pela multirreincidência, inviável a substituição da pena corpórea, bem com a aplicação do sursis, uma vez que não estão preenchidos os requisitos básicos das benesses (artigo 44 e 77 do CP).

Condeno-o, ainda, ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade porque assistido pela Defensoria Pública.

A pena de multa deverá ser paga no prazo e nas condições do art. 50 do Código Penal.

Ausentes os requisitos ensejadores da prisão preventiva, concedo ao réu o direito de recorrer em liberdade.

Com relação ao valor recolhido a título de fiança, utilizar para pagamento da multa. Havendo saldo remanescente, intime-se o réu para apresentar dados bancários, a fim de possibilitar a devolução. Apresentados os dados, expeça-se alvará isento de imposto de renda".

Inconformado, o réu interpôs apelação criminal por intermédio de defensor constituído (Evento 122). Em suas razões recursais o apelante postula: 1) preliminarmente, a decretação da nulidade do teste de alcoolemia realizado, uma vez que os agentes públicos não informaram ao réu seu direito de não produzir prova contra si mesmo; 2) a absolvição do crime tipificado no art. 306, caput, da Lei n. 9.503/97 por ausência da prova da materialidade delitiva, raciocínio este lastreado na não calibração do equipamento de bafômetro utilizado e no princípio do in dubio pro reo (Evento 125).

Em contrarrazões, o Mistério Público manifestou-se pelo desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a sentença prolatada (Evento 130).

A Procuradoria de Justiça, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Dr. Paulo Roberto Speck manifestou-se pelo desprovimento do apelo (Evento 11 destes autos).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conhece-se do recurso e, à luz do princípio tantum devolutum quantum apellatum, passa-se a analisar unicamente as insurgências deduzidas.

1. Preliminarmente, arguiu a defesa a existência de nulidade processual, aduzindo que o apelante não foi cientificado, pelos agentes públicos, acerca do seu direito de não produzir prova contra si.

É consabido que, o princípio do nemo tenetur se detegere possibilita ao cidadão, quando surpreendido com sinais de embriaguez, negar-se a realizar o teste do bafômetro, no entanto, não é isso que se vivencia nos autos.

Conforme será pormenorizado a seguir, o procedimento realizado pela autoridade policial seguiu os termos da lei, inexistindo prejuízo ao acusado, já que após abordagem o acusado voluntariamente submeteu-se à realização do exame do etilômetro, que constatou a concentração de 1,21 mg/L = 24,2 (teste de alcoolemia de Evento 1, Auto de Prisão Em Flagrante 6).

O procedimento, segundo consta nos autos, seguiu de forma regular inexistindo notícias acerca da eventual coação física ou psicológica por parte dos agentes públicos para realização do referido exame, tanto que os policiais, no boletim de ocorrência n. 00420-2017-0005255, fizeram assim constar (Evento 1, Auto de Prisão Em Flagrante 4):

"Relata o comunicante que foram acionados para atender ocorrência de acidente de trânsito (Boat 2776463); Que ao chegar no local perceberam que o conduzido apresentava sinais de embriaguez; Que foi oferecido teste de alcoolemia sendo aferido pelo etilômetro 1,11 mg//, diante dos fatos foi conduzido até a CPP para apreciação da autoriade policial de plantão".

Por sua vez, ouvidos na fase administrativa, os Policiais Militares relataram que "foi oferecido o teste do bafômetro e ele se propôs a fazer" e "ele fez o bafômetro tranquilo, de comum acordo", conforme vídeos 93 e 94 de Evento 2.

Nesse cenário, denota-se que lhe foi assegurado o seu direito constitucional a não autoincriminação, o qual foi renunciado quando se submeteu voluntariamente em realizar o teste de alcoolemia. Assim, não há falar em nulidade do ato processual ante a inexistência de comprovação acerca do prejuízo efetivamente sofrido, em atenção ao princípio pas nullité sans grief e art. 563 do Código de Processo Penal.

Demais a mais, nos termos do art. 156, caput, do Código de Processo Penal, "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer" e, neste caso, a defesa não trouxe aos autos qualquer substrato em comprovar que o apelante não tinha ciência de que poderia negar-se a realizar o exame em comento.

Sobre o tema, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. [...] EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306 DA LEI 9.503/1997). MATERIALIDADE. TESTE DO BAFÔMETRO. VOLUNTARIEDADE. PROVA PRODUZIDA PELO AUTOR CONTRA SI MESMO. INOCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. 1. Após o advento da Lei 11.705/2008, a qual conferiu nova redação ao artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, a expressão "concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas", passou a integrar o referido tipo penal. [...] 3. Conquanto o exame de sangue ou o teste do bafômetro sejam indispensáveis para a comprovação da materialidade do crime de embriaguez ao volante na vigência da Lei 11.705/2008, o certo é que o condutor do automóvel não é obrigado a realizá-los, sob pena de ofensa ao princípio que proíbe a autoincriminação. 4. Na hipótese de o acusado de dirigir embriagado se negar a realizar os testes que comprovam a ingestão de bebida alcoólica, incidem as penalidades administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro, nos termos do § 3º do artigo 277...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT