Acórdão Nº 0004662-82.2010.8.24.0011 do Sétima Câmara de Direito Civil, 03-12-2020

Número do processo0004662-82.2010.8.24.0011
Data03 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemBrusque
ÓrgãoSétima Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação Cível
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Cível n. 0004662-82.2010.8.24.0011

Relator: Desembargador Carlos Roberto da Silva

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS MÉDICO-HOSPITALARES. SENTENÇA QUE REJEITOU OS EMBARGOS MONITÓRIOS E JULGOU PROCEDENTE O PLEITO INAUGURAL.

INSURGÊNCIA DOS RÉUS.

PRETENDIDA INVALIDADE DA COBRANÇA DOS SERVIÇOS SOB ALEGAÇÃO DE ESTADO DE PERIGO. REJEIÇÃO. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS APTOS A COMPROVAR A ONEROSIDADE EXCESSIVA DA CONTRAPRESTAÇÃO E O DOLO DE APROVEITAMENTO DO HOSPITAL CREDOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 156 DO CÓDIGO CIVIL. CONTRATAÇÃO EM MOMENTO DE PERIGO IMINENTE À SAÚDE QUE, POR SI SÓ, NÃO VICIA O CONSENTIMENTO EM RELAÇÃO AOS TERMOS DO CONTRATO ADERIDO. ABUSIVIDADE DOS VALORES COBRADOS NÃO DEMONSTRADA. ÔNUS QUE INCUMBIA AOS EMBARGANTES (ART. 333, II, DO CPC/1973). SENTENÇA MANTIDA.

"A assinatura de contrato em momento de grave estado de saúde de familiar não constitui, por si só, o estado de perigo caracterizador de vício de vontade. Inexistente qualquer indicativo de onerosidade excessiva ou provas para fundamentar a ocorrência do vício de consentimento, permanece hígida a avença firmada, com a imposição dos adimplementos respectivos" (TJSC, Apelação Cível n. 0309234-25.2017.8.24.0023, da Capital, rel. Luiz Cézar Medeiros, Quinta Câmara de Direito Civil, j. 4-2-2020).

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0004662-82.2010.8.24.0011, da comarca de Brusque (Vara Comercial) em que são Apelantes Sérgio Luiz Eccel e Lígia Maria Wagner Eccel e Apelada Associação Hospitalar e Maternidade Cônsul Carlos Renaux.

A Sétima Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. Exmo. Des. Álvaro Luiz Pereira de Andrade, presidente com voto, e o Exmo. Des. Osmar Nunes Júnior.

Presidiu a sessão a Exma. Desa. Haidée Denise Grin.

Florianópolis, 3 de dezembro de 2020.


Carlos Roberto da Silva

RELATOR






RELATÓRIO

Sérgio Luiz Eccel e Lígia Maria Wagner Eccel interpuseram recurso de apelação contra sentença (fls. 269-275) que, nos autos da ação monitória ajuizada por Associação Hospitalar e Maternidade Cônsul Carlos Renaux, rejeitou os embargos monitórios opostos pelos apelantes e julgou procedente o pedido inicial.

Para melhor elucidação da matéria debatida nos autos, adota-se o relatório da sentença recorrida:

Trata-se de monitória através da qual a Associação Hospitalar e Maternidade Cônsul Carlos Renaux busca cobrar de Sérgio Luiz Eccel e Lígia Maria Wagner Eccel, está na condição de devedora solidária, os serviços médico-hospitalares prestados em favor do primeiro demandado.

A inicial veio instruída com o contrato de internação hospitalar, firmado pela requerida Ligia (fls. 27/28), pelos extratos da conta paciente (fls. 31/5) e pela nota fiscal de fls. 30.

À parte autora restou concedido benefício da justiça gratuita (fls. 59).

Citada, a parte requerida opôs embargos. Aduz, em síntese, que não havia vaga para internação do demandado Sérgio nos hospitais da rede pública, pelo SUS, razão pela qual não poderia a autora cobrar por serviços prestados em casos de urgência e emergência. Assim, o contrato de prestação de serviços é nulo porquanto firmado em estado de perigo. Por fim, questiona parte dos valores cobrados, notadamente os honorários médicos.

Houve impugnação ao embargos.

A audiência de conciliação restou infrutífera (fls. 254)

Da parte dispositiva do decisum, extrai-se a síntese do julgamento de primeiro grau:

Assim sendo, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido nos embargos, extinguindo-os com julgamento de mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, constituindo de pleno direito o crédito cobrado no valor original de R$ 23.701,58, sobre o qual incidirá correção monetária deste a data do vencimento e juros moratórios de 01% ao mês a partir da citação.

Condeno a parte embargante ao pagamento das custas e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00 ( Dois mil reais ), nos termos do artigo 20, § 4 o , do Código de Processo Civil, considerando, principalmente, o trabalho despendido pelo patrono da parte adversa. A cobrança, contudo, resta suspensa, pois concedo-lhe o benefício da justiça gratuita (grifo nosso).

