Acórdão Nº 0004825-63.2019.8.24.0038 do Terceira Câmara Criminal, 20-07-2021

Número do processo0004825-63.2019.8.24.0038
Data20 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0004825-63.2019.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


APELANTE: GABRIELA SCHMOLLER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


O representante do Ministério Público, com atribuição para atuar perante a 2º Vara Criminal da Comarca de Joinville, ofereceu denúncia em desfavor de Gabriela Schmoller pela prática do delito previsto no art. 339, caput, do Código Penal, em razão dos seguintes fatos narrados na exordial acusatória, in verbis (evento 18):
No dia 05/07/2017, a denunciada Gabriela Schmoller compareceu na Delegacia de Proteção a Criança, Adolescente, Mulher e Idoso de Joinville, e registrou o boletim de ocorrência n. 00088-2017-0008535, no qual noticiou que fora vítima do crime de estupro, cometido pelo motorista de um táxi que pegou em frente ao Shopping Muller, no dia 03/07/2017, em direção ao Hospital São José, nesta Cidade.
Narrou a denunciada que, durante aquele trajeto, o indicado motorista passou da entrada do Hospital, onde deveria deixá-la, e foi para uma rua lateral, onde então passou para o banco de trás do veículo, onde estava sentada, e ali a estuprou mediante conjunção carnal e outro ato libidinoso consistente em penetração anal. Depois do ato, o motorista teria retornado àquele hospital, ali deixando-a, normalmente.
Tal notícia deu causa à instauração de investigação policial mediante o inquérito policial n. 88-17-00481, junto à autoridade policial responsável por aquela delegacia de polícia, no bojo do qual, a denunciada, plenamente ciente da ilicitude de sua conduta e com vontade dirigida à prática do crime, imputou a autoria dos fatos a João Ribeiro, motorista daquele taxi, mesmo sabendo que ele era inocente, porque nenhuma violência sexual fora cometida durante aquela "corrida", na qual João Ribeiro de fato transportou a ora denunciada, deixando-a em frente aquele hospital, conforme solicitado por ela, e retornando normalmente para o ponto de táxi de onde partiram, exercendo, portanto, normalmente seu trabalho.
Posteriormente, inclusive, a vítima foi novamente ouvida pela autoridade policial e disse que tinha dúvidas sobre o autor do fato e sobre a real existência do abuso sexual que relatou.
Ao fim daquele procedimento, a autoridade policial, em seu relatório, afastou a possibilidade de existência do crime narrado pela denunciada e a indiciou pelo crime de denunciação caluniosa.
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar Gabriela Schmoller à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada qual no valor mínimo legal (art. 49, § 1º do CP), por infração ao art. 339, caput, do Código Penal, sendo a reprimenda corporal substituída por 02 (duas) restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo mesmo prazo da pena privativa, em uma hora de tarefa por dia de condenação (art. 43, IV, nos termos do art. 46, ambos do CP), além de prestação pecuniária, fixada em 01 (um) salário mínimo vigente à época.
Inconformada com a prestação jurisdicional entregue, a defesa de Gabriela Schmoller interpôs recurso de apelação, em cujas razões pretende, preliminarmente, a declaração de inimputabilidade da agente pela ausência de compreensão acerca do caráter ilícito do fato. No mérito, requer sua absolvição por insuficiência de provas acerca do elemento subjetivo e pela ausência de capacidade de compreensão sobre os fatos (evento 18).
Contra-arrazoado o recurso (evento 25), os autos ascenderam a este Tribunal, oportunidade em que a Douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer do Exmo. Sr. Dr. Rui Carlos Kolb Schiefler, manifestou-se pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, com a consequente absolvição da apelante (evento 28).
Este é o relatório

Documento eletrônico assinado por ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA, Desembargador, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.tjsc.jus.br/eproc/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 1117435v16 e do código CRC 1a9910c2.Informações adicionais da assinatura:Signatário (a): ERNANI GUETTEN DE ALMEIDAData e Hora: 2/7/2021, às 18:22:20
















