Acórdão Nº 0004179-59.2017.8.24.0091 do Terceira Câmara Criminal, 13-12-2022

Número do processo0004179-59.2017.8.24.0091
Data13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0004179-59.2017.8.24.0091/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELANTE: ADEMIR PEREIRA (RÉU) APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Na comarca da Capital, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Ademir Pereira, dando-o como incurso nas sanções do art. 311, § 1º, do Código Penal e art. 319, caput, do Código Penal Militar, tudo na forma do art. 80, também deste último diploma, pela prática das condutas assim descritas na inicial acusatória:

No período compreendido entre os dias 1º de junho de 2016 e 2 de março de 2017, em horários a serem melhor apurados ao longo da instrução processual, na cidade de Concórdia, o denunciado ADEMIR PEREIRA adulterou sinal identificador de veículo automotor no exercício de sua função pública de Policial Militar e, ainda, praticou, indevidamente, ato de ofício contra expressa disposição de lei para satisfazer interesse pessoal.

Segundo o caderno investigativo, o denunciado era comandante do 20º Grupamento da 2ª Cia do 2ºBPMR - Polícia Militar Rodoviária, sendo lotado no posto 20, no distrito de Santo Antônio, no município de Concórdia. Para o desempenho das suas atribuições [serviços operacionais e administrativos], estava à disposição do agente delitual a viatura descaracterizada Fiat/Siena ano 2009/2010 [VTR PM 2172], placas EGF-7976.

Ocorre que o denunciado, sem qualquer autorização, por diversas vezes, efetuou a substituição das placas da viatura descaracterizada Fiat/Siena [VTR PM 2172], que originalmente leva as placas EGF-7976, pelas placas MAD-1399, que pertencem a um veículo GM/Chevette, o qual foi apreendido no dia 2 de junho de 2015 pela Polícia Rodoviária Militar.

Com tal proceder, portanto, o denunciado adulterou sinal identificador de veículo automotor, cometendo o crime no exercício de sua função pública.

Ademais, as investigações revelaram também que o agente delitual efetuou a referida adulteração no veículo automotor Siena com a finalidade de utilizar a viatura descaracterizada [VTR PM 2172] para fins particulares.

Nesse sentido, consta que o denunciado viajou até o Município de Passo Fundo/RS, no dia 18 de janeiro de 2017, utilizando-se da adulteração mencionada, isto é, com as placas MAD-1399 afixadas no veículo Siena, para fins particulares.

Além disso, ao longo do período compreendido entre os dias 1º de junho de 2016 e 2 de março de 2017, as Câmaras OCR´s instaladas na cidade de Concórdia verificaram que, em mais de 150 dias distintos, as placas MAD-1399 foram colocadas no veículo Siena para permitir que a viatura descaracterizada fosse utilizada para fins particulares.

Colhe-se do caderno inquisitivo, ainda, que o denunciado permitiu que seu genro João Vicente Escalai e seu filho conduzissem a VTR PM 2172, o que demonstra que o denunciado desvirtuou o fim da viatura, utilizando-a para fins particulares, ao invés de destiná-la exclusivamente ao cumprimento de suas atribuições funcionais, quando podia e devia agir diferente.

Dessa forma, o denunciado praticou, indevidamente, ato de ofício contra expressa disposição de lei, violando o disposto no artigo 9º, inciso XII, da Lei nº 8429/92, ao utilizar a viatura policial descaracterizada [VTR PM 2172], por diversas vezes, para satisfazer interesse pessoal (evento 13, PET456).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada parcialmente procedente, para condenar o acusado às penas de 10 (dez) meses de detenção, em regime inicial aberto, por infração ao disposto no art. 319 do CPM, bem como para absolvê-lo da prática do crime previsto no art. 311, § 1º, do Código Penal, por aplicação do princípio da consunção. Foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade (evento 213, SENT1).

Acolhidos em parte os aclaratórios opostos pelo denunciado, foi-lhe concedido o benefício do sursis, pelo prazo de 2 (dois) anos, cujas condições ficaram para serem impostas em audiência admonitória (evento 235, DOC1).

Irresignado, o representante do Ministério Público interpôs recurso de apelação, na qual rogou pelo afastamento do princípio da consunção e consequente condenação do acusado pela prática do crime previsto no art. 311, § 1º, do Código Penal, por três vezes, incidindo assim, a continuidade delitiva, nos termos do art. 80 do CPM. Por fim, postulou o afastamento da atenuante da confissão espontânea na segunda fase da dosimetria (evento 226, RAZAPELA1).

