Acórdão Nº 0004133-40.2014.8.24.0038 do Primeira Câmara de Direito Público, 09-11-2021

Número do processo0004133-40.2014.8.24.0038
Data09 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0004133-40.2014.8.24.0038/SC

RELATOR: Desembargador PAULO HENRIQUE MORITZ MARTINS DA SILVA

APELANTE: ROSINEI DAVID (AUTOR) APELANTE: HOSPITAL MUNICIPAL SÃO JOSÉ - JOINVILLE/SC (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Rosinei David propôs "ação civil ordinária" em face do Hospital Municipal São José.

Alegou que: 1) é servidora pública municipal; 2) ocupa o cargo de agente de saúde II - auxiliar de enfermagem; 3) está lotada no Hospital Municipal São José; 4) em 14-2-2013, foi afastada do trabalho em razão de fortes dores no corpo; 5) foi diagnosticada com tuberculose em 18-2-2013; 6) contraiu a doença no ambiente de trabalho; 7) ficou afastada até o fim de setembro/2013; 8) durante o período de "licença para tratamento de saúde derivado de acidente de trabalho", o réu efetuou o corte das gratificações (códigos 183, 387 e 390) e do adicional de insalubridade de sua folha de pagamento; 9) ao retornar ao labor, foi remanejada para a farmácia do Hospital e a "gratificação de unidade específica" (código 390) foi retirada de sua remuneração; 10) não pode sofrer prejuízos em razão da ocorrência de acidente de trabalho; 11) sofreu abalo moral e 12) o art. 29 da LCM n. 266/2008 estabelece que o servidor acidentado em serviço será licenciado com remuneração integral.

Postulou: 1) a condenação ao pagamento das gratificações e do adicional durante o período de afastamento; 2) o restabelecimento da "gratificação de unidade específica" e 3) a condenação ao pagamento de indenização por dano moral.

Em contestação, o réu sustentou que: 1) inexiste possibilidade jurídica do pedido; 2) as vantagens requeridas pela demandante dependem do pleno exercício da atividade laboral; 3) o afastamento do trabalho impede o pagamento de adicional de insalubridade; 4) não há previsão de que o servidor, durante a licença, receberá gratificação de horário; 5) a LC n. 239/2007 veda o pagamento da gratificação de unidade específica quando o empregado não estiver no exercício do cargo; 6) a natureza das gratificações e do adicional é propter laborem; 7) o remanejamento da autora de setor impede o pagamento de adicional de unidade; 8) não há como reconhecer a existência de acidente de trabalho; 9) não se pode precisar onde ocorreu o contágio; 10) a pretensão indenizatória não pode estar lastreada em meras suposições; 11) não há prova do dano moral e 12) em caso de procedência, os honorários devem ser fixados no patamar máximo de 5% do valor da condenação (autos originários, Evento 120).

A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido foi afastada (autos originários, Evento 123).

Após a realização de perícia judicial (autos originários, Evento 148) e audiência de instrução e julgamento (autos originários, Evento 163), foi proferida sentença cuja conclusão é a seguinte:

Ante o exposto, resolvendo o mérito nos moldes do art. 487, I, do CPC, julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados por Rosinei David nesta ação de indenização aforada contra o Hospital Municipal São José, condenando o réu ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 5.000,00, acrescido de juros de mora a partir de 3/4/2013, pelo índice isolado de remuneração da caderneta de poupança e corrigido monetariamente nesta data, observado o IPCA-e.

Face o princípio da sucumbência, condeno o vencido ao pagamento das despesas processuais que envolvem os Cartórios de Distribuição e de Contadoria, que não oficializados nesta comarca, ex vi art. 35, h, da Lei Complementar 156/97, e em honorários de sucumbência arbitrados em 20% do valor atualizado da condenação, nos termos do art. 85, § 3º, I, do CPC. (autos originários, Evento 165)

O requerente opôs embargos de declaração, que foram rejeitados (autos originários, Evento 195).

Ambas as partes recorreram.

O Hospital aduziu que: 1) o adicional de insalubridade é uma espécie de indenização antecipada para aqueles que, em decorrência da condição de trabalho, sejam expostos a situações insalubres; 2) forneceu o treinamento e os equipamentos adequados; 3) eventual contágio deve ser considerado caso fortuito; 4) é remota a possibilidade de se contrair tuberculose nas suas dependências; 5) inexiste prova do abalo moral; 6) os honorários devem ser fixados no patamar máximo de 5% do valor da condenação; 7) em relação às custas, deve ser observado o disposto no art. 35, h, do Regimento de Custas e Emolumentos do Estado de Santa Catarina e 8) devem lhe ser concedidos os benefícios da gratuidade judiciária (autos originários, Evento 168).

A demandante, por sua vez, arguiu que: 1) o art. 129 da LC n. 266/2008 determina expressamente que o servidor receberá a remuneração integral do cargo, incluindo os auxílios, em caso de acidente em serviço; 2) o inciso IV do parágrafo único do art. 89 da LC n. 266/2008 estabelece que, em caso de concessão de licença por acidente em serviço, os adicionais de função e gratificações por produtividade, serão pagos pela média dos últimos 12 meses; 3) a natureza propter laborem das vantagens não afasta o pagamento; 4) são devidos os pagamentos do adicional de insalubridade e das gratificações no período em que ficou afastada e 5) a condenação ao pagamento de indenização por dano moral deve ser majorada para R$ 25.000,00 (autos originários, Evento 199).

