Acórdão Nº 0004167-64.2013.8.24.0033 do Segunda Câmara de Direito Civil, 03-12-2020

Número do processo0004167-64.2013.8.24.0033
Data03 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemItajaí
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão






Apelação Cível n. 0004167-64.2013.8.24.0033, de Itajaí

Relator: Desembargador Rubens Schulz

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS. DEMANDA AJUIZADA CONTRA A DENTISTA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA RÉ.

PRELIMINAR. JULGAMENTO ULTRA PETITA. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL CONCEDIDA EM EXTENSÃO MAIOR QUE A REQUERIDA NA PETIÇÃO INICIAL, AINDA QUE NUMA ANÁLISE SISTEMÁTICA (ART. 322, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL). PREFACIAL AGASALHADA.

- "Consabido que o pronunciado na sentença deve limitar-se ao que foi pleiteado na petição inicial (princípio da congruência) conforme a regra insculpida no artigo 492 do novo Código de Processo Civil, razão pela qual se faz mister, no caso de condenação em valor superior, a sua adequação em sede recursal" (TJSC, AC n. 2014.069833-4, rel. Joel Figueira Júnior).

MÉRITO. PRETENSA REFORMA DO JULGADO. ACOLHIMENTO. PROCEDIMENTO ESTÉTICO E FUNCIONAL. QUEDAS DE PRÓTESE ADESIVA, INFECÇÃO E INSUCESSO NO TRATAMENTO QUE NÃO PODEM SER ATRIBUÍDOS À CONDUTA DA DENTISTA. NEGLIGÊNCIA, IMPRUDÊNCIA OU IMPERÍCIA NÃO EXTRAÍVEIS DO LAUDO PERICIAL. MÁ HIGIENE E HÁBITOS QUE PODEM TER RELAÇÃO DIRETA COM OS DANOS EXPERIMENTADOS. CULPA E NEXO CAUSAL NÃO EVIDENCIADOS. CONDENAÇÃO EXTIRPADA.

- "Muito embora a atuação do profissional dentista, na maioria das vezes, seja como dito de resultado, sua responsabilidade, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, só se configura quando atue com dolo ou culpa. Ou seja, o profissional obriga-se contratualmente a um resultado específico, mas só responde pelo insucesso quando adota um procedimento desconforme com as técnicas e a perícia exigida, por desídia manifesta que traduz negligência ou por afoiteza ou imprudência indesculpável, seja no diagnosticar, seja no tratamento' (AC 2003.012937-5, rela. Desa. Denise Volpato)" (TJSC, AC n. 0661644-75.2003.8.24.0023, rel. Fernando Carioni).

- "Consoante a distribuição do ônus probatório preconizada pelo Código de Processo Civil, incumbe ao autor a comprovação de todos os elementos configuradores da responsabilidade civil do profissional da saúde, sob pena da improcedência de seus pedidos. Na espécie, ausente a comprovação acerca da prática de ilícito, do nexo causal e da culpa (na modalidade negligência, imperícia ou imprudência), impossível a caracterização da responsabilidade civil" (TJSC, AC n. 0000264-90.2010.8.24.0044, rel. Henry Petry Junior).

INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. EXIGIBILIDADE SUSPENSA. JUSTIÇA GRATUITA.

RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0004167-64.2013.8.24.0033, da comarca de Itajaí (1ª Vara Cível), em que é Apelante Ana Carolina Correa Neis Ballester e Apelados Filipe Dumas Pereira de Souza.

A Segunda Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para julgar a demanda improcedente na forma da fundamentação, invertidos os ônus sucumbenciais, suspensa, contudo, a cobrança em razão da concessão da justiça gratuita ao autor na origem. Custas legais.



Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Des. Rubens Schulz, presidente com voto, a Exma. Sra. Desa. Rosane Portella Wolff e o Exmo. Sr. Des. Monteiro Rocha.

Florianópolis, 3 de dezembro de 2020.



Desembargador Rubens Schulz

RELATOR


RELATÓRIO

Felipe Dumas Pereira de Souza ajuizou esta "ação de reparação de danos materiais e morais" em face de Ana Carolina Correa Neis, tendo em vista que, em suma, contratou a ré para um procedimento cirúrgico-dentário, mais precisamente a extração da raiz de um dente e a colocação de prótese com o desgaste dos "dentes-suporte" (n. 35 e 37); que a prótese soltou-se logo após; que, ao retornar ao consultório, a ré realizou "canal" e maiores desgastes nesses dentes para melhor fixação da prótese; que, em seguida, novamente, a prótese caiu; que, por isso, dirigiu-se ao consultório da ré para novo desgaste e para colocação de pinos; que, ao finalizar esse quarto procedimento, a ré deu por finalizado o tratamento e teria lhe entregue documento que a eximiria de responsabilidade, mas não o assinou; que sobrevieram, após, dor e infecção, oportunidade em que a ré forneceu atestado ao autor; que, para a solução dessa situação, a ré entregou-lhe orçamento de R$4.300,00 (quatro mil e trezentos reais); que, nesse ínterim, realizou procedimento em outro dente (n. 16), o qual também não teria sido bem-sucedido; que parte dos tratamentos foi pago em dinheiro (R$ 900,00) e outra parcela por intermédio de convênio (OdontoPrev). Juntou documentos (fls. 1 a 32).