Apelação Criminal Nº 0004825-63.2019.8.24.0038/SC



RELATOR: Desembargador ERNANI GUETTEN DE ALMEIDA


APELANTE: GABRIELA SCHMOLLER (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Gabriela Schmoller (com 18 anos à época) contra sentença que, julgando procedente a denúncia, condenou-a à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos de reclusão, em regime inicial aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito previsto no art. 339, caput, do Código Penal, sendo substituída por 02 (duas) restritivas de direitos (art. 44 do CP).
O recurso preenche os requisitos de admissibilidade, motivo pelo qual há de ser conhecido.
Da preliminar:
Preliminarmente, a defesa requer o reconhecimento da inimputabilidade penal da apelante sob o argumento que, ao tempo dos fatos, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito da sua ação por sofrer de transtorno de humor bipolar.
Sem razão.
Como se sabe, para se aferir a (in)imputabilidade do agente por força de perturbação mental, o Código Penal abarcou o critério biopsicológico. Isto é, não basta constatar a patologia, é necessário que ela comprometa a compreensão do agente acerca do caráter ilícito do fato. De acordo com a doutrina:
Em se tratando de sanidade mental, a questão é mais complexa, porque, além de não ser mentalmente são ou não possuir desenvolvimento mental completo, por doença ou perturbação mental, é necessária a consequência desse distúrbio: incapacidade de discernimento. No caso de anormalidade psíquica, devem reunir-se dois aspectos indispensáveis: um aspecto biológico, que é o da doença em si, da anormalidade propriamente, e um aspecto psicológico, que é o referente à capacidade de entender ou de autodeterminar-se de acordo com esse entendimento. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal comentado, 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 175)
No caso concreto, de fato, o laudo de sanidade mental n. 18071 constatou que a apelante sofre de Transtorno de Humor Bipolar Tipo II (CID 10: F31), diagnosticada em 2018 por seu médico psiquiatra assistente, e concluiu que "Gabriela Schmoller à época dos fatos narrados na denúncia, encontrava-se totalmente capaz de entender o caráter ilícito dos atos que cometeu e encontrava-se totalmente capaz para determinar-se de acordo com esse entendimento." (evento 41)
Nessa perspectiva, ainda que o exame técnico demonstre a existência de distúrbio psicológico, inexiste prova de que esse fator, como mencionado, tenha influenciado a consciência da agente sobre a ilicitude de sua conduta, tanto que o laudo foi conclusivo pela sua plena consciência e capacidade.
Ademais, por ocasião do interrogatório, a apelante, sob o crivo do contraditório, aparentou possuir capacidade mental plena, sobretudo quando se observa a forma como relata os acontecimentos.
Mister ressaltar que, para caracterizar a inimputabilidade penal, segundo a doutrina:
É necessário que o agente, no momento de sua conduta típica e antijurídica, não possua capacidade de compreensão (não consegue perceber que está praticando um furto, por exemplo, por causa da confusão das idéias, ou então não consegue autodeterminar-se: sabe que está praticando um furto, mas o faz por compulsão, porque não resiste aos seus impulsos, motivado pela dependência - critério psicológico). (Paulo Rangel, Carlos R. Bacila. Comentários Penais e Processuais Penais à Lei de Drogas. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007. pp. 164).
Portanto, ao contrário do que sugere a defesa, pode-se seguramente concluir que a agente agiu com consciência e autodeterminação, não podendo ter sua imputabilidade afastada.
Sobre o tema, já decidiu esta Corte:
1) Apelação Criminal n. 0000591-90.2014.8.24.0045, de Palhoça, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, Terceira Câmara Criminal, j. 04-07-2017:
APELAÇÃO CRIMINAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ALEGADA INIMPUTABILIDADE OU SEMI-IMPUTABILIDADE EM RAZÃO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. NÃO ACOLHIMENTO. LAUDO PERICIAL QUE ATESTOU O GRAU MODERADO DA DEPENDÊNCIA, SEM AFETAR A RESPONSABILIDADE PENAL DO RÉU. CONDIÇÃO DE USUÁRIO, POR SI SÓ, QUE NÃO AFASTA OU DIMINUI A PENA. "Não verificado qualquer indício que dê suporte à tese de inimputabilidade do réu por conta de vício toxicológico, inviável o reconhecimento das causas de isenção e de redução de pena descritas no artigo 26 do Código Penal e nos artigos 45 e 46 da Lei 11.343/2006" (TJSC, Apelação n. 0001851-15.2014.8.24.0075, Des. Paulo Roberto Sartorato, j. em 14/6/2016). [...]. RECURSO NÃO PROVIDO.
2) Apelação Criminal n. 2014.022395-5, de Chapecó, rel. Des. Marli Mosimann Vargas, Primeira Câmara Criminal, j. 10-02-2015:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER (147, CAPUT, C/C ART. 61, II, "F", AMBOS DO CÓDIGO PENAL, C/C ART. 7º, II, DA LEI N. 11.340/06). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. ABSOLVIÇÃO EM FACE DA ALEGADA INIMPUTABILIDADE EM RAZÃO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA. IMPOSSIBILIDADE. EXAME DE SANIDADE MENTAL QUE ATESTOU QUE O AGENTE POSSUÍA PLENA CAPACIDADE DE ENTENDER O...

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