Acórdão nº 0004480-84.2016.8.11.0064 Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, Terceira Câmara Criminal, 26-05-2021

Data de Julgamento26 Maio 2021
Case OutcomeProvimento em Parte
Classe processualCriminal - APELAÇÃO CRIMINAL - CÂMARAS ISOLADAS CRIMINAIS
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Número do processo0004480-84.2016.8.11.0064
AssuntoHomicídio Simples

ESTADO DE MATO GROSSO

PODER JUDICIÁRIO


TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL


Número Único: 0004480-84.2016.8.11.0064
Classe: APELAÇÃO CRIMINAL (417)
Assunto: [Homicídio Simples, Crimes de Trânsito, Perigo resultante de violação de regra de trânsito]
Relator: Des(a).
GILBERTO GIRALDELLI


Turma Julgadora: [DES(A). GILBERTO GIRALDELLI, DES(A). JUVENAL PEREIRA DA SILVA, DES(A). RONDON BASSIL DOWER FILHO]

Parte(s):
[MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO - CNPJ: 14.921.092/0001-57 (APELANTE), SERGIO FERREIRA DA COSTA - CPF: 001.225.041-43 (VÍTIMA), RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES - CPF: 016.133.581-05 (APELADO), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (APELANTE), MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO (CUSTOS LEGIS)]

A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência Des(a).
JUVENAL PEREIRA DA SILVA, por meio da Turma Julgadora, proferiu a seguinte decisão: POR UNANIMIDADE, PROVEU PARCIALMENTE O RECURSO.

E M E N T A

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR MAJORADO PELA AUSÊNCIA DE PERMISSÃO PARA DIRIGIR OU CARTEIRA DE HABILITAÇÃO – ARTIGO 302, § 1.º, INCISO I, DO CTB – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PRETENDIDA A CONDENAÇÃO – ATO IMPRUDENTE NÃO COMPROVADO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO CABAL DA VIOLAÇÃO DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO PELO ACUSADO – INSUFICIÊNCIA DE PROVAS QUANTO À PRESENÇA DOS ELEMENTOS ESPECIAIS DO TIPO PENAL CULPOSO – DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ARTIGO 309 DO CTB – REMESSA AO JUÍZO COMPETENTE – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Para a prolação de um decreto condenatório, faz-se necessário que haja um juízo de certeza por parte do julgador quanto à responsabilidade pelo cometimento da infração penal. Trata-se da regra probatória decorrente da aplicação do princípio constitucional da presunção de inocência, por força do qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado para além de qualquer dúvida razoável.

2.1. Na hipótese, verifica-se que, dada a fragilidade dos elementos probatórios reunidos, especialmente diante da ausência do laudo pericial resultante do exame de local de crime, a situação retratada nos autos não permite a segura conclusão de que o apelado foi imprudente na condução do veículo automotor, violando dever objetivo de cuidado e, dessa forma, dando causa ao resultado danoso.

2.2. Não restou demonstrado que o recorrido deixou de agir com a cautela imprescindível àquele que conduz veículo automotor ao atravessar o cruzamento com sua motocicleta e ser atingido pela motocicleta da vítima, que trafegava pela via preferencial. Em verdade, afigura-se bastante nebulosa a responsabilidade pela ocorrência do evento danoso, havendo indícios da existência de culpa exclusiva ou concorrente da vítima.

3. Constatadas as elementares típicas do delito do artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro, haja vista a narrativa da denúncia e as provas recolhidas, a demonstrarem que o acusado conduzia motocicleta em via pública sem permissão para dirigir ou carteira de habilitação, gerando perigo de dano.

4. Promovida a emendatio libelli para desclassificar a conduta e determinar a remessa ao Juizado Especial Criminal, com fundamento no artigo 383, caput e § 2.º, do Código de Processo Penal.

5. Recurso de apelação criminal da acusação conhecido e parcialmente provido para desclassificar a conduta imputada na denúncia e determinar a remessa ao juízo aparentemente competente.

R E L A T Ó R I O

APELANTE:

MINISTÉRIO PÚBLICO

APELADO:

RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES

R E L A T Ó R I O

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI

Egrégia Câmara:

Trata-se de recurso de apelação criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra a sentença prolatada nos autos da Ação Penal n.º 0004480-84.2016.8.11.0064 – Código 643162, na qual o Juízo da Segunda Vara Criminal da Comarca de Rondonópolis/MT, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal, julgou improcedente a denúncia e absolveu RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES da imputação da prática do delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor majorado por não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação, tipificado no artigo 302, § 1º, inciso I, do Código de Transito Brasileiro.

Inconformado, o Parquet, por meio das razões recursais constantes no ID 67054041, objetiva a reforma do decisum e subsequente condenação do réu pelo cometimento do ilícito descrito na inicial acusatória, asseverando que as provas coligidas nos autos evidenciam que ele violou dever objetivo de cuidado e, agindo com imprudência, deu causa à morte da vítima, razão pela qual deve ser responsabilizado pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor majorado.