Contrarrazões nos Eventos 174 e 206 dos autos originários.

VOTO

1. Recurso do réu

1.1 Justiça gratuita

Na linha de inúmeros precedentes desta Corte, concedo o benefício da gratuidade judiciária ao requerido:

1.

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA PROPOSTA PELO HOSPITAL MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ CONTRA PARTICULAR. COBRANÇA DE CRÉDITOS VINCULADOS À CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES PRESTADOS AO PACIENTE EM CARÁTER PARTICULAR. [...] CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA AO HOSPITAL. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA COMPROVADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO PARA ESSE FIM. (AC n. 0060462-53.2006.8.24.0038, rel. Jaime Ramos, Terceira Câmara de Direito Público, j. 10-8-2021)

2.

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. LICENÇA PARA DIRIGIR ENTIDADE SINDICAL. PLEITO PARA CONCESSÃO DA "GRATIFICAÇÃO DA UNIDADE HOSPITALAR" DURANTE O PERÍODO DE AFASTAMENTO. INSURGÊNCIA DO HOSPITAL MUNICIPAL SÃO JOSÉ. [...] PEDIDO DE CONCESSÃO DA JUSTIÇA GRATUITA. ESTABELECIMENTO HOSPITALAR SEM FINS LUCRATIVOS. ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE RENDIMENTOS A PERMITIR O PAGAMENTO DOS ENCARGOS DO PROCESSO. HIPOSSUFICIÊNCIA CONSTATADA. INTELIGÊNCIA DO INCISO LXXIV DO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTS. 98 A 102 DO CPC/15. BENEFÍCIO CONCEDIDO.

As normas referentes à concessão do benefício da Justiça Gratuita não exigem a condição de miserabilidade do requerente para que faça jus à benesse, mas tão somente a demonstração de que o pagamento das despesas processuais acarretarão prejuízo à regular sobrevivência. [...] (AC n. 0313175-06.2015.8.24.0038, de Joinville, rel. Francisco Oliveira Neto, Segunda Câmara de Direito Público, j. 16-6-2020)



1.2 Dano moral

A autora postulou a condenação do demandado ao pagamento de compensação por dano moral, sob a justificativa de que adquiriu tuberculose no ambiente de trabalho.

Para configurar a responsabilidade civil do requerido, é necessária a existência do dano, nexo de causalidade e a culpa lato sensu (culpa - imprudência, negligência ou imperícia - ou dolo).

Na apelação, o Hospital busca o afastamento da condenação, ao argumento que: 1) inexiste nexo causal e prova do alegado abalo; 2) o adicional de insalubridade é uma espécie de indenização antecipada para aqueles que, em decorrência da condição de trabalho, sejam expostos a situações insalubres e 3) eventual contágio deve ser considerado caso fortuito.

Quanto ao tema, a sentença deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razão de decidir:

É induvidoso que o Estado (lato sensu) deve ser responsabilizado pelo ato ilícito consistente em omitir-se, ainda que não intencionalmente, de seu dever de garantir local de trabalho sadio e que não atente contra a saúde do servidor, causando-lhe dano. Por certo "é dever do empregador assegurar a plena higidez física de seus empregados durante o horário de trabalho e enquanto sob suas ordens" (TRF1, Acórdão 00011983220084013200, relator Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, j. em 20.04.2016).

Decorre disso, pois, que a verificação da responsabilidade civil do ente empregador envolve tão somente a constatação de nexo entre o labor e o dano dele decorrente.

No caso, conjugando o coligido em audiência na data de hoje com a prova pericial produzida, exsurge de maneira induvidosa o nexo causal a vincular a moléstia que acometeu a autora e a função desenvolvida no hospital. A propósito, apontou o perito que "unidades hospitalares, apresentam um risco aumentado em relação ao contágio de seus colabores, especialmente na enfermagem." (fl. 197), tendo concluído, expressamente, que "existe nexo técnico e nexo de causa entre o trabalho da autora na demandada e o quadro tuberculose que contraiu." (fl. 198). Nesse mesmo sentido a prova oral, da qual inclusive extrai-se que não só a autora, à época, foi infectada pela moléstia versada, mas também outros servidores em atividade no nosocômio acionado. No ponto, vale destacar que se trata de enfermidade adquirida exclusivamente por contágio e que, consoante bem elucidaram essas provas, inegável é que isso deu-se no ambiente de trabalho, único local que se tem como demonstrado que possa a autora ter ficado exposta aos agentes infecciosos.

O dano imaterial decorrente desse fato, por sua vez, é intuitivo, dado ao quadro clínico desenvolvido pelo agente que sofre desse tipo de moléstia, o qual gera a necessidade de afastamento da pessoa do convívio social e profissional, vendo-se obrigada a realizar tratamento medicamentoso intensivo, com restrição de convivência com terceiros e familiares.

Portanto, presente o nexo entre o labor e a enfermidade, como também presumido o dano decorrente dessa doença, resta por ver da fixação do montante reparatório, que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT