Acórdão Nº 0004113-57.2012.8.24.0058 do Terceira Câmara Criminal, 28-01-2020

Número do processo0004113-57.2012.8.24.0058
Data28 Janeiro 2020
Tribunal de OrigemSão Bento do Sul
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão




Apelação Criminal n. 0004113-57.2012.8.24.0058, de São Bento do Sul

Relator: Desembargador Ernani Guetten de Almeida

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A FLORA. (ART. 38-A, CAPUT, DA LEI N. 9.605/98). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

PLEITO CONDENATÓRIO. VIABILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE EVIDENCIADAS. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A DESTRUIÇÃO DE VEGETAÇÃO SECUNDÁRIA, EM ESTÁGIO AVANÇADO DE REGENERAÇÃO, DO BIOMA MATA ATLÂNTICA. CORTE SELETIVO DE 248 (DUZENTAS E QUARENTA E OITO) ÁRVORES DA ESPÉCIME ARAUCÁRIA. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL SUPRIDA PELAS DEMAIS PROVAS, APTAS A CONFIGURAR AS ELEMENTARES DO TIPO. LEVANTAMENTO FOTOGRÁFICO E DEPOIMENTO DO POLICIAL MILITAR AMBIENTAL EM HARMONIA COM A NOTÍCIA DE INFRAÇÃO PENAL AMBIENTAL, A QUAL ESPECIFICA A VEGETAÇÃO SUPRIMIDA. ADEMAIS, APELADO QUE CONFESSOU A PRÁTICA DO DELITO. REFORMA DA SENTENÇA QUE É MEDIDA DE RIGOR. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.

"[...] 1. Se é certo que o juiz fica adstrito às provas constantes dos autos, não é menos certo que não fica subordinado a nenhum critério apriorístico no apurar, através delas, a verdade material. O juiz criminal é, assim, restituído à sua própria consciência (item VII da Exposição de Motivos do Código de Processo Penal). 2. Embora não exista laudo pericial, confeccionado nos termos do art. 159 do Código de Processo Penal, há provas suficientes que demonstram a degradação do bem jurídico tutelado [...]" (TJSC, Apelação Criminal n. 0002877-58.2011.8.24.0041, de Mafra, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. 18.10.2016).

RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, DA PRESCRIÇÃO RETROATIVA COM BASE NA PENA "IN CONCRETO". REPRIMENDA FIXADA EM PATAMAR SUPERIOR A 01 (UM) ANO E INFERIOR A 2 (DOIS) ANOS DE DETENÇÃO. LAPSO TEMPORAL SUPERIOR A 4 (QUATRO) ANOS TRANSCORRIDO ENTRE A DATA DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA E A DO PRESENTE ACÓRDÃO CONDENATÓRIO, DESCONTADO O PERÍODO DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. DECRETAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE QUE SE IMPÕE. EXEGESE DOS ARTS. 107, INCISO IV, 109, INCISO V, 110, § 1º, E 117, INCISOS I E IV, TODOS DO CÓDIGO PENAL.

FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSORA NOMEADA EXCLUSIVAMENTE PARA ATUAR EM SEGUNDA INSTÂNCIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 85, §2º E 8º, DA LEI N. 13.105/2015 C/C O ART. 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E RESOLUÇÃO N. 05/2019 DO CONSELHO DA MAGISTRATURA DESTA CORTE.

RECURSO CONHECIDO, PROVIDO E, DE OFÍCIO, DECRETADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0004113-57.2012.8.24.0058, da comarca de São Bento do Sul 3ª Vara em que é/são Apelante(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado(s) Laercio Salles Franco.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para condenar o apelado ao cumprimento da pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, em regime inicial aberto, ao pagamento de 11 dias-multa, no mínimo valor legal, substituindo-se a reprimenda corporal por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária, no valor de 1 salário mínimo, e de serviços à comunidade, pela prática do crime previsto no artigo 38-A da Lei n. 9.605/98, e, de ofício, reconhecer a extinção da punibilidade, em decorrência da prescrição retroativa em concreto, e fixar honorários advocatícios em favor da defensora nomeada para atuar em segunda instância. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Des. Ernani Guetten de Almeida, Leopoldo Augusto Brüggemann e Júlio César M. Ferreira de Melo.

Presidiu a sessão o Exmo. Sr. Desembargador Júlio César M. Ferreira de Melo.

Funcionou como Representante do Ministério Público a Exma. Sra. Dra. Jayne Abdala Bandeira

Florianópolis, 28 de janeiro de 2020.

Desembargador Ernani Guetten de Almeida

Relator


RELATÓRIO

O representante do Ministério Público com atribuição para atuar perante a 3ª Vara da comarca de São Bento do Sul ofereceu denúncia (fls. 5/7) contra Edésio Cavicchioni e Laércio Salles Franco pelo cometimento do crime tipificado no art. 38-A da Lei 9.605/98, nos seguintes termos:

No dia 26 de abril de 2011, por volta das 11h15min, Estrada Principal Rodeio Grande, Campo Alegre/SC, os denunciados EDÉSIO CAVICCHIONI e LAÉRCIO SALLES FRANCO, em comunhão de esforços e desígnios de vontades, danificaram vegetação em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ao promover o corte de 248 (duzentos e quarenta e oito) árvores da espécie Araucária angustifolia, vegetação nativa ameaçada de extinção pertencente ao Bioma Mata Atlântica¹.