Também inconformada, a defesa do acusado interpôs recurso de apelação, na qual pugnou por sua absolvição quanto ao crime do art. 319 do CPM, aos argumentos de atipicidade de conduta e insuficiência de provas. No mais, suscitou a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado. Ainda, sustentou a aplicação da norma penal em detrimento da penal militar, no que tange às regras de concurso de crimes (material, formal e continuidade delitiva), uma vez que o entendimento contrário acarretaria em "uma exacerbação desproporcional". Por fim, requereu a apreciação do sursis (evento 232, APELAÇÃO1).

Juntadas as contrarrazões (evento 231, CONTRAZ1,evento 242, CONTRAZAP1), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Raul Schaefer Filho, opinou pelo conhecimento dos recursos e provimento tão somente daquele interposto pela defesa (evento 12, PROMOÇÃO1).

Este é o relatório.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos pelas partes contra decisão que julgou procedente em parte a denúncia e condenou o acusado à sanção do art. 319 do Código Penal Militar.

Os recursos devem ser conhecidos, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Do crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal Militar)

O Ministério Público, quanto ao crime de prevaricação, requer o afastamento da aplicação da atenuante da confissão espontânea na segunda etapa da dosimetria da pena, ao argumento de que trata-se de "mera confissão qualificada, em que o réu não pretende colaborar para a elucidação dos fatos e sua autoria, mas sim objetiva exclusivamente exercer seu direito de autodefesa".

A respeito da confissão qualificada, Fernando Capez elucida:

[...] A confissão qualificada, em que o acusado admite a autoria, mas alega ter agido acobertado por causa excludente da ilicitude (confessa ter matado em legítima defesa), não atenua a pena, já que, nesse caso, o acusado não estaria propriamente colaborando para a elucidação da autoria, tampouco concordando com a pretensão acusatória, mas agindo no exercício de autodefesa [...] (Curso de Direito Penal: parte geral. 12. ed. rev. atual. até a Lei n. 11.466/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 467).

Portanto, a confissão, quando qualificada, é inapta a minimizar a sanção aplicada.

Sobre o assunto, colhe-se o seguinte julgado desta Câmara, em antiga composição:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE MANIFESTA CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS (ART. 593, III, "D", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL). [...] ERRO OU INJUSTIÇA NA APLICAÇÃO DA PENA. PRETENDIDA A APLICAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA AO DELITO CONTRA A VIDA. IMPOSSIBILIDADE, PORQUANTO QUALIFICADA PELA ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA. "A confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão teses defensivas descriminantes ou exculpantes, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do Código Penal" (STJ, HC n. 129.278/RS, j. em 27/4/2009). [...] (Apelação Criminal n. 2015.034848-7, de Capinzal, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 15/09/2015, grifou-se).

E também desta Corte:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL GRAVÍSSIMA (ART. 129, § 2°, IV, DO CP). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. [...] PLEITO PELO RECONHECIMENTO COMO ATENUANTE GENÉRICA DO ART. 65, III, D, DO CP. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO QUALIFICADA QUE NÃO ENSEJA A REDUÇÃO DE PENA. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (Apelação Criminal n. 2014.026549-6, de São Carlos, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, j. 30/06/2015, grifou-se).

No entanto, in casu, ainda que a confissão, de fato, tenha se revelado qualificada, verifica-se que o togado de primeiro grau utilizou de tal confissão para fundamentar o édito condenatório, razão pela qual merece o apelante ser agraciado com a atenuação de sua pena.

Confira-se o trecho da decisão, in verbis:

Além disso, o réu confessou parcialmente o uso da viatura para fins particulares e tentou se desfazer da responsabilidade afirmando que nas vezes em que seu genro e filho dirigiram o carro, o fizeram para auxiliá-lo, pois tem problema de saúde.

De fato, a defesa acostou exames e laudos médicos para demonstrar que sofre de labirinte e outras patologias cardiovasculares e que o réu não pode conduzir o veículo quando apresentar estes sintomas (Evento 165). Todavia, se estivesse em serviço e apresentasse tais sintomas, a ação esperada seria que pedisse a um outro policial militar que conduzisse a viatura.

Pelo contrário, o próprio genro do acusado afirmou que utilizaram o veículo para voltar de União da Vitória a Concórdia e que precisou dirigir em razão de o réu ter passado mal por seus problemas de saúde.

A despeito da justificativa apresentada, a ação anterior de "fazer um lanche" com o seu genro, utilizando-se para tanto a viatura da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, já configura, por si só, o uso do veículo para fins particulares.

Ademais, como bem exposto pelo Ministério Público em memoriais, a placa utilizada na viatura nesta oportunidade era a que foi baixada do veículo Chevette, ou seja, não se sustenta a tese do réu de que era trocada a placa apenas para fins de investigações/campanas.

A propósito, dispõe a Súmula 545 do STJ - "Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador, o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, "d", do Código Penal".

Sobre o tema, já decidiu esta Corte de Justiça, mutatis mutandis:

APELAÇÃO...

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