Acórdão Nº 0003927-34.2016.8.24.0045 do Segunda Câmara Criminal, 29-09-2020

Número do processo0003927-34.2016.8.24.0045
Data29 Setembro 2020
Tribunal de OrigemPalhoça
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0003927-34.2016.8.24.0045, de Palhoça

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (CP, ART. 304) E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (LEI 10.826/03, ART. 14). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

1. USO DE DOCUMENTO FALSO. COMPETÊNCIA. APRESENTAÇÃO. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. SERVIÇO DA UNIÃO. JUSTIÇA FEDERAL (CF, ART. 109, IV; STJ, SÚMULA 546). 2. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. 2.1. COMPETÊNCIA. CRIME CONEXO. SENTENÇA. JUSTIÇA ESTADUAL (CPP, ART. 82; STJ, SÚMULA 235). 2.2. ARMA DESMUNICIADA. ALCANCE IMEDIATO. PRONTO USO. TIPICIDADE. LESIVIDADE. 2.3. EXCLUDENTES DE ILICITUDE. LEGÍTIMA DEFESA (CP, ART. 25) E ESTADO DE NECESSIDADE (CP, ART. 24). AGRESSÃO INJUSTA, ATUAL OU IMINENTE. PERIGO ATUAL. MODO DE EVITAÇÃO.

1. A competência absoluta para processamento e julgamento do crime de uso de documento falso, em caso de apresentação de CRLV em tese falsificado a Policiais Rodoviários Federais, é da Justiça Federal.

2.1. Não se determina a remessa do feito, com relação a crime conexo a outro de competência da Justiça Federal, se já foi prolatada sentença na Justiça Estadual.

2.2. Por se tratar de crime de mera conduta e perigo abstrato, o porte irregular de arma de fogo de uso permitido, ainda que desmuniciada, ofende o bem jurídico tutelado e configura o delito previsto no art. 14 da Lei 10.826/03 e, além disso, o fato de a arma de fogo e as munições estarem em um console abaixo da alavanca de marcha do veículo, e não junto ao corpo do agente, não desnatura sua conduta como sendo a de porte.

2.3. A mera alegação do agente, de que portava ilegalmente a arma de fogo para defender-se, porque foi passar a noite em sua casa de praia que, no dia anterior, fora arrombada e furtada, não tem o condão de excluir a ilicitude da conduta, uma vez que a hipótese não revela a existência de injusta agressão, atual, iminente, ou de perigo atual, não sendo, o suposto estado de alerta, capaz de configurar as causas de exclusão de antijuridicidade, mesmo porque há outros agires capazes de evitar eventual perigo de novos furtos, tais como a procura das forças de segurança pública, a contratação de vigilância particular ou a substituição das fechaduras estragadas.

RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. DE OFÍCIO, RECONHECIDA A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA ESTADUAL QUANTO AO CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO E DETERMINADA REMESSA DE CÓPIA DOS AUTOS À JUSTIÇA FEDERAL.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0003927-34.2016.8.24.0045, da Comarca de Palhoça (1ª Vara Criminal), em que é Apelante Fernando Soares Koerich e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, anular o feito, de ofício, desde o recebimento da denúncia, inclusive, no tocante ao delito previsto no art. 304 do Código Penal, em razão da incompetência absoluta da Justiça Estadual, determinando a remessa de cópia dos autos à Justiça Federal e julgando prejudicado o apelo neste tocante; e conhecer parcialmente do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Desembargadores Norival Acácio Engel (Presidente) e Salete Silva Sommariva.

Florianópolis, 29 de setembro de 2020.

Sérgio Rizelo

RELATOR


RELATÓRIO

Na Comarca de Palhoça, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Fernando Soares Koerich, imputando-lhe a prática dos crimes previstos nos arts. 14 da Lei 10.826/03 e 304 do Código Penal, nos seguintes termos:

No dia 29 de junho de 2016, por volta das 9h10min, policiais rodoviários federais abordaram o denunciado Fernando Soares Koerich, no posto de fiscalização, situado na Rodovia BR-101, Km 220, Aririú da Formiga, neste município.

Ato continuo, durante a realização de buscas no veículo, constataram que o denunciado Fernando Soares Koerich portava arma de fogo de uso permitido, qual seja, uma pistola, marca Taurus, calibre .380, além de 2 (dois) dois carregadores contendo 27 (vinte e sete) munições intactas, em desacordo com determinação legal ou regulamentar (laudo de fl. 46).

Não fosse isso, o denunciado Fernando Soares Koerich portava e fez uso (apresentou aos policiais) de documento falso, ou seja, do CRLV de fl. 20, já que o material (certificado de registro e licenciamento) havia sido subtraído do Despachante Luiz André Russi, no município de Balneário Camboriú (boletins de ocorrência anexos) e laudo pericial de fls. 54-56 (fl. 68).

