Acórdão nº 0004193-19.2019.8.11.0064 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Vice-Presidência, 24-03-2021

Data de Julgamento24 Março 2021
Case OutcomeProvimento
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoVice-Presidência
Número do processo0004193-19.2019.8.11.0064
AssuntoTráfico de Drogas e Condutas Afins

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 0004193-19.2019.8.11.0064
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Tráfico de Drogas e Condutas Afins]
Relator: Des(a).
GILBERTO GIRALDELLI


Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]

Parte(s):
[ELIMAR JUNIOR RODRIGUES DOS SANTOS - CPF: 058.741.201-14 (APELANTE), VALDOMIRO DE LIMA PEREIRA JUNIOR - CPF: 459.596.766-72 (ADVOGADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (REPRESENTANTE), ESTADO DE MATO GROSSO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA (APELADO), ESTADO DE MATO GROSSO - PROCURADORIA GERAL DA JUSTICA (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU O RECURSO.

E M E N T A

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – CONDENAÇÃO PELO DELITO DE TRÁFICO PRODUTO QUÍMICO DESTINADO À PREPARAÇÃO DE DROGAS (ARTIGO 33, § 1.º, INCISO I, DA LEI N.º 11.343/2006) – INCONFORMISMO DA DEFESA – PRELIMINARES 1. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO – INOCORRÊNCIA – NO PROCESSO PENAL O RÉU SE DEFENDE DO FATO NARRADO NA DENÚNCIA E NÃO DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA DADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – MOMENTO PROCESSUAL ESTABELECIDO PELO CPP COMO SENDO A SENTENÇA PARA A CORREÇÃO DA CAPITULAÇÃO JURÍDICA – AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO DA DESCRIÇÃO FÁTICA CONTIDA NA DENÚNCIA – EMENDATIO LIBELLI PROCEDIDA CONFORME O ARTIGO 383 DO CPPISAGÓGICA AFASTADA2. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO – ALEGADA A NULIDADE DA BUSCA DOMICILIAR – PROCEDÊNCIA – INEXISTÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA A ADOÇÃO DA MEDIDA – INGRESSO EM CASA COM BASE EXCLUSIVAMENTE EM NOTÍCIA-CRIME APÓCRIFA – INEXISTÊNCIA DE AFERIÇÃO DA VERROSIMILHANÇA DA DELAÇÃO ANÔNIMA – VIOLAÇÃO À VEDAÇÃO DO ANONIMATO – INEXISTÊNCIA DE MOTIVOS A AUTORIZAREM A INTELECÇÃO DE SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO NO INTERIOR DA RESIDÊNCIA – DESCORTINAMENTO DA AÇÃO DELITIVA FUNDADA EM PROVA ILÍCITA – TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA – PRELIMINAR ACOLHIDA – DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA BUSCA DOMICILIAR, DAS PROVAS OBTIDAS COM ESSA DILIGÊNCIA E DA CADEIA PROBATÓRIA DELA DECORRENTE – CONSEQUENTE ABSOLVIÇÃO EM RAZÃO DE NÃO HAVER PROVA DA EXISTÊNCIA DO FATO – RECURSO PROVIDO.

1. Embora o Ministério Público seja o dominus litis no processo penal, o usufruto de tal poder-dever consiste no relato do fato criminoso ao juízo, vez que, a despeito de o artigo 41 do Código de Processo Penal impor ao parquet que especifique, por ocasião do oferecimento da denúncia, o tipo penal em que, a seu aviso, encontra-se incurso o acusado [sob pena de rejeição da inicial, nos termos do artigo 395 do Estatuto Penal Adjetivo], a correta capitulação jurídica, ao fim e ao cabo, é função do Poder Judiciário, na oportunidade de prolação da sentença, haja vista que, consoante é de trivial sabença, no processo penal o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica contida na denúncia.

2. A razão de ser do abrigo constitucional da inviolabilidade do domicílio (artigo 5º, inciso XI) é exatamente salvaguardar uma forma de manifestação do próprio direito à privacidade, que, se sob uma aresta, não se evidencia absoluto, sob outra, relativiza-se apenas nos termos delimitados pela própria Constituição: mediante consentimento do morador; em caso de flagrante delito; em caso de desastre; para prestar socorro; ou, durante o dia, mediante determinação judicial.

3. Delações apócrifas autorizam a adoção de instauração de procedimento de verificação preliminar das informações (artigo 5.º, § 3.º, do Código de Processo Penal), subsidiado por diligências cautelosas, a fim de se aferir a verossimilhança da notitia criminis e instaurar-se, via de regra, o inquérito policial. Assim, são admissíveis medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, ‘com prudência e discrição’, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da ‘persecutio criminis’, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas (STF. HC 100.042-MC/RO. Rel. Min. Celso de Mello.).

4. Buscas domiciliares procedidas apenas com base exclusivamente em notícia-crime anônima, sem verificação prévia de sua fidedignidade, ofendem o dispositivo constitucional que veda o anonimato (artigo 5º, inciso IV, parte final, da Carta Magna).

