Acórdão Nº 0004436-35.2016.8.24.0054 do Terceira Câmara Criminal, 18-02-2020

Número do processo0004436-35.2016.8.24.0054
Data18 Fevereiro 2020
Tribunal de OrigemRio do Sul
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0004436-35.2016.8.24.0054, de Rio do Sul

Relator: Desembargador Getúlio Corrêa

APELAÇÃO CRIMINAL - CRIME DE TRÂNSITO - E EMBRIAGUEZ NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (CTB, ART. 306, CAPUT) E DESACATO (CP, ART. 331) - SENTENÇA CONDENATÓRIA.

RECURSO DA DEFESA.

DELITO DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE - PLEITO ABSOLUTÓRIO - TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE PROVA DA ALTERAÇÃO OBJETIVA DA CAPACIDADE PSICOMOTORA DO APELANTE - DESCABIMENTO - REDUÇÃO DA APTIDÃO PARA DIRIGIR DEMONSTRADA PELO AUTO DE CONSTATAÇÃO E DEPOIMENTO TESTEMUNHAL DOS POLICIAIS MILITARES - CONDENAÇÃO MANTIDA.

Por se tratar de crime de perigo abstrato, é prescindível a prova de risco à incolumidade pública, pois a nova redação do art. 306 do CTB teve como objetivo flexibilizar os meios de prova pelos quais a embriaguez pode ser comprovada, e não restabelecer a necessidade de perigo concreto.

"Com o advento da Lei n. 12.760/2012, a alteração da capacidade psicomotora do agente poderá ser verificada mediante exame clínico, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de provas admitidos, observado o direito à contraprova" (STJ, Min. Nefi Cordeiro).

"Orienta-se a jurisprudência no sentido de que os depoimentos dos agentes policiais merecem credibilidade como elementos de convicção, máxime quando corroborados com outras provas produzidas nos autos, situação da espécie, constituindo-se, assim, elemento apto a respaldar as condenações" (STJ, Min. Nefi Cordeiro).

CRIME DE DESACATO - ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AFRONTA À CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS - NÃO OCORRÊNCIA - DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO QUE NÃO É ABSOLUTO - TESE RECHAÇADA.

O crime de desacato não fere o direito fundamental da liberdade de expressão, pois esta não se confunde com a afronta e falta de respeito direcionadas ao funcionário público no exercício da função ou em razão dela.

Assim, o art. 331 do CP é "norma que incorpora o preenchimento de todos os requisitos exigidos para que se admita a restrição ao direito de liberdade de expressão, tendo em vista que, além ser objeto de previsão legal com acepção precisa e clara, revela-se essencial, proporcional e idônea a resguardar a moral pública e, por conseguinte, a própria ordem pública" (STJ, Min. Antônio Saldanha Palheiro).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0004436-35.2016.8.24.0054, da comarca de Rio do Sul (Vara Criminal) em que é Apelante: Jardel Diogo Gieseler e Apelado: Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Terceira Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Excelentíssimos Senhores Desembargadores Júlio César M. Ferreira de Melo (Presidente) e Ernani Guetten de Almeida.

Funcionou como representante do Ministério Público a Excelentíssima Senhora Procuradora de Justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire.

Florianópolis, 18 de fevereiro de 2020.

Desembargador Getúlio Corrêa

Relator


RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra Jardel Diogo Gieseler (33 anos na data dos fatos) pela prática, em tese, dos delitos de condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool e desacato (CTB, art. 306, ''caput'', na forma do § 1º, II, e CP, art. 331), em razão dos fatos assim narrados:

"Fato 1:

No dia 21 de setembro de 2016, por volta das 0h30min, os policiais militares Hermenegildo Vicente Hoffmann e Adalberto Jorge França Silveira Júnior, estavam trabalhando quando, na via pública da rua Princesa Isabel, bairro Canoas, município de Rio do Sul/SC, avistaram um veículo transitando na contra mão. Realizada a abordagem, os policiais constataram que o denunciado Jardel Diogo Gieseler conduzia o veículo Toyota/Corola, placas DJG 8505 e apresentava sinais de embriaguez, razão pela qual foi convidado a realizar o teste do etilômetro, no que foi recusado, ocasião em que lhe foi dada voz de prisão e realizada sua condução à Central de Plantão Policial para a lavratura do procedimento pertinente à espécie.

Diante da negativa em submeter-se ao teste de alcoolemia, o denunciado foi submetido a exame de constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora perante o núcleo do Instituto Geral de Perícias de Rio do Sul, pelo qual foram comprovadas as seguintes alterações: a) estado eufórico; b) prova de contagem regressiva anormal; c) fácies ruborizadas; d) conjuntivas hiperemiadas; e) hálito alcoólico; f) retardo fotomotor direto retardado; g) frequência cardíaca acima de 121 batimentos por minuto, consoante laudo pericial das p. 48/49.

