Acórdão Nº 0004271-65.2018.8.24.0038 do Quinta Câmara Criminal, 05-03-2020

Número do processo0004271-65.2018.8.24.0038
Data05 Março 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0004271-65.2018.8.24.0038, de Joinville

Relatora: Desembargadora Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA (ART. 155, §º4º, II, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DEFENSIVO. AUTORIA E MATERIALIDADE INCONTROVERSOS. PLEITO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. APESAR DE NÃO APURADO O VALOR DA RES FURTIVA, A CONDUTA DO APELANTE NÃO PODE SER CONSIDERADA DE MÍNIMA OFENSIVIDADE. CRIME PRATICADO COM ABUSO DE CONFIANÇA. PRECEDENTES DO STJ. MODUS OPERANDI UTILIZADO PELA RÉ ERA, JUSTAMENTE, A SUBTRAÇÃO DE PEQUENAS QUANTIAS A FIM DE EVITAR QUALQUER SUSPEITA. CONDUTA SOMENTE IDENTIFICADA POR TER SIDO GRAVADA NAS CÂMARAS DE SEGURANÇA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. CONDENAÇÃO MANTIDA. PLEITO DE AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA DO ABUSO DE CONFIANÇA. ACOLHIMENTO INVIÁVEL. RÉ QUE LABOROU POR CERCA DE QUATORZE ANOS NO SUPERMERCADO VÍTIMA, NA FUNÇÃO DE OPERADORA DE CAIXA E, INCLUSIVE, ERA A RESPONSÁVEL POR ABRIR O ESTABELECIMENTO PELAS MANHÃS, BUSCAR O DINHEIRO NO ESCRITÓRIO E ABASTECER TODAS AS GAVETAS REGISTRADORAS DO CAIXA. EMPREGADOR QUE DEPOSITAVA TOTAL CONFIANÇA NA RÉ. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO TIPO PENAL IMPUTADO NA FORMA QUALIFICADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DO PRIVILÉGIO. IMPOSSIBILIDADE. QUALIFICADORA DE NATUREZA SUBJETIVA. SÚMULA N. 511 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0004271-65.2018.8.24.0038, da comarca de Joinville 2ª Vara Criminal em que é Apelante Adelia Piske Golinski e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Quinta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Cesar Schweitzer (Presidente) e o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Neri Oliveira de Souza.

O conteúdo do presente acórdão, nos termos do § 2º, do artigo 201, do Código de Processo Penal, deverá ser comunicado pelo juízo de origem.

Florianópolis, 5 de março de 2020.



Cinthia Beatriz da S. Bittencourt Schaefer

Relatora





RELATÓRIO

O Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofertou denúncia em face de Adélia Piske Golinski, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 155, §4°, II, do Código Penal, conforme os seguintes fatos narrados na peça acusatória (fls. 1/2):


Em data anterior a 20/10/2017, ao realizar a troca das câmeras do sistema de vigilância do estabelecimento comercial Supermercado Clemente, Venicius, proprietário do referido estabelecimento, verificou que a denunciada, após mexer no dinheiro existente na gaveta do caixa, subtraiu, para si, mediante abuso de confiança, aproveitando-se da condição de operadora de caixa, quantia em dinheiro, que será melhor precisada durante a instrução criminal.

Após verificar a conduta de Adélia, o proprietário do estabelecimento passou a monitorar a funcionária pelas câmeras, durante quinze dias, notando a subtração de dinheiro em diversas ocasiões, todas registradas pelo sistema de vigilância do estabelecimento comercial.


A denúncia foi recebida em 03/05/2018 (fl. 66), a ré foi citada (fl. 72) e apresentou defesa (fls. 74/77).

A defesa foi recebida e, não sendo o caso de absolvição sumária, foi designada audiência de instrução e julgamento (fl. 83).

Na instrução foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, bem como a ré foi interrogada (fls. 104 e 113).

Encerrada a instrução processual e apresentadas as alegações finais (fls. 116/117 e 121/125), sobreveio a sentença (fls. 126/140) com o seguinte dispositivo:


Diante do exposto, julgo procedente a denúncia para condenar Adélia Piske Golinski ao cumprimento da pena privativa de liberdade de três anos e quatro meses de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de dezesseis dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 155, § 4º, II do CP, por doze vezes, na forma do art. 71, caput, do CP. Substituo a pena por restritivas, conforme a fundamentação Custas pela acusada (art. 804 do CPP).


Inconformada a ré Adélia Piske Golinki interpôs recurso de apelação, no qual pleiteia pela sua absolvição visto a atipicidade da conduta pelo princípio da insignificância. Subsidiariamente, pugna pelo afastamento da qualificadora do abuso de confiança, e consequentemente, a desclassificação de sua conduta para furto simples, previsto no art. 155, caput, do Código Penal. Por fim, pugna pelo reconhecimento da figura privilegiada descrita no art. 155, § 2º, do Código Penal.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 169/171), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.

Lavrou parecer pela Douta Procuradoria-Geral de Justiça o Exmo. Sr. Dr. Leonardo Felipe Cavalcanti Lucchese, manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do apelo (fls. 178/184).

Este é o relatório.





VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade o recurso deve ser conhecido.

Cuida-se de recurso de apelação criminal interposto por Adélia Piske Golinski que busca a reforma da sentença que a condenou ao cumprimento de pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, no regime aberto, e ao pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa, cada qual no valor correspondente a um trigésimo do salário mínimo vigente à época dos fatos, por infração ao art. 155, § 4º, II do CP, por doze vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal.

Não há insurgência recursal no que tange à materialidade e à autoria dos crimes de furto na sua forma qualificada pelo abuso de confiança pelos quais a apelante restou condenada.

O pleito de absolvição está fundamentado na atipicidade da conduta, sob argumento de ausência de potencialidade lesiva do ato praticado diante do ínfimo valor subtraído.

Advoga que a vítima sequer tem conhecimento do valor supostamente subtraído pela Apelante, supondo apenas que eram furtados valores de R$ 20,00 a R$ 40,00 por dia.

É notório que o Direito Penal é seletivo, ou seja, dentre as inúmeras condutas humanas ilícitas, somente algumas – as mais graves – são selecionados para serem alcançados pelo ordenamento penal. E, como base neste pensamento de otimização, a doutrina e a jurisprudência defendem que ele não deve se ocupar de bagatelas, isto é, aquelas condutas que não apresentem relevância material, ofendendo minimamente o bem jurídico tutelado.

Porém para aplicação do princípio da insignificância ou de bagatela faz-se necessário o preenchimento de certos requisitos, quais sejam: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; (iv) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Sobre o tema, trago a baila escólio de Cezar Roberto Bittencourt:


A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedmann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam ao tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado (Tratado de direito penal: parte geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. v.1. p. 26).


No caso concreto, não se pode dizer que houve reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, uma vez que o furto foi praticado com abuso de confiança, não incidindo o princípio da insignificância ou bagatela.

Neste sentido, colaciono precedentes do Superior Tribunal de Justiça:


PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. ABUSO DE CONFIANÇA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. [...] 2. O "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. [...] Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." (HC n. 84.412-0/SP, STF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJU 19/11/2004.). 3. A jurisprudência desta Corte entende que, em regra, as qualificadoras do crime de furto obstam a aplicação do princípio da insignificância, haja vista a maior reprovabilidade da conduta, malgrado sua presença não implique, per si, afastamento da atipicidade material. No presente caso, a despeito do valor ínfimo das coisas furtadas, "a aplicação do princípio da...

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