Acórdão Nº 0003906-90.2017.8.24.0023 do Terceira Câmara Criminal, 14-12-2021

Número do processo0003906-90.2017.8.24.0023
Data14 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0003906-90.2017.8.24.0023/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0003906-90.2017.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

APELANTE: JAISON RODRIGO NICANOR KIRCH (ACUSADO) ADVOGADO: LUDMILA GRADICI CARVALHO DRUMOND (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

RELATÓRIO

O representante do Ministério Público, com atribuição para atuar perante a 2ª Vara Criminal da Comarca da Capital, ofereceu denúncia em desfavor de Jaison Rodrigo Nicanor Kirch, com 27 anos à época, por infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06, em razão dos seguintes fatos narrados (evento 14):

No dia 8 de março de 2017, por volta das 15 horas, na Rua Firmino Costa n. 131, no Bairro Coqueiros, nesta Capital, o denunciado Jaison Rodrigo Nicanor Kirch tinha em depósito 1.023,5g (mil e vinte três gramas e cinco decigramas) de maconha, divididos em 2 (duas) porções envoltas em plástico incolor e 0,1g (um decigrama) de cocaína, embalado em 1 (um) pacotinho de plástico branco, estando o uso de todas as substâncias proibido em todo o território nacional, de acordo com a Portaria n. 344/98 e atualizações subsequentes, tudo nos termos do Auto de Prisão em Flagrante da fl. 1, Boletim de Ocorrência das fls. 7/8, Termo de Apreensão da fl. 9 e Laudo de Constatação n. 0206/17 da fl. 11.

Por ocasião dos fatos, policiais civis deslocaram-se até o Bairro acima mencionado a fim de averiguar a informação que tinham recebido, no sentido de que na residência situada na Rua Firmino Costa n. 131 havia chegado drogas; no local encontraram o denunciado Jaison Rodrigo Nicanor Kirch no interior da morada. Ato contínuo, os agentes da lei questionaram-no acerca das drogas, momento em que o denunciado mostrou aos policiais a maconha que guardava no armário da cozinha, bem como a peteca de cocaína, a qual estava escondida no sofá.

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para, in litteris (evento 158):

CONDENAR o réu JAISON RODRIGO NICANOR KIRCH, nascido em 03/07/1989, filho de Idonez Nicanor Kirch e Júlio Roque Kirch, já qualificado, ao cumprimento da pena privativa de liberdade 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão em regime aberto, bem como ao pagamento de 250 (duzentos e cinquenta dias) dias-multa, cada dia no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, atualizado monetariamente, por infração ao art. 33, § 4°, da Lei n. 11.343/06.

Inconformado com a prestação jurisdicional entregue, Jaison Rodrigo Nicanor Kirch, por intermédio da Defensoria Pública, interpôs recurso de apelação, em cujas razões pretende, preliminarmente, o reconhecimento da ilicitude da prova produzida em razão da violação do domicílio. No mérito, requer 1) a absolvição por insuficiência de provas; 2) a desclassificação do crime de tráfico de drogas para a conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas; 3) a fixação da fração máxima (2/3) em razão do reconhecimento do tráfico privilegiado; 4) a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos; e 5) o reconhecimento da inconstitucionalidade da pena de multa (evento 162).

Contra-arrazoado o recurso (evento 179), os autos ascenderam a este Tribunal, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Exmo. Sr. Dr. Jorge Orofino da Luz Fontes, manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento do recurso, apenas para substituir a reprimenda corporal por restritivas de direitos (evento 13).

Este é o relatório.

Documento eletrônico assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1668736v9 e do código CRC 118a48c3.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ERNANI GUETTEN DE ALMEIDAData e Hora: 26/11/2021, às 14:2:24





Apelação Criminal Nº 0003906-90.2017.8.24.0023/SCPROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0003906-90.2017.8.24.0023/SC

RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA

APELANTE: JAISON RODRIGO NICANOR KIRCH (ACUSADO) ADVOGADO: LUDMILA GRADICI CARVALHO DRUMOND (DPE) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)

VOTO

O recurso, como próprio e tempestivo, deve ser conhecido.

