Acórdão Nº 0004373-73.2002.8.24.0030 do Primeira Câmara de Direito Público, 29-11-2022

Número do processo0004373-73.2002.8.24.0030
Data29 Novembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0004373-73.2002.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador PEDRO MANOEL ABREU

APELANTE: MUNICÍPIO DE IMBITUBA/SC (EXEQUENTE) APELADO: OSNI AMANDIO (EXECUTADO)

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação cível interposta por MUNICÍPIO DE IMBITUBA/SC em objeção à sentença que, nos autos da execução fiscal que move em face de OSNI AMANDIO, reconheceu a inexigibilidade dos créditos fiscais executados, porquanto a exigência estava pautada em legislação posterior aos fatos geradores, violando a legalidade e irretroatividade.

Em sua insurgência, o(a) apelante sustenta que a LCM 2.220/2001 é plenamente aplicável ao caso, sendo inclusive desnecessário observar a anterioridade, na medida em que o imposto cobrado sempre constou da legislação municipal, de sorte que não há violação ao art. 150, I e III, 'a' da Constituição Federal. No mais, alega que era imprescindível a intimação prévia da Fazenda Pública, nos termos dos artigos e 10 do CPC, viabilizando a emenda do título, conforme sedimentado no verbete sumular n. 392 da Corte Superior. Nesses termos, pugnou pelo provimento do recurso para que a execucional prossiga nos seus termos.

Não houve contrarrazões.

Despicienda a manifestação do Parquet, nos termos da súmula 189/STJ.

Este é o relatório.

VOTO

Extrata-se dos autos que a execucional foi extinta, com fulcro no art. 150, I e III, a, da Carta Magna, porquanto identificado pelo togado sentenciante que o fundamento legal da exação remetia à legislação com vigência posterior aos fatos geradores da obrigação fiscal, evidenciando a inexigibilidade do lançamento fiscal, por violação à irretroatividade tributária.

De fato, da análise perfunctória da CDA exequenda, denota-se a carência de elementos formais que não estão devidamente delineados no título, sobretudo, é claro, aquele relativo ao fundamento legal que amparou parte da exação, na medida em que, notadamente, a lei fiscal que instituiu ou majora tributos não pode retroagir para alcançar fatos geradores pretéritos.

A matéria em debate, a propósito, não é inédita na Corte. A propósito e considerando a celeridade, a economia e a unicidade da jurisprudência deste Sodalício, sem descuidar da pertinência e adequação, cumpre trazer à baila a interpretação lançada em precedente análogo da lavra do Desembargador Hélio do Valle Perreira (AI n. 5043504-59.2022.8.24.0000, cuja judiciosa fundamentação adota-se integralmente como razões de decidir, já que há identidade de teses jurídicas, mudando-se, obviamente, apenas o que deve ser mudado.

Colhe-se do precedente ratificado:

Destaco, antes de tudo, que não se aplica ao caso a tese fixada pelo Grupo de Câmaras de Direito Público no IRDR 24, uma vez que não é falta de fundamento legal ou mesmo equívoco quanto a ele que justifica a extinção parcial da execução, mas a violação ao princípio da irretroatividade. A CDA já traz o dispositivo legal adequado (arts. 8º ao 30º da LCM 2.220 de 14/12/2001 - evento 95, DOC3), só que ele não serve para justificar a exigibilidade dos créditos relativos aos exercícios de 2001 e 2002 (aquele pela irretroatividade da lei e este por força da anterioridade nonagesimal), de sorte que é mesmo ociosa eventual substituição do título.

3. Seja como for, a sentença deve ser mantida, o tema envolve matéria que já foi vencida neste Tribunal, inclusive quanto à possibilidade de apreciação de ofício da matéria, como demonstra esse julgado da Quarta Câmara (a qual este relator integrava até 2017), em feito que contou com a relatoria da eminente Des.ª Vera Lúcia Ferreira Copetti:

APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA PROLATADA COM FUNDAMENTO NO CPC/73. PUBLICAÇÃO NA VIGÊNCIA DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 7º, 9º E 10 DO CPC/15. INOCORRÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. NULIDADE AFASTADA. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE FISCALIZAÇÃO, LOCALIZAÇÃO, INSTALAÇÃO E DE FUNCIONAMENTO. FATO GERADOR ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI QUE INSTITUIU O TRIBUTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 150, III, ALÍNEA 'A', DA CF/88). INTIMAÇÃO PRÉVIA DA FAZENDA PÚBLICA PARA SUBSTITUIÇÃO DO TÍTULO. DESNECESSIDADE. VÍCIO INSANÁVEL. FUNDAMENTO LEGAL EQUIVOCADO (ART. 202, INCISO III, DO CTN). MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA (ART. 267, §3º DO CPC/73; ART. 485, §3º, CPC/15). "CONSOLIDAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRIBUTÁRIA MUNICIPAL" APONTADA COMO DIPLOMA LEGAL VIGENTE À ÉPOCA DO FATO GERADOR. DECRETO EXPEDIDO PELO CHEFE DO EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA (ART. 150, I, DA CF/88). NULIDADE DA EXECUÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