5. Nos termos do artigo 5º, inciso LVI, da Constituição Federal, e do artigo 157, caput e § 1.º, do Código de Processo Penal, são inadmissíveis e devem ser desentranhadas do processo as provas obtidas por meios ilícitos, compreendendo-se dentro desse contexto tanto aquelas amealhadas em violação a garantias constitucionais e legais, como aquelas delas derivadas.

6. Se, diante da declaração de nulidade da busca domiciliar, não subsistem provas da materialidade delitiva, deve-se efetivar a absolvição do acusado, com fundamento legal no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal, por não haver prova da existência do fato.

7. Recurso provido para acolher a preliminar de nulidade da prova por violação de domicílio e violação à vedação do anonimato e, por conseguinte, absolver o apelante da imputação contida na denúncia.

R E L A T Ó R I O

APELANTE:

ELIMAR JUNIOR RODRIGUES DOS SANTOS

APELADO:

MINISTÉRIO PÚBLICO

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto por ELIMAR JUNIOR RODRIGUES DOS SANTOS contra a r. sentença prolatada pelo d. Juízo da Quinta Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis/MT nos autos da Ação Penal n.º 0004193-19.2019.8.11.0064 – Códigos 691508 e 11476681, na qual foi condenado pela prática do crime tipificado no artigo 33, § 1.º, inciso I, da Lei n.º 11.343/2006, sendo-lhe imposta a pena de 05 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, no patamar mínimo.

Nas razões recursais, constantes no ID 59561453 – Págs. 303/340, a Defesa técnica suscita, preliminarmente, nulidade absoluta, decorrente de violação ao princípio da correlação, na medida em que, a seu sentir, na sentença, houve nova definição jurídica do fato (mutatio libelli), sem atenção ao procedimento previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, aduz que o réu foi denunciado pela prática do delito do artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, em razão da posse de 24,01g (vinte e quatro gramas e dez centigramas) de maconha, porém restou condenado pela prática do delito do artigo 33, § 1.º, inciso I, da Lei n.º 11.343/2006, pela posse de 29 (vinte e nove) porções de ácido bórico.

Também em caráter prefacial, pretende o reconhecimento da ilicitude das provas decorrentes da busca e apreensão domiciliar, pois essa medida foi realizada com base em notícia-crime anônima, de caráter genérico, de modo que não houve verificação preliminar das informações, tampouco autorização judicial para a consecução da diligência, resultando em contaminação de toda a cadeia probatória, haja vista a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada (ilicitude da prova por derivação, nos termos do artigo 157, § 1.º, do Código de Processo Penal).

No mérito, objetiva a absolvição por insuficiência de provas, com esteio na negativa de autoria sustentada pelo réu em seu interrogatório judicial. Assinala estar a condenação amparada no contraditório depoimento de um único policial ouvido em juízo, sem perder de vista que não há comprovação quanto à destinação da substância apreendida para o preparo de entorpecentes, bem como inexistir nos autos cópias dos cadernos de anotações supostamente utilizados para o tráfico.

Subsidiariamente, vindica a restituição dos bens declarados perdidos, pois, para além de a sentença não apresentar motivação suficiente para tanto, em perspícua ofensa ao dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, estampado no artigo 93, inciso IX, da Carta Magna, não há demonstração da relação entre os bens (especialmente o veículo) e a infração penal.

Nas contrarrazões, constantes no ID 59561453 – Págs. 341/360, o Ministério Público rechaça os argumentos aventados pela Defesa e pugna pelo não provimento do apelo.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou no parecer de ID 63347492 pelo conhecimento e desprovimento dos recursos.

É o relatório.

À douta Revisão.

V O T O R E L A T O R

VOTO (PRELIMINAR DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO)

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Ab initio, observo que o recurso é tempestivo, foi interposto por quem tinha interesse e legitimidade para fazê-lo e a medida utilizada afigura-se adequada e necessária para se atingir o fim almejado, pelo que CONHEÇO o apelo manejado pela Defesa.

Como primeiro estandarte recursal, a Defesa técnica almeja o reconhecimento de nulidade absoluta, decorrente de violação ao princípio da correlação, na medida em que, a seu sentir, na sentença, houve nova definição jurídica do fato (mutatio libelli), sem atenção ao procedimento previsto no artigo 384 do Código de Processo Penal.

Nesse sentido, aduz que o réu foi denunciado pela prática do delito de tráfico de drogas (artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006), em razão da posse de 24,01g (vinte e quatro gramas e dez centigramas) de maconha, mas restou condenado pela prática do delito de tráfico de produto químico destinado à preparação de droga (artigo 33, § 1.º, inciso I, da Lei n.º 11.343/2006), pela posse de 29 (vinte e nove) porções de ácido bórico.

Diante disso, considera ter havido na sentença substancial...

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