Acórdão nº 0004108-26.2020.8.11.0055 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Primeira Câmara de Direito Privado, 30-05-2023

Data de Julgamento30 Maio 2023
Case OutcomeNão-Provimento
Classe processualCível - APELAÇÃO CÍVEL - CÂMARAS ISOLADAS CÍVEIS DE DIREITO PRIVADO
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Privado
Número do processo0004108-26.2020.8.11.0055
AssuntoAto / Negócio Jurídico

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO

PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO


Número Único: 0004108-26.2020.8.11.0055
Classe: APELAÇÃO CÍVEL (198)
Assunto: [Ato / Negócio Jurídico, Defeito, nulidade ou anulação]
Relator: Des(a).
NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO


Turma Julgadora: [DES(A). NILZA MARIA POSSAS DE CARVALHO, DES(A). JOAO FERREIRA FILHO, DES(A). SEBASTIAO BARBOSA FARIAS]

Parte(s):
[JOSE RENATO DOS SANTOS - CPF: 041.424.661-60 (APELANTE), LUCAS ANTONIO BATISTAO - CPF: 029.643.651-80 (ADVOGADO), GILBERTO DOS SANTOS - CPF: 654.899.001-30 (APELADO), HITLER SANSAO SOBRINHO - CPF: 029.309.581-70 (ADVOGADO), JOSE FABIO PANTOLFI FERRARINI - CPF: 014.546.781-35 (ADVOGADO), DJALMA DOS SANTOS - CPF: 411.871.641-00 (APELADO), MAYARA TRAJANO DA SILVA - CPF: 053.111.321-32 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA DE DIREITO PRIVADO do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
JOAO FERREIRA FILHO, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, DESPROVEU O RECURSO.

E M E N T A

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE VENDA DE ASCENDENTE A DESCENDENTE. NEGÓCIO ENTABULADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. REGRA DE TRANSIÇÃO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE 2002. PRAZO PRESCRICIONAL. DOIS ANOS. RECURSO NÃO PROVIDO.

“A eg. Segunda Seção desta Corte, no julgamento dos EREsp 668.858/PR, em que foi Relator, o eminente Ministro FERNANDO GONÇALVES, DJ de 19.12.2008, uniformizou a jurisprudência do STJ sobre o tema, adotando o entendimento de que "a venda de ascendente a descendente, sem a anuência dos demais, segundo melhor doutrina, é anulável e depende da demonstração de prejuízo pela parte interessada". 2. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o prazo "prescricional" da ação que visa anular venda direta de ascendente a descendente na vigência do Código Civil de 1916 é vintenário, tendo sido reduzido no Código Civil de 2002 para dois anos, devendo ser aplicada a regra de transição prevista no art. 2.028 do atual Código Civil. Precedentes. 3. (...) Logo, no momento da entrada em vigor do novo Código Civil, 11/01/2003, não havia transcorrido mais da metade do prazo prescricional de vinte anos. Assim, conta-se o prazo de dois anos, previsto no novo Código, a partir de sua entrada em vigor em 11/01/2003, resultando na prescrição a partir de 11/01/2005. (...)”. (STJ - AgInt no REsp: 1731824 SC 2018/0069067-6, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 10/08/2020, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2020)

R E L A T Ó R I O

PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL DE DIREITO PRIVADO

APELAÇÃO CÍVEL (198) 0004108-26.2020.8.11.0055

APELANTE: JOSE RENATO DOS SANTOS

APELADO: GILBERTO DOS SANTOS e OUTROS

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por JOSE RENATO DOS SANTOS contra r. sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Tangará da Serra que, nos autos de ação anulatória de venda de ascendente a descendente ingressada em face de GILBERTO DOS SANTOS e DJALMA DOS SANTOS, reconheceu a decadência do direito de pugnar pela anulação da venda ocorrida entre ascendentes e descendentes e a prescrição da pretensão de reparação civil, e julgou extinto o processo com resolução do mérito, na forma do artigo 487, inciso II, do CPC., condenando-o ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados esses em R$ 1.000,00, na forma do artigo 85, § 8º, do CPC, Contudo, condenação suspensa por força do art. 98, § 3º, do CPC.

Em razões recursais requer o apelante, em síntese, o “total provimento do recurso supra para reformar a sentença, com base nos fundamentos acima aludidos, para que seja declarada a nulidade da venda ocorrida entre o de cujus José Dantas e o Apelados Djalma e Gilberto, com a consequente integração do patrimônio de 10% dos lotes n.° 03, 04, 05 e 06 da quadra 9, do Bairro Nações Unidas ao espólio José Dantas dos Santos; c) Subsidiariamente, caso Vossa Excelência entenda que o aludido pleito decaiu ou se encontra fulminado pela prescrição, ainda subsiste o INSTITUTO DA REPARAÇÃO CIVIL, de modo que se pleiteia pela condenação dos Apelados ao pagamento de indenização por dano material ao Apelante, no importe de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) d) Requer-se a reforma da alteração do valor da causa realizada ex officio, porquanto o valor da causa não deve ser atribuído com base no valor do ato a que se pretende a anulação, mas sim deve ser arbitrado em consonância com o proveito econômico buscado, o qual se estima o valor de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais).”