Em suas razões recursais (fls. 279-304) os réus asseveram que "apesar da possibilidade de empreendimento privado na área da saúde, as instituições particulares de promoção, proteção e recuperação da integridade física e psíquica humanas igualmente devem prestar atendimento universal aos cidadãos no caso de urgência, tal qual os estabelecimentos pertencentes ao Sistema Único de Saúde, independentemente de pagamento" (fls. 282-283).

Aduzem que "o hospital, investido na sua supremacia, aproveitou-se da situação de urgência da família e do quadro de clínico agudo do recorrente para conseguir o intento, coagindo a recorrente a assinar o documento de fls. 27/28" (fl. 287).

Alegam que a esposa do paciente "estava sob o arbítrio do hospital que, sob ameaças de não atendimento ao seu marido, não vendo alternativa, a não ser sujeitar-se, assinou o contrato de fls. 27/28 que, assinado sob coação, em circunstância totalmente viciada, tornando o mesmo plenamente nulo" (fl. 287).

Sustentam que "no momento da internação a recorrente encontrava-se extremamente agitada e nervosa, sem saber a quem recorrer e o que fazer, tendo assinado o documento de fls. 27/28 sem ter noção doo que se tratava, e sem sequer ter sido informada dos custos que estava sendo obrigada a arcar" (fl. 290).

Impugnaram, ainda, os valores cobrados a título de honorários médicos, materiais e medicamentos, sob a alegação de serem abusivos e desproporcionais ao preço usualmente praticado no mercado.

Defenderam, também, a aplicação da lista de procedimentos médicos outorgada pela Associação Médica Brasileira e pelo Conselho Federal de Medicina, como referência para a cobrança dos honorários médicos.

Sob tais fundamentos, postulam a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido inicial, declarando nulo o contrato de prestação de serviços médico-hospitalares.

Com as contrarrazões (fls. 309-315), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que rejeitou os embargos monitórios opostos pelos apelantes e acolheu o pleito formulado na inicial da ação monitória ajuizada pelo estabelecimento hospitalar apelado.

Porque presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se da apelação interposta.

De início, destaca-se que a decisão recorrida foi publicada quando ainda vigente o Código de Processo Civil de 1973 (21-9-2015- fl. 276), motivo pelo qual a referida norma norteará a presente decisão, por incidência do princípio tempus regit actum (teoria do isolamento dos atos processuais), nos moldes do art. 1.046 do novo Código de Ritos.

Tem-se como fato incontroverso, porque reconhecido expressamente pelas partes, que a primeira demandada/recorrente firmou, em 17-5-2010, contrato de prestação de serviços médico-hospitalares, em decorrência da internação e tratamento médico a que foi submetido o seu esposo, ora também apelante, no nosocômio apelado (fls. 27-28).

A controvérsia, portanto, cinge-se em averiguar a (in)ocorrência de estado de perigo no momento da assinatura do contrato, bem como a (in)existência de abusividade dos valores cobrados pelo serviço.

Sobre tais pontos, então, debruçar-se-á a presente decisão.

Adianta-se, desde já, que o apelo não comporta acolhimento.

Os insurgentes defendem que houve vício de consentimento ao firmarem o contrato de prestação de serviços médico-hospitalares após não terem conseguido vaga em hospital da rede pública. Nesse contexto, afirma a segunda ré que devido ao grave quadro de saúde de seu marido, ora primeiro demandado, obrigou-se a aceitar os termos propostos pela autora, assumindo encargo excessivamente oneroso.

Contudo, razão não lhes assiste.

Como sabido, o Código Civil, em seu Capítulo IV, do Livro III, possibilita a anulação dos atos jurídicos, denominando isto como "defeitos do negócio jurídico", conforme expõe em seu art. 171, II, in verbis:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

[...]

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Considerando, como é sabido, que a declaração de vontade é requisito essencial à existência do negócio jurídico, tem-se que quando a vontade se revela discrepante em relação à declaração, ocorre o que se denomina como vício de consentimento, conforme extrai-se da doutrina:

A manifestação de vontade é um dos requisitos essenciais da existência do negócio jurídico. Para que este tenha validade e possa produzir efeitos jurídicos é necessário que a vontade seja manifestada de forma livre e consciente. No entanto, é possível que ocorra algum defeito jurídico na declaração de vontade, por deficiência de esclarecimento ou de liberdade, o que dará azo a anulação do negócio jurídico.

O fundamento da teoria dos defeitos do negócio jurídico é a ruptura do equilíbrio de seus elementos essenciais. É o desequilíbrio na atuação da vontade relativamente à sua própria declaração (vícios de consentimento) ou às exigências da ordem legal (vício social).

[...]

O erro, dolo, estado de perigo e lesão são chamados de vícios de consentimento, já que existe uma influência externa sobre a vontade manifestada, o que...

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