Cumpre mencionar, ainda, que no interior do veículo conduzido pelo denunciado Jardel foram localizadas diversas latas de cerveja, entre elas duas que estavam vazias e foram apreendidas, consoante se infere do auto de exibição e apreensão da p. 21, situação que reforça a confirmação do estado de embriaguez em que Jardel se encontrava na ocasião em que foi preso.

Fato 2:

Ato contínuo, também no dia 21 de setembro de 2016, na Delegacia de Polícia Civil, situada na rua Bulcão Viana, n. 292, bairro Jardim América, município de Rio do Sul, após constatada a embriaguez, o denunciado Jardel Diogo Gieseler desacatou os policiais militares Hermenegildo Vicente Hoffmann e Adalberto Jorge França Silveira Júnior os quais estavam no exercício da função, dizendo-lhes: "bastardo", "tu nasceu na zona", "vai comer a farda e cagar pedaços", "enfia todos esses papéis no cu" (sic) (p. 3 e 4)." (fls. 53-54).

Preso em flagrante (fl. 01), o auto foi homologado pela autoridade competente e concedeu-se liberdade provisória mediante o recolhimento de fiança (fl. 33).

Recebida a peça acusatória em 28.09.2016 (fl. 56), o denunciado foi citado e, por intermédio da Defensoria Pública, ofertou resposta escrita (fls. 83-87).

O réu não foi localizado para ser intimado para a audiência de instrução (mudou de endereço sem informar o Juízo), tendo sido decretada a sua revelia (fls. 111-112).

Após a instrução do feito, as partes apresentaram alegações finais orais, sobrevindo sentença, também oral, prolatada pelo Magistrado Claudio Marcio Areco Júnior, donde se extrai da parte dispositiva:

"Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a denúncia, para CONDENAR o acusado Jardel Diogo Gieseler, qualificado nos autos, ao cumprimento da pena de 01 (um) anos e 02 (dois) meses de detenção em regime inicial aberto, o pagamento de 11 (onze) dias-multa, cada qual em patamar mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, corrigido quando do efetivo pagamento e 02 (dois) meses de suspensão do direito de dirigir veículo automotor por infração à norma dos artigos 331 do Código Penal e 306 da Lei 9.503/97. CONCEDO ao acusado o direito de recorrer em liberdade." (fls. 111-112).

Irresignado, Jardel Diogo Gieseler interpôs recurso de apelação, sustentando: a) atipicidade da conduta por ausência de alteração na capacidade psicomotora; b) descriminalização do delito de desacato (fls. 121-129).

Houve contrarrazões (fls. 132-145) pela manutenção da sentença.

Em 16.12.2019 os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça, que, por parecer da Procuradora de Justiça Heloísa Crescenti Abdalla Freire, manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 162-168).

Os autos retornaram conclusos em 09.01.2020 (fl. 169).


VOTO

1. Presentes os pressupostos legais, o recurso é conhecido e desprovido.

2. O réu foi denunciado pela prática, em tese, dos crimes de embriaguez ao volante e desacato, assim tipificados no CTB e CP:

"Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com a concentração por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:

Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

§ 1º As condutas previstas no caput serão constatadas por:

II - sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora "

"Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa."

Condenado em primeira instância, Jardel Diogo Gieseler pleiteou a absolvição por atipicidade em relação ao crime de trânsito. Para tanto, sustentou que não estava com sua capacidade psicomotora alterada em razão de álcool ou de outra substância psicoativa as quais pudessem interferir no modo de dirigir.

Quanto ao art. 331 do CP, afirmou que "o desacato à autoridade não pode ser considerado crime", pois é dado a qualquer pessoa "o direito à liberdade de pensamento e expressão" (fl. 127).

Sem razão.

3. Delito do art. 306 do CTB:

A materialidade ficou evidenciada no boletim de ocorrência de fl. 16, auto de constatação de sinais de alteração da capacidade psicomotora de fl. 18, auto de exibição e apreensão de fl. 21, fotos de fls. 22-23 e laudo pericial de fls. 48-49.

Da mesma forma, a autoria do delito ficou demonstrada à saciedade nos autos.

O policial militar Hermenegildo Vicente Hoffmann reportou, na fase indiciária:

"[...] que na data de hoje estava de serviço quando abordou o veículo Toyota/Corola, placas JG 8505, que transitava contra mão na Rua Princesa Isabel, bairro Canoas em Rio do Sul; Que, o motorista apresentava sinais de embriaguez, tais como: fala

arrastada, hálito etílico, andar cambaleante, desorientação e humor irônico; Que, no interior do veículo havia diversas latas de cerveja, algumas vazias e outras ainda cheias, estas ficaram no interior do veículo que foi entregue aos familiares, e 02 (duas) latas vazias foram apresentadas...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT