Acórdão Nº 0004205-18.2013.8.24.0020 do Segunda Câmara de Direito Comercial, 10-08-2021

Número do processo0004205-18.2013.8.24.0020
Data10 Agosto 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0004205-18.2013.8.24.0020/SC

RELATOR: Desembargador ROBSON LUZ VARELLA

APELANTE: BANCO DO BRASIL S.A. (RÉU) APELADO: DILZA CARDOSO DOMINGOS (AUTOR) ADVOGADO: KATHERINE SCHERER CLARINDA (OAB SC033593)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por Banco do Brasil S.A. contra sentença (doc. 343, evento 148) que julgou parcialmente procedentes os pleitos exordiais da ação revisional de contrato, nos seguintes termos:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Dilza Cardoso Domingos em desfavor de Banco do Brasil S/A para, via de consequência: a) limitar a taxa de juros remuneratórios praticada no contrato à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil para o período da contratualidade (47,80% a.a., Série 3953 - Taxa média mensal (pré-fixada) das operações de crédito com recursos livres referenciais para taxa de juros - Total pessoa física); b) reconhecer a ilegalidade da capitalização dos juros; c) determinar que no período de inadimplência, a título de encargos da mora, incidirá apenas comissão de permanência, sendo, pois, vedada a sua cumulação com demais encargos moratórios; d) determinar a utilização do INPC como índice de correção monetária; e) declarar nula a cobrança da tarifa de serviços de terceiros; f) afastar a abusividade da cobrança das tarifas de abertura de crédito (TAC) e tarifa de emissão de carnê (TEC); CONDENO a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, os quais arbitro em R$3.000,00 (três mil reais), a teor do artigo 85, § 2.º, incisos I ao IV, do Código de Processo Civil, corrigidos monetariamente a partir da data da publicação desta e acrescidos de juros de mora a partir do trânsito em julgado. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Com o trânsito em julgado e cumpridas as demais formalidades legais, arquivem-se.

Em seu apelo, a casa bancária sustentou, em preliminar, a necessidade de extinção da demanda, diante da inépcia da inicial. No mérito, arguiu, em suma, a) a impossibilidade de revisão contratual; b) a necessidade de manutenção dos juros tal como pactuados; c) a legalidade da capitalização mensal; d) a manutenção da comissão de permanência, bem como dos demais encargos moratórios; e) conservação da TAC e da TC; f) a inversão do ônus sucumbencial a fim de que a autora passe a arcar com as custas e honorários advocatícios. Ao final, prequestionou dispositivos legais (doc. 347, evento 153).

Sem contrarrazões.

Ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.

VOTO

Insurge-se a casa bancária contra sentença de parcial procedência dos pleitos exordiais formulados em ação de revisão contratual.

Preliminar de inépcia da inicial

Alega a instituição financeira, em preliminar, a inépcia da inicial, por ausência de cumprimento dos requisitos insculpidos no parágrafo 1º do art. 330 do Código de Processo Civil.

A teor do disposto no art. 330, §2º, do Código de Processo Civil, nas "ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito."

No caso concreto, observa-se que a peça vestibular cumpriu a contento os requisitos elencados pelo art. 330, § 2º, da Lei Adjetiva Civil, apresentando o contrato que pretende revisar (cédula de crédito bancário celebrado em junho de 2007), especificando o seu alcance (a.) limitação do percentual dos juros remuneratórios à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN; b.) afastamento da capitalização; c.) vedação da cobrança cumulada dos encargos moratórios (comissão de permanência, juros moratórios e multa); d.) repetição do indébito; e.) afastamento da TAC e da TEC; f.) indenização por danos morais; g.) correção monetária pelo INPC).

É da jurisprudência:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. EXTINÇÃO DO PROCESSO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR DESCUMPRIMENTO DO ART. 330, § 2º, DO CPC/2015 (ART. 285-B, DO CPC/73). INSURGÊNCIA DA PARTE AUTORA. ALEGAÇÃO DE QUE CUMPRIU, DE FORMA SATISFATÓRIA, A DETERMINAÇÃO DE EMENDA DA INICIAL. TESE ACOLHIDA. INDICAÇÃO DOS ENCARGOS QUE PRETENDE REVISAR E QUANTIFICAÇÃO DO VALOR INCONTROVERSO. REQUISITOS DOS ARTS. 319 E 330, §2º, DO CPC/2015 ATENDIDOS. PETIÇÃO INICIAL APTA. SENTENÇA CASSADA. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS, EM RAZÃO DO TRABALHO DESEMPENHADO EM GRAU DE RECURSO PELO ADVOGADO DO APELANTE. ARTIGO 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (Apelação Cível n. 0302089-57.2015.8.24.0064, rel. Des. Soraya Nunes Lins, j. em 16/3/2017)

Assim, rejeita-se a preliminar suscitada.

Impossibilidade de revisão contratual e inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Afirmou a casa bancária a inexistência de pressupostos para revisão contratual.

Ainda, alegou a inaplicabilidade da Lei Consumerista e a manutenção do pacto com base no princípios da boa-fé contratual.

No entanto, tais ponderações não merecem guarida.

É cristalino que a relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes é tida como de consumo, enquadrando-se a apelada no conceito de consumidora final do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor e o apelante no de fornecedor de produtos e serviços (art. 3º, §2º, da Legislação Consumerista), "in verbis":

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

[...]

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

[...]

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Tal entendimento foi consolidado na Súmula n. 297 do Superior Tribunal de Justiça, a qual estabelece o seguinte: "O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras".

Vale ressaltar que o reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, por si só, não assegura a procedência dos pedidos formulados pela parte autora da demanda, uma vez que somente quando da análise do caso concreto é que será possível a verificação de eventual ilegalidade ou abusividade das condições contratuais.

Ademais, um dos principais objetivos da Lei 8.078/90 consiste na proteção do hipossuficiente em decorrência de sua vulnerabilidade, cuja finalidade, nos termos da Política Nacional das Relações de Consumo, é a de resguardar os interesses econômicos e a harmonização dos negócios celebrados.

É nesse sentido, portanto, que a relação evidenciada nos autos deve ser interpretada, segundo as disposições consumeristas, com o intuito de alcançar ao máximo a igualdade entre os contratantes.

Atente-se, todavia, que isso não implica o reconhecimento de mácula a viciar a avença desde o seu princípio, mas é possível a revisão do pacto entabulado entre as partes, conforme o disposto no inciso V do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, o qual permite a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a revisão delas em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Dessa forma, plenamente cabível a revisão dos termos originalmente avençados, sem que haja qualquer afronta ao princípio da boa-fé objetiva.

Além disso, em vista de sua natureza cogente, a legislação protetiva em comento restringiu o espaço da autonomia de vontade privilegiada pelo direito privado, mitigando o princípio da obrigatoriedade dos contratos (a eficácia do princípio pacta sunt servanda), próprio de avenças celebradas sob a égide do Código Civil.

Nessa linha, já decidiu esta Corte de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA RÉ. 1 - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DAS CLÁUSULAS PACTUADAS. APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO PACTA SUNT SERVANDA. SÚMULA 297 DO STJ. RECURSO DESPROVIDO NO PONTO. [...] (Apelação Cível n. 0004412-88.2012.8.24.0040, Rel. Des. Dinart Francisco Machado, j. em 3/7/2018)

E, ainda:

APELAÇÕES CÍVEIS. DEMANDAS...

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