1 - Da preliminar: Inviolabilidade de domicílio.

Ab initio, a defesa do apelante Jaison Rodrigo Nicanor Kirch pugna pela nulidade do processo pela inexistência de justificativa idônea a autorizar a relativização da inviolabilidade de domicílio.

Razão não lhe assiste.

Isso porque o direito à inviolabilidade do domicílio, assim como qualquer outro, não se reveste de caráter absoluto e tem as respectivas mitigações delineadas no próprio texto constitucional, conforme se infere do art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal:

"A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial."

Com efeito, a proteção à intimidade, à privacidade, à segurança e a outros direitos personalíssimos não pode servir de barreira intransponível para a realização de ilícitos penais.

Na hipótese, como se verá adiante, o apelante possuía entorpecentes destinados ao comércio ilícito, motivo pelo qual se encontravam em hipótese de flagrante delito, pois o tráfico de drogas, nessas circunstâncias, classifica-se como crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo.

A propósito, o art. 302 do Código de Processo Penal dispõe:

Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:

I - está cometendo a infração penal;

Ademais, das exceções constitucionais à inviolabilidade do domicílio, percebe-se que, na hipótese de flagrante delito, a entrada pode ocorrer a qualquer momento do dia, diferentemente do caso de ordem judicial.

No caso concreto, tem-se que os policiais civis Gustavo Oliveira de Abreu, na fase extrajudicial, e Luciano Dutra, em ambas as etapas processuais, foram uníssonos no sentido que ingressaram no imóvel após prévias informações no sentido de que o apelante havia recebido um carregamento de drogas na sua residência, situada na Rua Firmino Costa n. 131, tendo dito Luciano em juízo, inclusive, que o apelante franqueou a entrada no local.

Na oportunidade, os agentes públicos, ao chegarem em frente à residência, disseram que o apelante estava deitado no sofá ao lado de certa quantidade de cocaína, tendo assim adentrado no local e encontrado 02 (duas) porções de maconha escondidas no armário da cozinha, com peso total de 1023,5g (mil e vinte e três gramas e cinco decigramas de maconha), além de 01 (um decigrama) de cocaína, que estava ao seu lado no momento da sua prisão.

Aliado a isso, importante mencionar que o apelante, em sede de audiência de custódia, disse que os policiais bateram na sua porta antes de ingressar no interior da sua residência, sendo que, apesar de não ter aberto a porta em razão da ordem dos policiais, disse que "queria ter aberto a porta" (evento 06).

A propósito, não se olvida que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário 603.616/RO, em sede de repercussão geral, de relatoria do Exmo. Min. Ministro Gilmar Mendes, definiu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas "a posteriori", que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados''.

A Lei 13.869/2019 tipificou a violação da garantia da inviolabilidade de domicílio como crime de abuso de autoridade, ressalvando de forma expressa, no art. 22, § 2º, do mesmo diploma legal, que: "não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre''.

No entanto, no caso, ante as fundadas suspeitas da prática de crime permanente, a entrada no domicílio, por ser medida de urgência, não se sujeita à reserva jurisdicional, restando prescindível a expedição de mandado de busca e apreensão, nos termos do art. 5º, XI, da Constituição Federal.

Nesse sentido, colhe-se do Superior Tribunal de Justiça:

1) AgRg no Habeas Corpus 664.836/SP, Quinta Turma, rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. em 22.6.2021:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, APENAS PARA PROMOVER ALTERAÇÕES DO CÁLCULO DA PENA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE POR INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO INFORMAL. MANIFESTAÇÃO NÃO UTILIZADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. DETRAÇÃO DO TEMPO DE CUSTÓDIA CAUTELAR PARA FINS DE FIXAÇÃO DO REGIME. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito. 2. Em acréscimo, o E. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, no julgamento do REsp n. 1.574.681/RS, destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar" . 3. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante das fundadas...

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