Acórdão Nº 0004562-31.2019.8.24.0038 do Quarta Câmara Criminal, 05-11-2020

Número do processo0004562-31.2019.8.24.0038
Data05 Novembro 2020
Tribunal de OrigemJoinville
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0004562-31.2019.8.24.0038, de Joinville

Relator: Desembargador Zanini Fornerolli

APELAÇÕES CRIMINAIS – TRÁFICO DE ENTORPECENTES (ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06), RECEPTAÇÃO (ART. 180, CAPUT, DO CP, POR DUAS VEZES), ADULTERAÇÃO DE SINAL DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 311 DO CP), POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO (ART. 12 DA LEI Nº 10.826/03) E POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO (ART. 16, CAPUT, DA LEI 10.826/03) – SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DAS PARTES.

RECURSO DA DEFESA.

AVENTADA NULIDADE DO FEITO POR PROVAS CONTAMINADAS PORQUANTO OBTIDAS A PARTIR DA INVASÃO DO DOMICILIAR – SUPOSTA NÃO OBSERVÂNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DISPOSTA NO ART. 5.º, XI – NÃO OCORRÊNCIA – SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA QUE DISPENSA AUTORIZAÇÃO – POLICIAIS QUE INVESTIGAVAM A PRÁTICA DE CRIME PERMANENTE.

A constatação de indícios da prática do crime de receptação na modalidade ocultar, delito considerado de efeito permanente, autoriza a incursão policial em domicílio, sem a necessidade de mandado específico, sendo irrelevante a autorização para ingresso na residência.

DOSIMETRIA – PRIMEIRA FASE – CONSEQUÊNCIAS DO CRIME – VETOR QUE NÃO INFLUENCIOU NA DOSIMETRIA DA PENA – INEXISTÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL – TEMÁTICA NÃO CONHECIDA – VETOR CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME – EXASPERAÇÃO DEVIDA – APLICAÇÃO DO CONTIDO NO ART. 42 DA LEI DE DROGAS.

I – Tendo sido adotada na sentença a premissa levantada no recurso, evidente é a ausência de interesse recursal.

II – A Lei n. 11.343/06 prevê que, no momento da fixação das penas dos crimes nela previstos, deve o magistrado considerar, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do CP, a natureza e a quantidade dos entorpecentes, bem como a personalidade e a conduta social do agente.

APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS CRIMES DE RECEPTAÇÃO E DE POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO – IMPOSSIBILIDADE – DELITOS CONSUMADOS EM MOMENTOS DISTINTOS E COM DESÍGNIOS AUTÔNOMOS – CONCURSO MATERIAL DEVIDO.

Impede o reconhecimento do princípio da consunção a demonstração nos autos de que as condutas se voltaram a uma vontade determinada distinta (desígnios autônomos) e não foram meio para um mesmo crime.

DETRAÇÃO – NÃO CONHECIMENTO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE EXECUÇÃO (LEP, ART. 66, III, C) – ADEMAIS, PRESENÇA DA REINCIDÊNCIA E CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL QUE IMPEDEM A FIXAÇÃO DE REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA DIVERSO.

Verificado que o pedido relativo à detração visa única e exclusivamente a progressão de regime, compete ao juízo da execução penal a sua apreciação (LEP, art. 66, III, c).

QUESTÃO DE ORDEM – RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA NARRADA NA EXORDIAL ACUSATÓRIA – PROVIDÊNCIA DE OFÍCIO – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 383 E 617 DO CPP – NOVA REGULAMENTAÇÃO DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO – DECRETO N. 9.847/2019 – MUNIÇÕES E CARREGADOR ENCONTRADOS COM O ACUSADO QUE PASSARAM A SER DE USO PERMITIDO – RETROATIVIDADE BENÉFICA POR FORÇA CONSTITUCIONAL (ART. 5º, XL) E LEGAL (CP, ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO).

I – Os crimes trazidos no Estatuto do Desarmamento resultam de lei penal em branco, sendo os respectivos preceitos primários (conduta criminosa) complementados por ato do Chefe do Poder Executivo Federal (Lei n. 10.826/03, art. 23). No caso, é a regulamentação presidencial, não o Estatuto, que define e classifica diferentes armas de fogo e demais produtos controlados; mais precisamente, portanto, é o regulamento do Presidente da República o responsável por enquadrar os artefatos bélicos nas diferentes espécies de uso (permitido, restrito e proibido).

II – Com a constatação de que o regulamento atual, menos rigoroso em relação ao uso de determinados armamentos, é aproveitado pelo acusado, tem-se a sua retroatividade por força constitucional (art. 5º, XL) e legal (CP, art. 2º, parágrafo único). Assim, mantida inalterada a imputação fática constante da incoativa, cabe a reclassificação jurídica, de ofício, da conduta do acusado (CPP, art. 383 c/c art. 617), a fim de que a condenação ocorra apenas pelo crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03, já que os artefatos bélicos foram encontrados em sua residência.

RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

ALMEJADA CONDENAÇÃO DA ACUSADA – ALEGADA SUFICIÊNCIA DE PROVAS ACERCA DA AUTORIA DELITIVA – INSUBSISTÊNCIA – AUSÊNCIA DE ELEMENTOS FIRMES QUE DEMONSTREM SUA EFETIVA PARTICIPAÇÃO – RELACIONAMENTO CONJUGAL JÁ FINDADO QUANDO DO FLAGRANTE, QUE NÃO IMPORTA, ADEMAIS, EM AUTOMÁTICA COLABORAÇÃO DA ACUSADA NA EMPREITADA CRIMINOSA – CORRÉU CONFESSO E QUE AFIRMA A IGNORÂNCIA DESTA – AUTORIA DUVIDOSA – NECESSÁRIA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO – ABSOLVIÇÃO QUE DEVE SER MANTIDA.