Homologadas as propostas de suspensão condicional do processo em 03.12.2012 (Laércio - fl. 39) e 05.07.2013 (Edésio - fl. 78), constatou-se o descumprimento das condições impostas por parte do corréu Laércio Salles Franco, sendo revogado o benefício a ele concedido em 09.01.2014 (fl. 87).

A punibilidade de Edésio Cavicchioni foi extinta em 13.10.2015, em razão do cumprimento das condições impostas (fl. 132).

Após a regular instrução do feito, a denúncia foi julgada improcedente, com base no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, para absolver Laércio Salles Franco do delito tipificado no art. 38-A da Lei n. 9.605/98, ante a ausência de provas aptas a comprovarem a materialidade do delito.

Insatisfeito com a prestação jurisdicional oferecida, o Ministério Público interpôs a presente apelação, em cujas razões (fls. 193/204) postula a condenação de Laércio Salles Franco como incurso nas sanções do art. 38-A da Lei n. 9.0605/98, diante da existência de provas suficientes para comprovar a materialidade do crime ambiental.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 483/489), os autos ascenderam a este Tribunal, oportunidade em que a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Procurador de Justiça Ernani Dutra manifestou-se pelo conhecimento e provimento do recurso (fls. 239/243).

Este é o relatório.

VOTO

Presentes os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos, conhece-se do recurso interposto.

O apelo manejado pelo Ministério Público objetiva reformar a sentença que, julgando improcedente a denúncia, absolveu Laércio Salles Franco no que concerne ao crime previsto no art. 38-A da Lei 9.605/98.

Não foram levantadas preliminares, o que autoriza ingressar diretamente na análise do mérito recursal.

1. Pedido de condenação

Em suas razões, o Órgão Ministerial postula a condenação do apelado sob a alegação de que, a despeito da ausência de laudo pericial, existem provas suficientes para atestar a materialidade do delito em apreço, uma vez que restou devidamente demonstrado, por outros meios, o corte de 248 árvores da espécie Araucária Angustifolia, vegetação secundária em estágio avançado de regeneração, pertencente ao Bioma Mata Atlântica.

Os argumentos merecem prosperar.

Conforme preceito primário contido no art. 38-A, "caput", da Lei 9.605/98 é crime "destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção".

Nesse passo, o art. 2º da Lei 11.428/2006 define as vegetações integrantes do Bioma Mata Atlântica, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no qual está incluído todo o Estado de Santa Catarina.

A norma ainda determina, em seu art. 4º, ser competência do CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente, a definição de vegetação primária e secundária e os estágios de regeneração desta.

O CONAMA, atendendo à determinação legal, editou a Resolução n. 388/2007, a qual convalidou, entre outras, a Resolução n. 04/94, que caracteriza a vegetação primária e secundária, esta nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica.

E, conforme dados contidos nos autos, em consonância com as características discriminadas no inciso III do art. 3º da Resolução 04/94, o corte, in casu, foi de vegetação secundária, no estágio avançado de regeneração.

Feitas essas considerações, pelo que se infere do acervo probatório coligido, restaram devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do crime previsto no art. 38-A, "caput", da Lei n. 9.605/98.

Infere-se dos autos que, no dia 26 de abril de 2011, por volta das 11h15min, na Estrada Principal Rodeio Grande, em Campo Alegre, constatou-se, por intermédio dos agentes da 2ª Companhia da Polícia Militar Ambiental, que o apelado Laércio Salles Franco, juntamente com o corréu Edésio Cavicchioni, haviam promovido, sem qualquer espécie de autorização, em região considerada área de Bioma de Mata Atlântica, o corte de 248 (duzentas e quarenta e oito) árvores da espécie Araucária angustifolia, ameaçada de extinção, consoante Instrução Normativa n. 6/2008 do Ministério do Meio Ambiente.

A fim de atestar o estágio sucecional das árvores, a Notícia de Infração Penal Ambiental concluiu que se tratava de "Mata Atlântica Secundária em Estágio Avançado de Regeneração" (fl. 17).

A materialidade está positivada pela Notícia de Infração Penal Ambiental (fls. 15/20), pela Notificação n. 00481 (fl. 21), pelo Auto de Infração Ambiental (fl. 22), pelo Termo de Embargo, Interdição ou Suspensão (fl. 23), pelos Termos de Declaração (fls. 24/25, 27/28), pelas imagens de araucárias suprimidas (fls. 29/30) e por toda a prova oral produzida ao longo da instrução.

Cumpre mencionar que, apesar da inexistência de laudo pericial elaborado na forma do art. 159 do Código de Processo Penal, no caso em comento sua realização revelou-se prescindível, pois a materialidade do crime restou devidamente comprovada pelas demais provas juntadas aos autos, mormente pela Notícia de Infração Penal Ambiental confeccionada pela Polícia Militar Ambiental e imagens de fls. 29/30, os quais confirmam o corte de vegetação secundária em...

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