Acórdão Nº 0004934-75.2016.8.24.0008 do Segunda Câmara Criminal, 07-04-2020

Número do processo0004934-75.2016.8.24.0008
Data07 Abril 2020
Tribunal de OrigemBlumenau
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão


Apelação Criminal n. 0004934-75.2016.8.24.0008, de Blumenau

Relator: Des. Sérgio Rizelo

APELAÇÃO CRIMINAL. FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, CAPUT). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO.

1. PROVA DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA. PALAVRAS DA VÍTIMA. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS. CIRCUNSTÂNCIAS DA PRISÃO. 2. TENTATIVA. INVERSÃO DA POSSE. CRIME CONSUMADO. 3. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. RESTITUIÇÃO DA RES FURTIVA. VOLUNTARIEDADE. FRAÇÃO MÍNIMA PELA AUSÊNCIA DE ESPONTANEIDADE E PELAS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. 4. PRESCRIÇÃO. QUANTUM DA PENA.

1. Comprovam a materialidade e a autoria dos fatos que caracterizam o crime de furto as palavras da vítima, no sentido de que viu o acusado sair com pressa de seu estabelecimento e, ao procurá-lo na rua, encontrou-o na posse da res furtiva, e os depoimentos dos policiais militares acionados pelo ofendido logo após, dando conta de que o agente tentou evadir-se da abordagem, mas foi detido e imediatamente reconhecido como o autor da rapinagem.

2. A consumação do crime de furto dá-se com a inversão da posse da coisa (teoria da apprehensio ou amotio), adminículo positivado pelas palavras da vítima e pelos demais elementos constituídos no processo.

3. Para a configuração do arrependimento posterior não é necessária espontaneidade do agente, mas mera voluntariedade na reparação do dano. Assim, por se tratar de furto em que, por ato voluntário, houve a integral restituição da res antes do recebimento da denúncia, o acusado faz jus ao benefício previsto no art. 16 do Código Penal.

4. O prazo prescricional da pretensão punitiva, com base na pena aplicada inferior a 1 ano de privação de liberdade, é de 3 anos. Se tal lapso transcorreu entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação da sentença condenatória, extingue-se a punibilidade do acusado.

RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. DE OFÍCIO, RECONHECIDA A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR E READEQUADA A REPRIMENDA, DECLARANDO-SE EXTINTA A PUNIBILIDADE DO AGENTE PELA PRESCRIÇÃO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0004934-75.2016.8.24.0008, da Comarca de Blumenau (1ª Vara Criminal), em que é Apelante Tiago Berive de Jesus e Apelado o Ministério Público do Estado de Santa Catarina:

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso; negar-lhe provimento; de ofício, reduzir a pena imposta a Tiago Berive de Jesus, pelo reconhecimento do arrependimento posterior e, em razão da diminuição, declarar extinta sua punibilidade, na forma do art. 107, IV, do Código Penal, c/c o 61 do Código de Processo Penal. Custas legais.

Participaram do julgamento, realizado no dia 7 de abril de 2020, os Excelentíssimos Desembargadores Salete Silva Sommariva (Presidente) e Norival Acácio Engel.

Florianópolis, 8 de abril de 2020.

Sérgio Rizelo

relator


RELATÓRIO

Na Comarca de Blumenau, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Tiago Berive de Jesus, imputando-lhe a prática do crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal, nos seguintes termos:

No dia 20 de maio de 2016, por volta das 13h00min, o denunciado Tiago Berive de Jesus, no interior do estabelecimento comercial "M3 Lavação", situado na rua Almirante Tamandaré, n. 1.609, bairro Vila Nova, nesta cidade de Blumenau/SC, subtraiu, para si, a roda de uma bicicleta de propriedade da vítima Flávio Nunes Baptista quando, avaliada no valor de R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais) - Termo de Avaliação, Reconhecimento e Entrega de fl. 9 -, logrando êxito em sair do local na posse do bem, ao instalá-lo em sua própria bicicleta.

Posteriormente, o denunciado foi surpreendido pela vítima nas imediações do parque Ramiro Rudiguer, situado na rua Alberto Stein, bairro Velha, restando obrigado a devolver o bem. Em seguida, o denunciado empreendeu fuga, vindo a ser preso logo depois pela Polícia Militar (fls. 30-31).

Concluída a instrução, o Doutor Juiz de Direito julgou procedente a exordial acusatória e condenou Tiago Berive de Jesus à pena de 1 ano e 2 meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente semiaberto, e 10 dias-multa, arbitrados individualmente no mínimo legal, pelo cometimento do delito previsto no art. 155, caput, do Código Penal (fls. 111-116).

Insatisfeito, Tiago Berive de Jesus deflagrou recurso de apelação (fl. 132).

Em suas razões, arguiu a insuficiência probatória a sustentar sua condenação, requerendo, assim, a proclamação da sua absolvição.

Subsidiariamente, pugnou pelo reconhecimento da ocorrência de crime meramente tentado, por não ter obtido a posse mansa e pacífica do bem subtraído, reclamando a minoração correspondente da pena.

Finalmente, argumentou a necessidade do estabelecimento do regime aberto para iniciar cumprimento da pena, embora reincidente, assim como a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos (fls. 133-142).

