Acórdão Nº 0004001-37.2014.8.24.0020 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 20-10-2020

Número do processo0004001-37.2014.8.24.0020
Data20 Outubro 2020
Tribunal de OrigemMeleiro
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Cível n. 0004001-37.2014.8.24.0020, de Meleiro

Relator: Desembargador Robson Luz Varella

APELAÇÃO CÍVEL - "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO, NULIDADE DE PROTESTO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS" - SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA - RECURSO DE UMA DAS ACIONADAS.

LAVRATURA DE PROTESTO COM BASE EM DUPLICATA EMITIDA POR UMA DAS RÉS E TRANSFERIDA À ORA APELANTE - DOCUMENTO SEM ACEITE - AUSÊNCIA DE EFICÁCIA CAMBIÁRIA - INAPLICABILIDADE DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS, DENTRE OS QUAIS A AUTONOMIA E A ABSTRAÇÃO - INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 2º, § 1º, VIII, E , DA LEI N. 5.474/1968 - OCORRÊNCIA DE MERA CESSÃO DE CRÉDITO - OPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS HAVIDAS ENTRE OS ORIGINAIS CONTRATANTES EM FACE DA CESSIONÁRIA, ATÉ O CONHECIMENTO DO DEVEDOR ACERCA DA CESSÃO, NOS TERMOS DOS ARTS. 290 E 294 DO CÓDIGO CIVIL - DESFAZIMENTO DA AVENÇA DA QUAL DERIVOU A CÁRTULA, PELA PRESENÇA DE DEFEITOS NAS MERCADORIAS ADQUIRIDAS - FATO QUE RETIRA A EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO EM DETRIMENTO DA RECORRIDA - ATO NOTARIAL INDEVIDO - RESPONSABILIDADE DA RECORRENTE, EMPRESA FATURIZADORA, PELO RISCO DA ATIVIDADE - RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA, NA FORMA DO ART. 927, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DIPLOMA CIVIL - PRESCINDIBILIDADE DA VERIFICAÇÃO DE CULPA - CONDENAÇÃO ACERTADA - VIABILIDADE, CONTUDO, DE REDUÇÃO DO "QUANTUM DEBEATUR" - IMPORTÂNCIA REDUZIDA DA CÁRTULA PROTESTADA - ADEMAIS, NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO AO PATAMAR CONSIDERADO PELA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE - MODIFICAÇÃO DO JULGADO QUE NÃO OCASIONA REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA - APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO SUMULAR N. 326 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECLAMO ACOLHIDO PARCIALMENTE APENAS PARA MINORAÇÃO DA CIFRA INDENIZATÓRIA.

O aceite do sacado é requisito essencial para conferir eficácia cambiária à duplicata, na forma dos arts. 2º, § 1º, VIII, e da Lei n. 5.474/1968, na falta do qual não se aplicam os princípios decorrentes, a exemplo da autonomia e da abstração.

Na hipótese, carente de aceite a cártula protestada, conclui-se pela impossibilidade de seu endosso, de modo que a recorrente a recebeu por mera cessão de crédito.

Sendo assim, os defeitos havidos no negócio jurídico originário, ocorridos até o momento em que a devedora veio a ter conhecimento da transferência da duplicata, são oponíveis à ora irresignante, nos termos dos arts. 290 e 294 do Código Civil.

Por conseguinte, o desfazimento da compra e venda na qual se baseou a emissão do título, em virtude dos vícios constatados nas mercadorias adquiridas, torna a dívida inexigível em relação à demandante, afigurando-se ilegítimo o ato notarial lavrado.

Nessa linha, dado que a acionada é empresa faturizadora, deve responder objetivamente pelos riscos de sua atividade, a teor do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, independentemente da aferição de culpa, pelo que a condenação objurgada mostra-se acertada.

Por outro lado, cabível a redução do montante condenatório para o patamar de R$ 10.000,00 (dez mil reais), com vistas à sua adequação à baixa importância do documento protestado e ao entendimento externado por esta Corte em casos similares.

Por fim, a modificação do julgado neste tópico não implica na redistribuição das verbas sucumbenciais, por força da Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS - PARCIAL PROVIMENTO DO RECLAMO - AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES ENSEJADORAS DA MAJORAÇÃO, CONSOANTE ENTENDIMENTO ASSENTADO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO JULGAMENTO DOS EDCL. NO AGINT NO RESP. 1573573 / RJ.

A teor do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, apenas as hipóteses de desprovimento ou não conhecimento integral da irresignação ensejam a elevação do estipêndio patronal.

Assim, parcialmente provido o inconformismo, não há falar em implemento dos honorários em sede de recurso.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0004001-37.2014.8.24.0020, da comarca de Meleiro Unidade Regional de Direito Bancário do Litoral Sul Catarinense em que é/são Apelante(s) Redfactor Factoring e Fomento Comercial S/A e Apelado(s) Borges e Ongaratto Comércio e Distribuição de Embalagens Ltda ME.

A Segunda Câmara de Direito Comercial decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso a fim de minorar o montante indenizatório para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado na data de 20 de outubro de 2020, os Exmos. Srs. Des. Altamiro de Oliveira e Newton Varella Júnior.

Florianópolis, 02 de novembro de 2020.

Desembargador Robson Luz Varella

Relator


RELATÓRIO

Redfactor Factoring e Fomento Comercial S/A apelou da sentença de fls. 221/227, a qual julgou procedentes os pleitos formulados em "ação declaratória de inexistência de débito, nulidade de protesto e indenização por danos morais", movida por Borges & Ongaratto Comércio e Distribuição de Embalagens Ltda Epp, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por em face de Alumipack Importação e Exportação Ltda, Redfactor Factoring e Fomento Comercial S/A e Banco Safra S/A, para o fim de: a) declarar a inexistência do débito relativo ao ao título n. Dmi 0049912 01 e, por consequência, determino o cancelamento do protesto de fl. 24, cujo protocolo é o n. 1133980; b) condenar a parte ré, solidariamente, ao pagamento, em favor da parte autora, da importância de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a título de indenização por danos morais, com a incidência de correção monetária pelo INPC, a contar da data da publicação da presente sentença, e de juros de mora na monta de 1% ao mês, a partir do evento danoso (20.01.2014).

Resolvo, assim, o mérito da ação, nos moldes do art. 487, I, do NCPC.

Custas e honorários pela ré, estes fixados em 20% do valor da condenação, a ponderar o bom trabalho realizado pelo profissional, que atuou em causa pouco complexa e sem instrução, mas de longa duração, sem descurar dos valores debatidos a fim de não aviltar a profissão, que é indispensável à administração da justiça (NCPC, art. 85, § 2º).

Em suas razões (fls. 231/250), narrou que o protesto impugnado pela autora baseou-se em duplicata regularmente emitida, a qual lhe foi transferida pela original credora de mercadorias, Alumipack Importação e Exportação Ltda, também demandada. Sustentou que, embora o negócio subjacente à emissão do título tenha sido desfeito, recebeu a cártula anteriormente a tal evento, como terceiro de boa-fé, não lhe sendo oponíveis as exceções pessoais havidas pela devedora contra a original emitente. Asseverou, ainda, que no momento do encaminhamento da duplicata para protesto, desconhecia a rescisão do contrato que a originou, pelo que não agiu com negligência, tampouco com culpa. Postulou, assim, a exclusão de sua condenação ao pagamento de compensação por abalo anímico, pela impossibilidade de sua responsabilização. Subsidiariamente, requereu a redução do "quantum" indenizatório fixado em primeiro grau.

Foram oferecidas contrarrazões às fls. 255/268.

Pela monocrática de fls. 273/275, o Senhor Desembargador Rubens Schulz remeteu os autos a uma das Câmaras de Direito Comercial desta Corte.

É o necessário relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que reconheceu a nulidade de protesto fundado em duplicata e condenou as demandadas ao pagamento de indenização por danos morais em decorrência do ato notarial.

Na demanda exordial, a acionante impugna o protesto da duplicata acostada à fl. 22, emitida por Alumipack Importação e Exportação Ltda, na importância de R$ 858,36 (oitocentos e cinquenta e oito reais e trinta e seis centavos), com vencimento ajustado para 14/1/2014, passada posteriormente para a ora apelante, que a encaminhou para lavratura do ato notarial.

Analisando-se os autos, e conforme se depreende pelo exame do título (fl. 22), este carece de aceite da parte devedora, pelo que não possui eficácia cambiária.

O aceite, por sua vez, é essencial para que a duplicata caracterize-se como título de crédito, e obtenha os atributos respectivos, a exemplo da autonomia e da abstração.

A esse respeito, preceitua o art. 2º, § 1º, VIII, da Lei n. 5.474/1968:

Art . 2º No ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador.

§ 1º A duplicata conterá:

[...]

VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial.

Nessa toada, havendo defeito no negócio jurídico originário, tal como vício nas mercadorias adquiridas pela devedora, esta pode recusar o aceito na cártula a ela apresentada, impedindo, assim, que a duplicata lhe seja oponível como título creditório, a teor dos arts. 7º e 8º do mesmo diploma mencionado:

Art . 7º A duplicata, quando não fôr à vista, deverá ser devolvida pelo comprador ao apresentante dentro do prazo de 10 (dez) dias, contado da data de sua apresentação, devidamente assinada ou acompanhada de declaração, por escrito, contendo as razões da falta do aceite.

Art . 8º O comprador só poderá deixar de aceitar a duplicata por motivo de:

I - avaria ou não recebimento das mercadorias, quando não expedidas ou não entregues por sua conta e risco;

II - vícios, defeitos e diferenças na qualidade ou na quantidade das mercadorias, devidamente comprovados;

III - divergência nos prazos ou nos preços ajustados.

Nesse sentido, já deliberou o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULOS DE CRÉDITO. DUPLICATA MERCANTIL. ACEITE EM SEPARADO. INADMISSIBILIDADE. ATO FORMAL. AUSÊNCIA DE EFICÁCIA CAMBIAL. FALTA DE EXECUTIVIDADE. PROVA DA RELAÇÃO NEGOCIAL. INSTRUÇÃO DE AÇÃO MONITÓRIA. 1. Cinge-se a controvérsia a saber...

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