Acórdão Nº 0004879-74.2019.8.24.0023 do Terceira Câmara Criminal, 25-04-2023

Número do processo0004879-74.2019.8.24.0023
Data25 Abril 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0004879-74.2019.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN


APELANTE: JUSEMAR DA SILVA (RÉU) APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Na comarca de Florianópolis, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Jusemar da Silva, dando-o como incurso nas sanções do art. 171, caput, do Código Penal (por sete vezes), pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:
Consta no incluso Inquérito Policial que, meados do ano de 2018, em data a ser melhor apurada durante a instrução processual, no bairro Campeche, nesta Capital, o denunciado Jusemar da Silva, apresentando-se como "Jhhucyn Thyssen Krupp", suposto filho do acionista majoritário da empresa ThyssenKrupp, induziu em erro as vítimas Alexsandro Silva de Freitas, Rangely Machado Farias, Lara Shaiane Muller Derzete, Thais Bittencourt Cardoso, João Guilherme de Souza, André Bittencourt Cardoso e Loriany Kristini Pereira, prometendo vagas de emprego na aludida multinacional, obtendo vantagem ilícita e causando prejuízo alheio, ao solicitar valores às vítimas durante o 'processo seletivo'.
Observa-se que, como condição para contratação e concessão do emprego, o Denunciado solicitou às vítimas o pagamento de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) para a confecção de passaportes e R$ 600,00 (seiscentos reais) para a compra de um aparelho de tradução instantânea, sob a alegação de que viajariam para China e Alemanha logo após a contratação para participarem de capacitação profissional.
Registra-se que o Denunciado enganou a então noiva, Valdezia Gloria Viganico, para que ela o ajudasse a recrutar interessados nas vagas de emprego. Valdezia, sem saber dos planos do Denunciado, juntamente com ele organizou uma reunião em 12 de julho de 2018, onde fizeram as tratativas para a consumação do golpe (Ev. 14.137).
Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado às penas de 1 (um) ano, 09 (nove) meses e 29 (vinte e nove) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 58 (cinquenta e oito) dias-multa, com valor unitário de 1/30 do salário-mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime de estelionato (art. 171, caput, do CP). Foi-lhe concedido o direito de apelar em liberdade (Ev. 130.1).
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, no qual requereu a absolvição do acusado ao argumento de fragilidade do conjunto probatório, invocando assim, o princípio do in dubio pro reo. No mais, pugnou pela fixação dos honorários advocatícios, "nos moldes da atual Resolução CM n. 9/2022 do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina" (Ev. 44.1).
Juntadas as contrarrazões (Ev. 47.1), ascenderam os autos a esta instância, e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Hélio José Fiamoncini, opinou pelo "conhecimento do recurso, pois tempestivo, mantendo-se, no entanto, a sentença condenatória incólume" (Ev. 50.1).
Este é o relatório

