Acórdão Nº 0004021-13.2012.8.24.0080 do Quinta Câmara de Direito Público, 01-02-2022

Número do processo0004021-13.2012.8.24.0080
Data01 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0004021-13.2012.8.24.0080/SC

RELATOR: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: LINO BARCELLOS E OUTRO

RELATÓRIO

Adoto o relatório da sentença:

Cuida-se de Ação ordinária de indenização por desapropriação indireta ajuizada por Lino Barcellos e outro em desfavor do Departamento Estadual de Infra Estrutura de Santa Catarina DEINFRA, ambos já qualificados nos autos.

Alegam os autores que são legítimos proprietários e possuidores do imóvel matriculado sob o n. 15.579 do Cartório de Registro de Imóveis de Xanxerê, localizado às margens da Rodovia SC 466, Trecho Xanxerê - Linha das Palmeiras. Sustentam que a partir do ano de 1996 o réu promoveu esbulho na propriedade ao implantar a Rodovia SC 466, privando-os de usufruir a área esbulhada, de modo que o imóvel já não mais apresenta as características que anteriormente ostentava. Citando os dispositivos legais que entenderam amparar a sua pretensão, postularam a condenação do réu ao pagamento de indenização decorrente da desapropriação indireta do imóvel, em valor a ser apurado por perícia técnica, corrigido monetariamente a partir do laudo, acrescido de juros compensatórios e honorários advocatícios.

Valoraram a causa e juntaram documentos (fls. 02/14).

O réu foi devidamente citado e apresentou contestação (fls. 24/33), alegando, em suma, que em caso de eventual indenização, o valor deverá ser abatido em virtude de valorização pela construção da rodovia. Por outro lado, sustenta que os juros compensatórios deverão incidir a partir do laudo pericial. Por fim, pugnou pela total improcedência dos pedidos.

Houve réplica.

O feito foi saneado. Foi determinada a realização de prova pericial, que, por sua vez, foi realizada às fls. 79/94.

A parte autora manifestou-se acerca da perícia à fl. 98. A parte ré permaneceu inerte.

Adito que o veredicto foi de procedência:

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado na inicial por Lino Barcellos e outro em face do Departamento Estadual de Infra-Estrutura de Santa Catarina - DEINFRA e, em consequência:

CONDENO o réu ao pagamento de indenização por desapropriação indireta no valor de R$ 184.816,32 (cento e oitenta e quatro mil, oitocentos e dezesseis reais e trinta e dois centavos), observado o quinhão do autor, acrescido de correção monetária pelo INPC a partir da entrega do laudo (23/01/2014), juros de 12% ao ano desde o apossamento do imóvel e juros moratórios de 6% ao ano, contabilizados do dia 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito.

Condeno a autarquia ré ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação (§ 1º do art. 27 do Decreto-Lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941, com a redação da Medida Provisória n. 2.183-56, de 2001 (MP n. 1.577/1997)(STJ, AgRg no REsp n. 1.199.205 /MG, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, julgado em 3-2-2011), sendo isento do pagamento das custas (Lei Complementar Estadual n 156/97, alterada pela Lei Complementar Estadual n 167/97).

O Poder Público recorreu. Afirmou que não houve desapropriação, pois a área está "integralmente localizada dentro da faixa de domínio", que não retira a propriedade em si. Trouxe precedentes nesse sentido. Criticou, sob outro ângulo, o fato de a sentença ter invertido o ônus da prova. Quanto à indenização em si, alegou que o valor do bem deve levar em conta a data da apontada expropriação e não a data do laudo pericial. Por fim defendeu que o provimento deve ser ajustado no tocante aos encargos de mora, pois deixou de aplicar o previsto na Lei 11.960/09 e o que pacificou o STF em Repercussão Geral.

Em contrarrazões os apelados defenderam o acerto da decisão combatida.

O Ministério Público se manifestou pelo provimento parcial do apelo.

Alertei, em seguida, que havia aspecto ainda não explorado (ilegitimidade ativa) e que poderia ser levado em conta, de ofício, pelo Tribunal -haja vista ser daqueles assuntos de ordem pública, passíveis de análise a todo instante e grau de jurisdição. Determinei, então, que após manifestação das partes a respeito a causa aguardasse decisão da Corte Superior em razão do Tema 1.004.

Apenas o Poder Público se posicionou, sustentando que os autores não eram proprietários do imóvel à época do alegado desapossamento, daí porque não são partes ilegítimas para a causa.

Como referido Tema foi, enfim, julgado, permiti que as partes mais uma vez se manifestassem quanto a eventual óbice ao julgamento pela referida tese vinculante, oportunidade em que também poderiam apresentar outras ponderações -notadamente de ordem fática - a fim de influenciar na análise da questão.

Mais uma vez somente a Administração respondeu. Pediu que o processo aguarde posição final do STJ na medida em que pendem aclaratórios quanto ao Tema 1.004. De todo modo, caso se prossiga no julgamento, ratificou sua posição, ou seja, de que os acionantes são partes ilegítimas para a indenização.

VOTO

1. O aspecto processual levantado de ofício por este relator é o suficiente, estimo, para encerrar o debate, ficando as demais teses prejudicadas.