Concluída a instrução, a Doutora Juíza de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Fernando Soares Koerich à pena de 4 anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente aberto, e 20 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, substituída a privativa de liberdade por restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária de valor equivalente a dois salários mínimos e prestação de serviços à comunidade, pelo cometimento dos delitos previstos nos arts. 14 da Lei 10.826/03 e 304 do Código Penal (fls. 241-249).

Insatisfeito, Fernando Soares Koerich deflagrou recurso de apelação (fl. 259).

Em suas razões, sustenta a atipicidade da sua conduta.

Com relação à arma de fogo, alega que ela estava desmuniciada e em local de difícil acesso em seu veículo, de modo que não houve exposição do bem jurídico a perigo, e que somente a transportou em razão dos furtos anteriores ocorridos em sua casa de veraneio, agindo em estado de necessidade ou em legítima defesa.

No que toca ao documento do veículo, afirma que não tinha conhecimento de sua origem ilícita e que não houve prejuízo à fé pública.

Sob tais argumentos, requer a proclamação da sua absolvição (fls. 271-275).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 281-286).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Rogério Antônio da Luz Bertoncini, posicionou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 297-304).

Em 23.6.20, esta Segunda Câmara Criminal, "decidiu, por maioria, suspender o julgamento e convertê-lo em diligência, [...] para análise e possível propositura, pelo Ministério Público, no prazo de 60 dias, do acordo previsto no art. 28-A do Código de Processo Penal, vencido o Excelentíssimo Desembargador Norival Acácio Engel, que votou pela análise do recurso" (fls. 311-340).

O Ministério Público, por entendê-lo incabível nesta fase processual, deixou de oferecer o acordo (fls. 352-355).

Intimado, Fernando Soares Koerich pugnou pela "remessa do feito ao Ministério Público do Primeiro Grau para que reavalie as condições de oferecimento do acordo de não persecução penal" (366-367).

Este é o relatório.


VOTO

É incabível o acolhimento do pedido das fls. 366-367 dos autos, uma vez que os autos já foram remetidos à origem e o Ministério Público entendeu pelo não oferecimento do acordo de não persecução penal, sendo indevido que o Poder Judiciário determine a adoção de providência já implementada.

A propósito, do Superior Tribunal de Justiça:

Além da análise dos requisitos objetivos do acordo de não persecução penal, nos mesmos moldes do sursis processual, é essencial fazer a verificação de seu cabimento pelo Ministério Público, o qual detém o poder-dever de analisar, fundamentadamente, a possibilidade de aplicação ou não do referido instituto em compatibilidade com os requisitos objetivos e subjetivos do art. 28-A do Código de Processo Penal.

No caso, o Parquet entendeu ser incabível o oferecimento do acordo de não persecução, recusa esta confirmada pelo Procurador Geral de Justiça. Por conseguinte, sendo atribuição ministerial averiguar a suficiência e necessidade do acordo, não cabe ao Judiciário essa iniciativa (EDcl no HC 581.444, Rel. Min. Ribeiro Dantas, j. 1º.7.20).

O Apelante Fernando Soares Koerich poderia ter requerido "a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código" (CPP, art. 28-A, § 14º), mas, como não o fez, o feito segue seu curso natural, que é a apreciação do recurso de apelação.

1. O recurso comporta parcial conhecimento, pois, com relação ao crime de uso de documento falso (CP, art. 304), deve ser reconhecida a incompetência absoluta da Justiça Estadual para seu julgamento.

Narra denúncia e confirmam os autos que o CRLV em tese falsificado foi apresentando a Policiais Rodoviários Federais e, nessa hipótese, por se tratar de infração penal praticada em detrimento de serviço da União, a competência, de caráter absoluto porque determinada pela matéria, é da Justiça Federal (CF, art. 109, IV).

Nessa linha, do Supremo Tribunal Federal:

COMPETÊNCIA - JUSTIÇA FEDERAL - USO DE DOCUMENTO FALSO - DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL - INTERESSE DA UNIÃO. É da Justiça Federal a competência para processar ação penal considerado crime de uso de documento falso em detrimento de serviço da União. Precedente: Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo nº 776.354/AM, relator ministro Luiz Fux, Primeira Turma (ARE 843.104 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 9.12.14).

A questão é alvo da Súmula 546 do Superior Tribunal de Justiça: "A competência para processar e julgar o crime de uso de documento falso é firmada em razão da entidade ou órgão ao qual foi apresentado o documento público, não importando a qualificação do órgão expedidor".

Em caso idêntico ao em mesa, decidiu a Terceira Seção do Tribunal da Cidadania:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. USO DE DOCUMENTO FALSO. CERTIFICADO DE REGISTRO E LICENCIAMENTO DE VEÍCULO - CRLV. UTILIZAÇÃO PERANTE A POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. PREJUÍZO A SERVIÇO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência para processamento e julgamento do delito de uso de documento falso deve ser fixada com base na qualificação do órgão ou entidade perante o qual foi apresentado o...

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