VOTO


Trata-se de recurso de apelação contra decisão que julgou procedente a denúncia e condenou o acusado às sanções do art. 171, caput, do Código Penal.
O recurso é de ser conhecido, porquanto presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
1. Das alterações trazidas pela Lei n. 13.964/2019
Inicialmente, cumpre tecer algumas considerações quanto às mudanças trazidas pela Lei n. 13.964/2019 no que concerne ao crime de estelionato.
Frente às novas disposições da Lei n. 13.964/2019, com vistas a preservar a segurança jurídica e o princípio da colegialidade, acompanho a maioria dos membros desta Câmara, que entende pela dispensa da representação formalmente expressa do ofendido, bastando a existência nos autos de elementos de convicção suficientes de que ele exerceu seu direito, ainda que informalmente, embora entenda de forma diferente.
Cumpre colacionar recente deliberação da Suprema Corte sobre o tema:
HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. LEI N. 13.964/2019. INCLUSÃO DO § 5º DO ART. 171: AÇÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE NEGATIVA DE APLICAÇÃO RETROATIVA DA NOVA CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE À CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM RECURSO ESPECIAL. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VÍTIMA: REPRESENTAÇÃO QUE INDEPENDE DE FORMALIDADES. PRECEDENTES. HABEAS CORPUS AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. (HC 188498 AgR, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, julgado em 27/07/2020, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 04/08/2020 PUBLIC 05/08/2020, grifou-se).
Ainda, extrai-se da decisão referente ao recurso ordinário em habeas corpus n.189.807/SC, da Relatoria do Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/08/2020 e publicado em 24/08/2020:
[...] A controvérsia diz respeito à possibilidade de retroação da norma que altera as condições de procedibilidade da ação penal.
É que a Lei que instituiu o "Pacote Anticrime" transformou o estelionato em crime de ação pública condicionada à representação, após a condenação do recorrente.
[...] mesmo quando o crime ainda era de ação pública condicionada, há prova nos autos de que a vítima demonstrou inequívoca intenção de dar início à persecução penal, a evidenciar a impropriedade do pedido.
Conforme o entendimento desta Corte, a representação prescinde de qualquer formalidade; basta que a vítima demonstre, por qualquer meio, interesse em ver iniciado o processo penal [...].
Também sobre o tema, recolhe-se desta Corte de Justiça:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM APELAÇÃO CRIMINAL. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. PRETENSA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA DECADÊNCIA. ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 13.694/2019. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DA NATUREZA DA AÇÃO PENAL, NOS CRIMES DE ESTELIONATO, PARA CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO. NOVEL LEGISLAÇÃO QUE NÃO EXIGIU MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DA PARTE, A PARTIR DE SUA VIGÊNCIA. REPRESENTAÇÃO QUE É CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE E NÃO DE PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. PEÇA, ADEMAIS, QUE NÃO EXIGE FORMALIDADE. AUTOS QUE COMPROVAM DE FORMA CLARA E INEQUÍVOCA A VONTADE DA VÍTIMA EM VER O AUTOR DO CRIME SER PROCESSADO. HIPÓTESES DO ARTIGO 619 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NÃO VERIFICADAS. ACLARATÓRIOS REJEITADOS. - "[...] tendo em vista que a necessidade de representação traz consigo institutos extintivos da punibilidade, a regra no §5º deve ser analisada sob a perspectiva da aplicação da lei penal no tempo. [...] a) se a inicial (denúncia) já foi ofertada, trata-se de ato jurídico perfeito, não sendo alcançado pela mudança. Não nos parece correto o entendimento de que a vítima deve ser chamada para manifestar seu interesse em ver prosseguir o processo. Essa lição transforma a natureza jurídica da representação de condição de procedibilidade em condição de prosseguibilidade. A lei nova não exigiu essa manifestação (como fez no art. 88 da Lei n. 9.099/1995). b) se a incoativa ainda não foi oferecida, deve o MP aguardar a oportuna representação da vítima ou o decurso do prazo decadencial, cujo termo inicial, para os fatos pretéritos, é o da vigência da novel lei" (Pacote anticrime - Lei 13.964/2019: Comentários às Alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora JusPodivm, 2020; p. 65). - "[...] quando a ação penal pública depender de representação do ofendido ou de seu representante legal, tal manifestação de vontade, condição específica de procedibilidade sem a qual é inviável a propositura do processo criminal pelo dominus litis, não exige maiores formalidades, sendo desnecessário que haja uma peça escrita nos autos do inquérito ou da ação penal com nomen iuris de representação, bastando que reste inequívoco o seu interesse na persecução penal" (AgRg no RHC 118.489/BA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 12-11-2019, DJe 25-11-2019). (Embargos de Declaração n. 0001266-37.2014.8.24.0018, de Chapecó, rel. Luiz Neri Oliveira de Souza, Quinta Câmara Criminal, j. 18-06-2020, grifou-se).
E desta Câmara:
APELAÇÃO CRIMINAL - RÉU SOLTO - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DE ESTELIONATO (CP, ART. 171, ''CAPUT''). PRELIMINAR - ALEGADA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ANTE A AUSÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO DA VÍTIMA (CP, ART. 171, § 5º) - IRRETROATIVIDADE PERANTE O ATO JURÍDICO PERFEITO (OFERECIMENTO DA DENÚNCIA) - OFENDIDO QUE MANIFESTA VONTADE DE REPRESENTAR DURANTE TODO O CURSO DA AÇÃO - PRESCINDIBILIDADE DA REPRESENTAÇÃO FORMAL, JÁ QUE OS FATOS OCORRERAM ANTERIORMENTE À MUDANÇA LEGISLATIVA. "Observa-se que o novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade. Doutrina: Manual de Direito Penal: parte especial (arts. 121 ao 361) / Rogério Sanches Cunha - 12. ed. rev., atual. e ampl. - Salvador: Editora JusPODIVM, 2020, p. 413. Ademais, na hipótese, há manifestação da vítima no sentido de ver o acusado processado, não se exigindo para tal efeito, consoante a jurisprudência desta Corte, formalidade para manifestação do ofendido" (STJ, Min. Reynaldo Soares da Fonseca). [...] (Apelação Criminal n. 0002331-80.2015.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Getúlio Corrêa, Terceira Câmara Criminal, j. 14-07-2020 - grifou-se).
Sob esta ótica, in casu, as vítimas Alexsandro Silva de Freitas, Rangely Machado Farias, Lara...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT