Acórdão Nº 0004376-61.2012.8.24.0035 do Segunda Câmara de Direito Público, 09-11-2021

Número do processo0004376-61.2012.8.24.0035
Data09 Novembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoSegunda Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0004376-61.2012.8.24.0035/SC

RELATOR: Desembargador CARLOS ADILSON SILVA

APELANTE: RENOVADORA E DISTRIBUIDORA DE PNEUS ITUPORANGA LTDA EPP APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por Renovadora e Distribuidora de Pneus Ituporanga Ltda. EPP contra sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 2ª Vara da Comarca de Ituporanga, Dr. Lenoar Bendini Madalena, que, em "ação anulatória de débíto fiscal" ajuizada em face do Estado de Santa Catarina, julgou improcedente o pedido formulado na inicial, condenando a parte autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.

Extrai-se da parte dispositiva:

"[...] Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE, com resolução do mérito (art. 487, 1, do CPCÍI5), o pedido formulado por Renovadora e Distribuidora de Pneus Ituporanga Ltda - EPP em face do Estado de Santa Catarina.

Por imposição do princípio da causalidade, condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, a teor do disposto no art. 85, § 40, 111, do CPC/15.

P. R. I.

Oportunamente, arquivem-se os autos."

Em suas razões recursais, a apelante suscita a preliminar de cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide.

Quanto ao mérito, reitera a tese no sentido de que, ao reconstituir a conta gráfica do tributo, excluindo-se os créditos reconhecidamente indevidos, ainda haveria saldo credor em seu favor, razão pela qual não poderia ter sido efetuado o lançamento diante do estorno realizado antes de qualquer procedimento fiscalizatório.

Pelo mesmo fundamento, entende que não seria devida a multa de 75% sobre o valor do tributo.

Apresentadas as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte, sendo posteriormente redistribuídos a este Relator.

É o relatório.

VOTO

O recurso deve ser conhecido, porquanto satisfeitos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

1. Preliminar de cerceamento de defesa:

As partes foram intimadas para especificarem as provas sob pena de preclusão (evento 25, procjud 1, pág. 305), oportunidade na qual a ora apelante requereu o julgamento antecipado da lide, na forma do art. 330, I, do CPC/73 (evento 25, procjud 1, pág. 312).

Diante desse contexto, o pedido de cerceamento de defesa no recurso configura nítido comportamento contraditório, caracterizando venire contra factum proprium.

De acordo com lição de Carlos Roberto Gonçalves, no âmbito da função limitadora do princípio da boa-fé "são estudadas as situações de 'venire contra factum proprium', 'supressio', 'surrectio'" (Direito Civil Brasileiro. Vol. 3, 6ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 39).

E continua o autor:

"A 'teoria dos atos próprios', ou a proibição de 'venire contra factum proprium' protege uma parte contra aquela que pretende exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de se criar uma certa expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte" (Op. cit., p. 39).

Justamente em razão da cláusula geral do nemo potest venire contra factum proprium (vedação ao comportamento contraditório), não há cerceamento de defesa se "(...) a parte postula expressamente o julgamento antecipado da lide por não pretender a produção de novas provas" (TJSC, Ap. Cív. n. 2010.018156-9, de Blumenau, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 13-9-2012).

Extrai-se da jurisprudência desta Corte:

"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO CUMULADA COM COBRANÇA. CONTRATO PARTICULAR DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ALEGAÇÃO DE AMBAS AS PARTES DE DESCUMPRIMENTO DOS TERMOS DO NEGÓCIO. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ÔNUS DA PROVA RECAÍDO AO AUTOR. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 6º, VIII, DA LEI DE REGÊNCIA. PUGNAÇÃO EXPRESSA EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FATO IMPUTÁVEL AO CONSUMIDOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Aquele que expressamente requer o julgamento antecipado da lide não pode alegar cerceamento de defesa, em decorrência à proibição de comportamento contraditório, conforme princípio do venire contra factum proprium.

Cabe ao autor comprovar o fato constitutivo do seu direito, sob pena de, em não fazendo ou promovendo de forma deficitária, ter sua ação julgada improcedente." (TJSC, Apelação n. 0300306-37.2014.8.24.0073, rel. Des. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 30-03-2021) [grifou-se]

No mesmo sentido:

"DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DE TRÂNSITO - COLISÃO FRONTAL ENTRE MOTO E CARRO - INVASÃO DE PISTA CONTRÁRIA - DANOS MORAIS E MATERIAIS - IMPROCEDÊNCIA EM 1º GRAU - INCONFORMISMO DO AUTOR - 1. CERCEAMENTO DE DEFESA - REQUERIMENTO DE PROVAS PELO AUTOR - AUSÊNCIA - JULGAMENTO ANTECIPADO - VEDAÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO - CERCEAMENTO AFASTADO - 2. RESPONSABILIDADE CIVIL DA RÉ PELO ACIDENTE - INDEMONSTRAÇÃO - INVASÃO DE PISTA CONTRÁRIA PELO AUTOR - CULPA EXCLUSIVA DO AUTOR - INDENIZAÇÃO PELA RÉ - AFASTAMENTO - RECURSO DESPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA.

1. Aquele que, em audiência preliminar, requer o julgamento antecipado da lide, não pode, posteriormente, arguir nulidade da sentença por cerceamento de defesa, sob pena de violação do princípio processual que veda o comportamento contraditório.

2. Age com culpa exclusiva, consubstanciada em imprudência, motociclista que invade contramão de direção e colide com automotor que trafegava em sentido contrário." (TJSC, Apelação Cível n. 2012.072352-1, de Lages, rel. Monteiro Rocha, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 22-11-2012). [grifou-se]

Assim, deve ser afastada a proemial.

2. Mérito:

A apelante não nega ter escriturado indevidamente créditos de ICMS referentes à aquisição de borracha e energia elétrica em sua conta gráfica -notificações fiscais ns. 126030341671 (apropriação indevida de ICMS em relação à aquisição de material e consumo) e 126030347017 (apropriação indevida de ICMS relativo à energia elétrica).

Todavia, alega que, mesmo antes de qualquer procedimento fiscalizatório, refez a escrituração contábil e encontrou saldo credor em seu favor na conta gráfica do tributo, não se configurando, portanto, a infração à legislação tributária que serviu de base para o lançamento.

Razão não lhe assiste.

É fato incontroverso nos autos que o creditamento efetivado pela contribuinte gerou aproveitamento de crédito relativo ao ICMS bastante superior àquele permitido pela legislação tributária.

No ponto, a mera alegação de reconstituição da conta gráfica não é suficiente para infirmar a responsabilidade.

Extrai-se dos autos que a fiscalização ocorreu no ano de 2012, relativamente a fatos geradores ocorridos entre os anos de 2009 e 2011, de modo que todos os benefícios decorrentes da apropriação indevida de créditos do imposto, presumivelmente, já haviam se implementado quando do estorno realizado pela contribuinte.

Por sua vez, o lançamento, enquanto ato...

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