Acórdão Nº 0004452-39.2008.8.24.0031 do Quinta Câmara de Direito Público, 14-06-2022

Número do processo0004452-39.2008.8.24.0031
Data14 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuinta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0004452-39.2008.8.24.0031/SC

RELATOR: Desembargador VILSON FONTANA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: AIRTON DOS SANTOS APELADO: HELOIZA FLORES LTDA

RELATÓRIO

Nos autos da ação civil pública n. 0004452-39.2008.8.24.0031 ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina contra Airton dos Santos e Heloiza Flores Ltda., o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Indaial prolatou sentença de procedência parcial, nos seguintes termos:

Do exposto, resolvo o mérito julgando parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na petição inicial (art. 487, I, do CPC), para que os réus promovam a regularização da obra perante o órgão público municipal, dentro do prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária fixada em R$ 500,00 até o limite de R$ 200.000,00, sendo que, se isto for impossível, de acordo com os critérios legais e urbanísticos manifestados pelo órgão público municipal, dentro do posterior prazo de 30 (trinta) dias, os acionados deverão desfazê-la, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de incidirem na astreinte antes mencionada, cabendo referir que a especificidade de a edificação estar localizada às margens do ribeirão não gera impedimento na espécie, nos termos da fundamentação.

Esta decisão revoga parcialmente a liminar antes deferida, somente no ponto em que determinava a realização imediata da PRAD.

Condeno a parte vencida (Airton dos Santos e Heloíza Flores Ltda ME) ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.

Está igualmente obrigada a indenizar as despesas adiantadas no curso do processo pela Fazenda Pública, conforme art. 82, § 2º, do CPC.

Não são devidos honorários advocatícios aos membros do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia Pública, haja vista que atuam em missão constitucional e são remunerados exclusivamente por subsídio, fixado de acordo com os critérios constitucionais, sendo vedado que recebam verba adicional de origem privada para cumprimento de suas funções, consoante arts. 37, 39, § 1º, I a III, e § 4º, 128, § 5º, II, 'a', 131, 134 e 135 da CRFB. De outro lado, tal importe não pode ser absorvido pelo ente público respectivo, porquanto se trata de parcela destinada apenas à subsistência de advogado particular, não remunerado pelos cofres públicos para tal atividade (cf. SCHULZE, Clenio Jair. ZANON JR, Orlando Luiz. Apontamentos sobre honorários advocatícios. In REDP. V. 16. Julho a dezembro de 2015, pp. 416-435, disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/index).

Deixo igualmente de fixar honorários advocatícios em favor do(s) patrono(s) do(s) litigante(s) Airton dos Santos e Heloíza Flores Ltda ME, apesar da sucumbência meramente parcial, porquanto ausente demonstração de má-fé, consoante arts. 17 e 18 da Lei 7.347/1985.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se.

Inconformado, o autor apelou alegando que a poluição e a canalização parcial do córrego não afastam a necessidade de proteção ambiental e que a inexistência de vegetação no imóvel dos réus também não descaracteriza a faixa marginal do curso d'água como área de preservação permanente.

Sustentou que a obrigação de reparar o dano ambiental tem natureza propter rem e que as responsabilidades civil e criminal são independentes, sendo irrelevante que a ação penal tenha desclassificado o delito, mesmo porque lá se reconheceu a intervenção dos réus em área de preservação permanente e as dificuldades criadas para a regeneração da mata ciliar.

Disse ainda que a construção está a menos de 15 metros do curso d'água e que nesse caso nem a lei nem a jurisprudência admitem a regularização do empreendimento e a relativização da área de preservação permanente.

Requereu a reforma da sentença e a procedência integral do pedido para que os réus sejam condenados a desfazer a edificação e recuperar a área degradada.

Foram apresentadas contrarrazões.

A Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

Intimadas, as duas partes se manifestaram sobre a aplicação do Tema 1.010 do STJ.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No Tema 1.010 do STJ ficou definido que, mesmo nas áreas de ocupação urbana consolidada, a distância mínima entre as construções e os cursos d'água deve se pautar pelas regras mais protetivas do Código Florestal:

Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d'água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.

O entendimento menciona apenas a legislação atual, mas a leitura integral do voto condutor do Min. Benedito Gonçalves permite concluir que o mesmo raciocínio vale também para a Lei n. 4.771/65, vigente na época do ajuizamento da demanda:

[...]

A controvérsia diz respeito a qual norma deve ser aplicável para fins de definir a extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea "a", da revogada Lei n. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.

[...]

A partir do Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771/1965), tem-se, então, a disciplina da preservação permanente das florestas e demais formas de vegetação naturais, conforme localização, com o estabelecimento de faixas mínimas de vegetação às margens dos cursos d'água. Confiram-se, nas redações originais, os arts. 2º e 3º:

Art. 2º Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

a) ao longo dos rios ou de outro qualquer curso d'água, em faixa marginal cuja largura mínima será: 1- de 5 (cinco) metros para os rios de menos de 10 (dez ) metros de largura: 2- igual à metade da largura dos cursos que meçam de 10 (dez) a 200 (duzentos) metros de distância entre as margens; 3- de 100 (cem) metros para todos os cursos cuja largura seja superior a 200 (duzentos) metros.

b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d'água naturais ou artificiais;

c) nas nascentes, mesmo nos chamados "olhos d'água", seja qual for a sua situação topográfica;

d) no topo de morros, montes, montanhas e serras;

e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive;

f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

g) nas bordas dos taboleiros ou chapadas;

h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, nos campos naturais ou artificiais, as florestas nativas e as vegetações campestres.

[...]

Um novo desenho das faixas marginais ao longo dos rios ou cursos d'água foi feito com a edição da Lei n. 7.511/1986, que alterou o antigo Código Florestal. O art. 2º passou então a ter a seguinte redação:

Art. 2º Consideram-se de preservação...

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