Refiro-me à ilegitimidade ativa - assunto que em momento algum foi arguido pelas partes (ao menos sob a perspectiva de a aquisição ter sido posterior ao desapossamento criticado pelos autores), de sorte que, cuidando-se de matéria de ordem pública, é suscetível de apreciação a qualquer tempo e grau de jurisdição, como tem amplamente sido reconhecido pela jurisprudência, inclusive de ofício:

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. APELAÇÃO CÍVEL E EFEITO TRANSLATIVO DA REMESSA NECESSÁRIA. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO SÓCIO. MATÉRIA RELEVANTE. ACÓRDÃO RECORRIDO. OMISSÃO. CONTRARIEDADE AO ART. 535, II, DO CPC/1973. NULIDADE.

1. A análise das decisões proferidas pelo Tribunal de origem, em cotejo com os recursos da Fazenda Nacional, revela que houve omissão no acórdão combatido quanto à ilegitimidade passiva. Por tratar-se de uma das condições da ação, é matéria de ordem pública cognoscível a qualquer tempo e grau, sendo insuscetível de preclusão nas instâncias ordinárias. (...) (AgInt no REsp 1448327/SP, rel. Min. Og Fernandes)

Nesta Quinta Câmara de Direito Público, em situação equivalente, ementamos:

A) APELAÇÕES CÍVEIS. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA. IMPLANTAÇÃO DA RODOVIA SC-411 (ATUAL SC-410). APOSSAMENTO ADMINISTRATIVO ANTERIOR À AQUISIÇÃO ONEROSA DO IMÓVEL PELA AUTORA. TEMA 1.004 DE REPETITIVOS DO STJ. APLICABILIDADE OBRIGATÓRIA E IMEDIATA. ARTS. 927, III E 1.040, III, DO CPC/15. EXCEÇÕES PREVISTAS NA TESE REPETITIVA NÃO CONFIGURADAS. ILEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSOS PREJUDICADOS. (AC 0003053-46.2008.8.24.0072, rel. Vilson Fontana)

B) AGRAVO INTERNO - IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - APRASC VERSUS FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL - FILIAÇÃO POSTERIOR À DEMANDA COLETIVA - REPERCUSSÃO GERAL - REGRA EXISTENTE MUITO ANTES DA PROCLAMAÇÃO FEITA PELO STF - ILEGITIMIDADE ATIVA - AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO OU COISA JULGADA - DESPROVIMENTO.

1. O STF, por conta dos Temas 82 e 499, assentou o que os títulos executivos decorrentes de ação coletiva ajuizada por associações só alcançam aqueles que já estavam filiados ao tempo da propositura. As teses firmadas tiveram como base não só o art. 5º, XXI, da CF, mas também a há muito vigente Lei 9.494/97 (na redação da MP 2.180-35/2001), que já previa o requisito em questão.A partir daí, ainda que o aspecto possa não ter sido antes levantado, a ilegitimidade é matéria de ordem pública, passível de reconhecimento, inclusive de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição.2. No caso, os credores do pedido de execução só se associaram à APRASC, é incontroverso, em momento posterior ao ajuizamento da causa coletiva. Ainda que a Administração tenha reconhecido administrativamente a dívida, a questão processual que exsurge impede que figurem como postulantes (por meio da legitimada extraordinariamente) quem não restou contemplado pelo título judicial.Jurisprudência pacífica deste Tribunal em situações idênticas.3. Agravo desprovido. (AI 5028787-76.2021.8.24.0000, rel. o subscritor)

2. Reforça essa possibilidade o fato de que a sentença está, diversamente do que por ela consignado, submetida ao reexame necessário, pois proferida ao tempo em que o CPC de 1973 ainda estava em vigência, o qual estabelecia o duplo grau obrigatório nas causas excedentes a sessenta salários-mínimos (art. 475) - não se aplica a regra específica de reexame existente na Lei Geral de Desapropriações (art. 27), pois lá há um parâmetro de comparação (a oferta) que é incompatível com as ações de desapropriação indireta.

Nesse passo, consta que o veredicto estabeleceu condenação bem superior àquela alçada (R$ 184.816,32), valores sobre os quais ainda vingariam juros compensatórios desde o desapossamento - o qual, no caso, ocorreu no início do ano de 1996 -, o que eleva significativamente o montante. Além disso, haveria correção monetária desde o laudo, cujo trabalho reporta ao ano de 2014, e sobre tudo se acresceriam ainda 5% a título de honorários advocatícios.

Desse modo, é possível de plano se estabelecer que ela supera os 60 salários-mínimos à época do provimento, daí porque não há como se afastar o reexame oficial.

3. A propósito, saliento que o Tema 1.004 do STJ foi julgado. Há, de fato, informação dando conta da existência de aclaratórios, mas, inexistindo mais aquela ordem de suspensão que pairava por conta do repetitivo, é possível desde logo se prosseguir no exame desta apelação.

Dito de outro modo, a deliberação repercutiu efeitos imediatos, inexistindo notícia de que tenha havido nova ordem de sobrestamento. O STF - trago por analogia a ideia - já entendeu que a tese fixada em repercussão geral vale desde quando publicada a notícia de julgamento no Diário da Justiça, cessando também ali a suspensão dos processos correlatos (RE 966.177-RS, rel. Min. Luiz Fux). No...

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