A acusação terá que ficar provada pelo exercício de quaisquer dos instrumentos processuais admitidos pelo direito, contudo, de outro giro, os argumentos de defesa nem sempre, pois basta que remanesça a dúvida para que o resultado do processo conduza à absolvição.

PLEITO DE DECRETAÇÃO DE PERDIMENTO DA MOTOCICLETA APREENDIDA – INVIABILIDADE – UTILIZAÇÃO NA PRÁTICA DO NARCOTRÁFICO NÃO DEMONSTRADA – LEGITIMA PROPRIETÁRIA DO BEM ABSOLVIDA DAS IMPUTAÇÕES.

Inexistindo qualquer prova no sentido de que o bem apreendido foi adquirido com proventos do tráfico ou empregado para desenvolver o comércio espúrio, não há óbice para sua devolução.

MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA – INSURGÊNCIA ACERCA DA FRAÇÃO UTILIZADA NA EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE – PRECEITO QUE NÃO É MATEMÁTICO NEM ABSOLUTO – EXISTÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO A JUSTIFICAR O EMPREGO DE FRAÇÃO SUPERIOR A 1/6 – EXASPERAÇÃO MANTIDA.

I – Sobretudo em respeito ao princípio da individualização da pena, nada obsta que o julgador, ao aplicar a pena do condenado, fixe fração superior àquela usualmente aplicada pela jurisprudência pátria - 1/6 (um sexto) para cada circunstância judicial negativa -, desde que o faça de maneira fundamentada, sendo vedada apenas a adoção de argumentos genéricos.

II – A maior exasperação da pena daqueles que traficam substâncias mais nocivas e/ou em maiores quantidades é inerente ao princípio da individualização da pena, na medida em que se trata de uma maior ameaça/lesão ao bem jurídico tutelado, exigindo, por óbvio, uma maior reprovabilidade.

RECURSO DO ACUSADO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO – RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDO E DESPROVIDO - RECLASSIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO CRIME DISCIPLINADO NO ART. 16, CAPUT, DA LEI N. 10.826/03.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0004562-31.2019.8.24.0038, da comarca de Joinville 1ª Vara Criminal em que é/são Apte/Apdo(s) Ministério Público do Estado de Santa Catarina e Apelado(s) Vitor de Melo Toledo e outro.

A Quarta Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer em parte e negar provimento ao recurso do acusado e conhecer e negar provimento ao recurso do Ministério Público, afastando-se, de ofício, a condenação pelo crime previsto no art. 16, caput, da Lei n. 10.826/03, em razão da superveniente regulamentação do Estatuto do Desarmamento pelo Decreto n. 9.847/2019. Dado o reconhecimento agora feito, a pena final imposta ao acusado fica estabelecida em 12 (doze) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 665 (seiscentos e sessenta e cinco) dias-multa, por infração art. 33, caput, da Lei 11.343/06; arts. 311 e 180, caput (duas vezes), do Código Penal; e art. 12 da Lei 10.826/03, na forma do art. 69 do Código Penal. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Alexandre D'Ivanenko, presidente com voto, e o Exmo. Des. José Everaldo Silva.

Florianópolis, 5 de novembro de 2020.



Desembargador ZANINI FORNEROLLI

Relator


RELATÓRIO

Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, através da 9ª Promotoria de Justiça da Comarca de Joinville, e por Vítor de Melo Toledo, desempregado, nascido em 26.05.1997, por meio de seu procurador constituído, contra sentença proferida pela Juíza de Direito Regina Aparecida Soares Ferreira, atuante na 1ª Vara Criminal da Comarca de Joinville/SC, que, ao acolher parcialmente as imputações descritas na denúncia, absolveu a ré Thaylaine Thayse Lima Lourenço, secretária, nascida em 02.04.1996, e condenou Vítor ao cumprimento da pena de 15 anos e 3 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 675 dias-multa, fixados em 1/30 do salário mínimo, por infração ao art. 33, caput, da Lei 11.343/06; arts. 311 e 180, caput (duas vezes), do Código Penal; e arts. 12 e 16 da Lei 10.826/03, na forma dos arts. 69 e 70 do Código Penal.

Em suas razões recursais, o Órgão Ministerial pugna pela condenação da ré Thaylaine Thayse Lima Lourenço pelo delito de tráfico de drogas, sob o argumento de que sua participação foi demonstrada de maneira satisfatória. Ainda, requer a decretação de perdimento da motocicleta Honda/XR 250 Tornado, placa MFR0250 (fls. 370-379).

Por sua vez, o acusado Vítor de Melo Toledo defende a nulidade do feito, porquanto as provas foram obtidas mediante invasão de domicilio pelos policiais. Na dosimetria, requer a fixação da pena-base do delito de tráfico de drogas no mínimo legal. Almeja, também, a aplicação do princípio da consunção, para que o crime de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito absorva o delito de receptação do respectivo artefato. Por fim, requer a aplicação da detração penal para fixar novo regime de pena (fls. 426-439).

Em contrarrazões, o Ministério Público pugna pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso de Vítor (fls. 443-453).

A defesa,...

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