Em contrarrazões os apelados requerem o desprovimento do recurso.

É o relatório.

Em pauta para julgamento.

Desa. Nilza Maria Pôssas de Carvalho

Relatora

V O T O R E L A T O R

VOTO

O presente recurso não comporta provimento.

Isso porque, a impossibilidade de venda de ascendente a descendente, sem a autorização expressa dos demais, visa a proteção do núcleo familiar, impedindo que um dos ascendentes beneficie, por algum motivo, um dos descendentes, em prejuízo aos outros. Tal regra está prevista no art. 496 do Código Civil, que assim dispõe:

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

Ante a falta de prazo decadencial específico para invalidação do referido ato de venda, aplica-se o prazo genérico de 2 anos, previsto no art. 179 do Código Civil:


Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos a contar da data da conclusão do ato.

Compulsando os autos, verifico que a venda do imóvel, objeto do litígio, ocorreu setembro de 2002, ao tempo em que vigorava, portanto, o Código Civil de 1916, que estabelecia o prazo vintenário para pleitear a anulação da venda, o que foi sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 494:

STF, Súmula 494: A ação para anular venda de ascendente a descendente, se o consentimento dos demais, prescreve em vinte anos, contados da data do ato, revogada a Súmula 152.

Com efeito, de fato, a contagem do prazo iniciou na vigência do Código Civil de 1916, que previa a prescrição vintenária, conforme teor da súmula.

Porém, ela tornou-se inaplicável ao caso, pois, com o advento do Código Civil em vigor, que reduziu o prazo para 2 anos, ainda, não havia transcorrido mais da metade do referido prazo, razão pela qual se aplica o prazo decadencial de 2 anos do art. 179 do Código Civil, em virtude da incidência da regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil em vigência, que estabelece, in verbis:

Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

O Superior Tribunal de Justiça já possui precedente sobre o tema:

No que interessa inicialmente a este apelo, a discussão limita-se à definição do prazo prescricional ou decadencial aplicável à hipótese.

O juízo a quo, ao considerar que à época da alienação o prazo a ser aplicado a esta hipótese seria o vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916 ( CC/1916), valeu-se da regra de transição do art. 2.028 do Código Civil de 2002 ( CC/2002) e, concluindo pela incidência da nova legislação, decidiu pelo prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179. Assim, porque já haviam decorrido mais de 2 (dois) anos entre o início da vigência do CC/2002 (11.02.2003) e o ajuizamento da ação, o Magistrado pronunciou na sentença a decadência do direito da parte autora.

(...) Nesse panorama, porque a venda de ascendente a descendente sem anuência dos interessados era ato que se viciava por nulidade absoluta, não fazia sentido dizer que o manejo da ação constitutiva direcionada à decretação de sua nulidade poderia ser impedido pela prescrição. Afirmar o contrário não apenas ignora a teoria processual, mas atinge a própria coerência do raciocínio jurisprudencial, que, de um lado, considera os atos nulos incapazes de convalescerem pelo decurso do tempo e, de outro lado, Superior Tribunal de Justiça aplica prazo prescricional à ação anulatória de venda de ascendente para descendente, que era ato nulo.

Para solucionar tais incoerências, enfim, a via mais acertada é não aplicar prazo prescricional à venda de ascendente para descendente celebrada na vigência do CC/1916, por tratar-se de ação constitutiva, modalidade que não se sujeita a prescrição; e nem aplicar prazo decadencial, pois não havia previsão específica de tal prazo para essa ação no código antigo, e, além disso, porque os atos nulos não podem convalescer pelo decurso do tempo. Assim, colocados os devidos pingos nos is, a ação de nulidade para desconstituir a venda não anuída de ascendente a descendente, sob o Código Civil de 1916, caracteriza-se como perpétua.

Não se ignora, por fim, que a Súmula 494 do STF, de 1969, ainda segue sendo respeitada na jurisprudência do STJ em casos de anulação de venda de ascendente a descendente sob a vigência do antigo Código (vide: AgRg no REsp 769.894/MT, Rei. Ministra Maria Isabel Galotti, Quarta Turma, j. 20/09/2012). No entanto, como já exposto, isso produz uma incoerência no entendimento da Corte Superior, pois em outros casos similares, referentes à nulidade absoluta de negócios jurídicos, a Corte afirma não haver prazo de prescrição para decretar a nulidade do ato (cf. jurisprudência acima colacionada).

A venda de ascendente para descendente é, sob o Código de 1916, negócio nulo como todos os outros nulos. Portanto, a não ser que haja outra razão para uma distinção, deve-se-lhe aplicara mesma regra.

Assim, não ignorando o especial cuidado e respeito que se deve ter ao papel da súmula no direito brasileiro contemporâneo, mas dando privilégio ao propósito de manter a coerência...

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