"Em se tratando de vício insanável - como no caso, em que houve fundamentação legal equivocada na CDA - não há como subsistir o título executivo, podendo o juízo extinguir a execução, pelo que não há falar em intimação da Fazenda para substituir a CDA. Precedente: REsp 1.045.472/BA, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seção, DJe de 18.12.2009 - julgado mediante a sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos). [...] Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido". (REsp 1208055/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/10/2010, DJe 28/10/2010). Não há como acatar a pretensão do apelante, seja porque o vício que macula a certidão é insanável e, portanto, não admite correção, ou porque o fundamento legal apontado como real substrato à cobrança da exação é um decreto editado pelo Poder Executivo, o que caracterizaria violação ao princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF/88).

Adiro aos mesmos fundamentos consignados por Sua Excelência relatora no voto condutor do julgamento:

De início, no que concerne ao direito intertemporal, considerando que a sentença impugnada foi publicada em 19/05/2016 e interposto o recurso também na vigência do Código de Processo Civil de 2015, deve o presente recurso ser analisado sob a ótica da nova ordem processual.

Esta, ademais, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça, conforme o Enunciado Administrativo n. 3: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade na forma do novo CPC".

Ainda que firmada tal premissa, deve-se considerar a especial circunstância de que a sentença foi lavrada pela MM. Juíza Substituta Jaqueline Fátima Rover em 09/03/2016 (fl. 38), sendo publicada em cartório apenas em 19/05/2016. Assim, o ato judicial combatido fundamentou-se nas disposições do Código Processual Civil de 1973. E, de outro lado, a lei do recurso é o Código de Processo Civil de 2015. Desse modo, inviável o pleito de aplicação retroativa dos arts. 7º, 9º e 10 do CPC/15 como requer o Município de Imbituba.

Nesse sentido, colhe-se lição doutrinária:

Há efeito retroativo quando a lei nova é aplicada a situações jurídicas já consolidadas. O efeito retroativo é vedado pelo direito constitucional brasileiro (arts. 5º, XXXVI, CF e 14, CPC). Há efeito imediato quando a legislação é aplicada a partir do momento em que entra em vigor, refendo as situações jurídicas que lhe são posteriores. Interessa a distinção entre efeito imediato e efeito retroativo no plano processual no que tange às situações jurídicas pendentes. O processo, considerado globalmente, é uma situação pendente até que advenha o trânsito em julgado. É uma atividade, por definição, projetada no tempo. O processo é um procedimento em contraditório, um procedimento adequado à consecução dos fins do Estado Constitucional, formado por vários atos processuais. Alguns desses atos já foram realizados - consideram-se já praticados e imunes à eficácia da lei nova, sob pena de retroatividade e ofensa ao ato jurídico perfeito (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 166 - destaquei).

Ademais, ao tempo da prolação da sentença, já vigorava neste Tribunal o entendimento consolidado no sentido de que as matérias de ordem pública, tal como a higidez do título executivo, podem ser apreciadas de ofício pelo juiz, a qualquer tempo e grau de jurisdição, pois insuscetíveis de preclusão, conforme autorização expressa no art. 267, §3º do CPC/73 (correspondente ao art. 485, §3º do CPC/15). Veja-se:

TRIBUTÁRIO. ICMS. 1. NULIDADE DA CDA. TÍTULO QUE NÃO PREENCHE OS PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DA AÇÃO EXECUTIVA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. "O juízo acerca da higidez da Certidão de Dívida Ativa constitui matéria de ordem pública, pois a nulidade do título fulmina pressuposto de validade da correspondente execução fiscal, motivo pelo qual sobre tal questão não se opera a preclusão, devendo, inclusive, ser conhecida de ofício pelas instâncias ordinárias, nos termos do art. 267, § 3º, do CPC. Precedentes: AgRg no REsp 766.478/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 24/6/2010; REsp 873.267/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 4/2/2009; AgRg no REsp 968.707/RS, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23/9/2008; REsp 827.325/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 1º/6/2006; EAg 724.888/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 22/6/2009. [...]" (STJ, AgRg no REsp n. 1209061/SC, rel. Min. Benedito Gonçalvez, Primeira Turma, j. 28.2.12) [...] (TJSC, Apelação Cível n. 0301564-30.2014.8.24.0058, de São Bento do Sul, rel. Des. Francisco Oliveira Neto, j. 08-11-2016).

O apelante afirma que o juízo a quo deveria ter oportunizado sua oitiva prévia para o exercício da faculdade que lhe confere o §8º do art. 2º da Lei n. 6.830/80, permitindo a substituição da certidão de dívida ativa, uma vez constatado defeito sanável. Em prol da tese, menciona precedente do Superior Tribunal de Justiça que entende aplicável ao caso.

A irresignação não prospera. Isso porque a indicação errônea do fundamento legal da exação não configura simples irregularidade do título executivo, sendo inviável a mera substituição da...

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