Nas contrarrazões, encontradas no ID 74279953, o apelado RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES, assistido pela Defensoria Pública Estadual, rechaça os argumentos da acusação e solicita o desprovimento do apelo.

Instada a se manifestar, no parecer de ID 75720964 a Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo conhecimento e provimento do recurso.

É o relatório.

Encaminhem-se os autos à douta Revisão.

V O T O R E L A T O R

V O T O (MÉRITO)

EXMO. SR. DES. GILBERTO GIRALDELLI (RELATOR)

Egrégia Câmara:

Ab initio, reconheço que o recurso é tempestivo, foi interposto por quem tinha capacidade, interesse e legitimidade para fazê-lo, afigurando-se a medida adequada e necessária para se atingir o fim almejado, motivos pelos quais CONHEÇO do apelo manejado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, pois presentes os seus requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Narra a peça acusatória que no dia 31 de março de 2016, por volta das 18h, no cruzamento da Rua Osmindo P. de Amorim com a Rua Filinto Müller, Bairro Jardim Marajó, em Rondonópolis-MT, o ora apelado RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES praticou homicídio culposo na condução da motocicleta Honda Fan, de cor vermelha, placas QBO-8661, tendo dado causa à morte da vítima Sérgio Ferreira da Silva.

Segundo descreve a denúncia, o réu transitava pela Rua Osmindo P. de Amorim na condução da motocicleta descrita acima, ocasião em que, ao se aproximar do cruzamento com a Rua Filinto Müller, por ato de imprudência, invadiu a preferencial da via e interceptou a motocicleta conduzida pela vítima, sendo que, com o impacto da colisão, ambos caíram no chão.

Na sequência, o Serviço Médico de Urgência (SAMU) foi acionado e todos os condutores foram socorridos, entretanto a vítima Sérgio Ferreira da Silva morreu dias depois devido a um trauma cranioencefálico em razão do acidente.

Descreve-se, ainda, que o acusado não possui Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para dirigir qualquer tipo de veículo, razão por que foi denunciado pela prática do delito capitulado no artigo 302, § 1.º, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro (homicídio culposo na direção de veículo automotor majorado por não possuir permissão para dirigir ou carteira de habilitação).

Regularmente processada a ação penal, o juízo de primeiro grau compreendeu que o fato narrado na peça acusatória não constitui infração penal e RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES restou absolvido com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

Em face da sentença absolutória, exsurge a acusação inconformada perante esta Corte de Justiça, objetivando a reforma do decisum.

I. Pedido de condenação pelo delito do artigo 302, § 1.º, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro:

O Ministério Público objetiva a condenação do réu pelo cometimento do ilícito descrito na inicial acusatória, asseverando que as provas coligidas nos autos evidenciam que ele violou dever objetivo de cuidado e, agindo com imprudência, deu causa à morte da vítima, razão pela qual deve ser responsabilizado pelo crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor majorado.

A respeito da matéria em debate, cumpre anotar que a caracterização dos delitos culposos, para além dos elementos inerentes à tipicidade – conduta, nexo de causalidade, resultado e adequação típica –, reclama, ainda, a presença de dois elementos especiais, a saber, a violação de um dever objetivo de cuidado e a previsibilidade (objetiva e subjetiva) do resultado danoso.

Consoante os clássicos ensinamentos de Heleno Cláudio Fragoso, no caso de conduta culposa:

o agente causa o resultado porque atuou sem observar as normas de atenção, cuidado ou diligência impostas pela vida de relação, tendo-se em vista as circunstâncias do fato concreto. Tais normas são fixadas de modo objetivo e geral, ou seja, segundo os padrões médios gerais vigentes no meio social, constituindo o cuidado objetivo exigível. A ação que desatenta ao cuidado e à atenção adequados, nas circunstâncias em que o fato ocorreu, provocando o resultado, é típica. (FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. São Paulo: Bushatsky, 1976, p. 238-239).

Inicialmente, verifica-se que a materialidade do fato ressai evidente da análise do boletim de ocorrência (ID 67054004 – Págs. 03/06), do Laudo de Necropsia da vítima Sérgio Ferreira Costa (ID 67054004 – Págs. 03/06), da certidão de óbito (ID 67054005 – Pág. 06), do Relatório de Investigação n.º 07/2017 (ID 67054007 – Págs. 10/13), bem como dos depoimentos colhidos com a evolução da persecução penal.

O acusado RODRIGO TEIXEIRA FERNANDES, interrogado em juízo (arquivo audiovisual contido no Relatório de Mídias de ID 67054044 – Pág. 02), confirmou o teor do interrogatório prestado à autoridade policial (ID 67054006 – Págs. 01/03).

Em síntese, assinalou que havia completado 18 (dezoito) anos havia poucos dias e não tinha habilitação, pois ainda estava dando entrada no processo junto ao DETRAN e não havia feito nenhuma aula na autoescola.

Explicou que tinha ido ao aniversário de um colega e estava voltando para ajudar sua mãe nos afazeres da padaria quando o acidente aconteceu. Na ocasião, trafegava consigo na garupa sua irmã, então menor de...

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