Na contestação, a ré arguiu, preliminarmente, a necessidade de correção do polo passivo e a inépcia da petição inicial, ao passo que, no mérito, argumentou que os dentes n. 35 e 37 eram cariados; que a necessidade do "canal", assim, "não se deu por causa da prótese" no n. 36; que o tratamento foi escorreito, "com o isolamento absoluto para evitar o contato com a saliva" e obturação; que os desgastes foram realizados para o necessário tratamento de canal; que a prótese também foi confeccionada nos moldes atuais e de acordo com as normas técnicas; que a prótese adesiva "exige inúmeros cuidados que são de responsabilidade do paciente e não possuem relação com o tratamento em si"; que o cliente/autor então optou pela prótese fixa, por isso foi necessária novo desgaste dos dentes n. 35 e 37; que "casos de infecções e bactérias" são recorrentes em "cirurgias de apcectomia"; que é "totalmente inverídica a alegação do requerente de que foi solicitado para o mesmo assinasse um termo eximindo a requerida de responsabilidades"; que, após a infecção regredir, foi "orientado a marcar nova data para acompanhamento e recolação da prótese ou realização de outro procedimento para cobrir o elemento 36", de modo que, nessa ocasião, "o orçamento oferecido foi para realização de um implante, o que havia sido sugerido desde o início"; que "porém, o requerente não mais retornou para finalização da fixação da prótese ou realização do implante sugerido"; que "sobre o alegado dente 16, através das radiografias juntadas, verifica-se serem inverídicas as alegações do requerente", dado que "foi apenas realizado um capeamento pulpar e posteriormente um tratamento de canal, que conforme radiografia final deixou o dente em perfeito estado, não apresentando nenhum tipo de problema"; que, segundo o documento juntado pelo próprio autor, esse procedimento ocorrera em 2011, isto é, 2 (dois) anos antes; que os danos decorreriam da negligência do autor; e que, assim, a culpa seria exclusivamente dele (fls. 37 a 50). Juntou documentação (fls. 50 a 59).

Houve réplica (fls. 62 a 70).

Juntou-se laudo pericial (fls. 93 a 97).

As partes se manifestaram (fl. 100 a 108).

Na sentença, o Magistrado a quo julgou a demanda procedente para "condenar a requerida a pagar ao autor: a) o valor de R$ 900,00, referente à devolução dos valores pagos no tratamento odontológico realizado, corrigido monetariamente (INPC) da data dos desembolsos, acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação; b) o valor de R$ 4.300,00 (quatro mil e trezentos reais), corrigido monetariamente pelo índice INPC/IBGE da data do ajuizamento da ação e acrescido de juros de 1% ao mês a partir da citação e; c) o valor de R$4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por dano moral, corrigido pelo índice INPC/IBGE a partir desta data e acrescido de juros moratórios de 1% a partir do evento danoso, nos termos do artigo 398 do CC/02; d) ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em 15% do valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil e ao pagamento dos honorários periciais que fixo em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais)" (fls. 121 a 134).

Irresignada com a prestação jurisdicional entregue, a ré interpôs recurso no qual requer a reforma da sentença, "julgando totalmente improcedentes os pedidos deduzidos através da ação de indenização por danos materiais e morais, pelos fundamentos anteriormente expostos, invertendo os ônus sucumbenciais".

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 157 a 162).

Vieram os autos conclusos.

Este é o relatório.





VOTO

Presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conhece-se do recurso e passa-se ao exame do seu objeto, à luz do Código de Processo Civil de 2015, pois a sentença recorrida foi publicada na sua vigência.

Ademais, destaca-se que a apreciação do presente recurso, em detrimento de outros que estão há mais tempo conclusos neste gabinete, não afronta o critério cronológico de julgamento dos processos, previsto no art. 12 do Código de Processo Civil. Ao revés, valendo-se da interpretação do parágrafo 2º do referido artigo, tratando-se de causa relativamente simples, antecipar o seu julgamento privilegia a celeridade e a economia processual e contribui para o desafogamento do Judiciário, uma das diretrizes da novel legislação.

1 PRELIMINAR

De início, ainda que não faça o pedido ao final, a ré argui a ocorrência de sentença ultra petita, pois "a condenação por dano material para o pagamento de R$ 4.300,00 foi ultra petita, pois não houve pedido certo quanto ao dano material para re-execução do serviço, não podendo o magistrado conceder um valor que não foi objeto de pedido na inicial".

Com razão.

Isso porque, embora a análise da petição inicial deva se dar num todo, o que se denomina de exame lógico-sistemático (art. 322, § 2º, do Código de Processo Civil), a mera menção à possibilidade legal de refazimento do serviço por outro profissional...

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