O Ministério Público ofereceu contrarrazões pelo conhecimento e desprovimento do reclamo (fls. 146-153).

A Procuradoria de Justiça Criminal, em parecer lavrado pelo Excelentíssimo Procurador de Justiça Paulo de Tarso Brandão, posicionou-se pelo conhecimento e parcial provimento do apelo, para que a agravante da reincidência seja afastada de ofício, "por se tratar de elemento que excede a culpabilidade da conduta sob julgamento", resultando no estabelecimento do regime aberto ao início do resgate da reprimenda, e na substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos (fls. 160-165).

Este é o relatório.


VOTO

O recurso preenche os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, razão pela qual deve ser conhecido.

No mérito, entretanto, não lhe cabe provimento.

1. A materialidade dos fatos narrados na denúncia está positivada no boletim de ocorrência das fls. 2-3; no termo de apreensão da fl. 6; no termo de avaliação, reconhecimento e entrega da fl. 9; nos informes judiciais e extrajudiciais da Vítima; e nos depoimentos dos Policiais Militares encarregados da ocorrência e responsáveis por deter o Apelante, colhidos em ambas as fases procedimentais, todos tendo o condão de comprovar que foi subtraído do estabelecimento de Flávio Nunes Baptista uma roda de bicicleta, avaliada em R$ 250,00, recuperada momentos depois, fora de seu estabelecimento, em poder de Tiago Berive de Jesus, nos termos da incoativa.

A prova da autoria decorre desses mesmos elementos, especialmente da prova oral, pelo que se pode concluir, com certeza, que o Recorrente cometeu o crime que lhe é imputado.

É que o Ofendido, Flávio Nunes Baptista, ao ser ouvido em Juízo (em absoluta consonância com o que dissera na fase administrativa, nas fls. 7-8), contou que o Apelante Tiago Berive de Jesus já era conhecido porque ele comumente deixava a bicicleta na sua oficina mecânica, para almoçar na cozinha comunitária local; no dia dos fatos, ao chegar no estabelecimento, viu que a bicicleta estava no seu pátio, mas não se preocupou porque estava acostumado com os pedidos do Recorrente. Acrescentou que, no entanto, quando o Apelante voltou para recuperá-la, saiu muito apressado, o que o fez desconfiar de que ele poderia ter levado algo de seu depósito, que ficava no local; ao checar o depósito, constatou que fora levada a roda dianteira da bicicleta de um amigo seu, que a deixava ali guardada quando ia trabalhar; saiu em busca do Recorrente, de carro, e o alcançou, com a roda furtada instalada na sua própria bicicleta; parou-o e pediu que devolvesse o bem furtado, demonstrando seu descontentamento com a conduta, ao que o Apelante pediu desculpa e devolveu a roda, rogando para retornar à oficina e recuperar a da sua própria bicicleta, que ficara no local do crime; porém, quando guardou no porta-malas a roda recuperada, o Recorrente, certamente por medo, fugiu. Complementou que, naquele instante, viu uma viatura policial passando e acionou os Agentes Públicos, por imaginar que o Apelante poderia ter também furtado outros bens, os quais, com a descrição dele, o detiveram (mídia das fls. 85-86).

De logo, é importante frisar que, nos crimes contra o patrimônio, praticados, via de regra, de forma clandestina, consumados apenas na presença do acusado e da vítima, as declarações firmes e harmônicas desta merecem credibilidade e relevância probatória. Isso porque, além de o ofendido ser ao mesmo tempo espectador e sujeito passivo do delito, é a pessoa mais categorizada a reconhecer o agente e narrar com precisão o desenrolar dos fatos, não tendo por objetivo acusar um inocente, senão contribuir para a resolução justa do processo. Logo, a sua palavra possui valor suficiente para alicerçar o decreto condenatório, especialmente quando confirmada com as demais provas colacionadas no processo.

Essa é a orientação que emana do Superior Tribunal de Justiça: '"A palavra da vítima, nos crimes às ocultas, em especial, tem relevância na formação da convicção do Juiz sentenciante, dado o contato direto que trava com o agente criminoso' (HC 143.681/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 2.8.2010)" (AgRg no AREsp 482.281, Relª. Minª. Marilza Maynard, j. 6.5.14).

Colhe-se da jurisprudência desta Câmara Criminal:

APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO PELO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E POR CONCURSO DE AGENTES (CP, art. 157, § 2º, I e II) - SENTENÇA CONDENATÓRIA - RECURSO DEFENSIVO. PRELIMINAR - SENTENÇA CITRA PETITA - NULIDADE NÃO VERIFICADA - DECISÃO MOTIVADA - SUFICIENTE EXAME DAS PROVAS E VERSÕES SUSCITADAS PELAS PARTES - PREFACIAL REJEITADA [...] MATERIALIDADE E AUTORIA ROBUSTAMENTE COMPROVADAS PELOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO INCLUSOS AOS AUTOS - PALAVRAS DAS VÍTIMAS HARMÔNICAS E UNÍSSONAS QUE MERECEM ESPECIAL CREDIBILIDADE - RECONHECIMENTO EFETUADO POR AMBOS OS OFENDIDOS - ADEMAIS, ÁLIBI NÃO DEMONSTRADO PELA DEFESA - ABSOLVIÇÃO INCABÍVEL. "Nos crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima apontando o réu como autor,...

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