Acórdão Nº 0004963-95.2013.8.24.0052 do Primeira Câmara Criminal, 22-10-2020

Número do processo0004963-95.2013.8.24.0052
Data22 Outubro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Criminal Nº 0004963-95.2013.8.24.0052/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR) APELADO: RENATO TOMACHEUSKI (ACUSADO) ADVOGADO: FELIPE SCARAMELLA DE AZEVEDO CUNHA (OAB PR079132)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Renato Tomacheuski, dando-o como incurso nas sanções do art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, em razão dos seguintes fatos:
Na data de 04 de abril de 2013, no imóvel pertencente ao denunciado Renato Tomacheuski, situada na Localidade de Rio Preto, Município de Matos Costa/SC, nesta Comarca, Policiais Ambientais constataram que o denunciado Renato destruiu (com foice e motosserra) vegetação nativa secundária, do Bioma Mata Atlântica, em estágio médio de regeneração natural, sem a autorização do órgão competente, em área equivalente a 1,1 HA (um vírgula um hectare), atingindo espécies ameaçadas de extinção, como araucária (araucária angustifolia) e Imbuia (ocotea porosa).Do total da área atingida, 0,4 hectare encontravam-se em área de preservação permanente (floresta em formação), posto que a margem de dois cursos d'água.(evento 87, DENUNCIA1, dos autos originários).
Decisão interlocutória: ofertado e aceito o benefício da suspensão condicional do processo (evento 94 dos autos originários), houve a revogação da benesse e prosseguimento do feito (evento 101 dos autos originários).
Sentença: o juiz de direito João Carlos Franco julgou improcedente a denúncia para absolver Renato Tomacheuski quanto à imputação pela prática do crime previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal; e fixou o valor de R$ 1.043,00 ao defensor dativo Felipe Scaramella de Azevedo Cunha a título de honorários advocatícios (evento 117, SENT100-SENT106, dos autos originários).
Trânsito em julgado: muito embora não certificado pelo Juízo a quo, verifica-se que a sentença transitou em julgado para a defesa.
Recurso de apelação de Ministério Público: a acusação interpôs recurso de apelação, no qual sustentou que a ausência de laudo pericial oficial não obsta o reconhecimento da materialidade delitiva, quando os demais elementos de convicção amealhados aos autos são suficientes para atestar a ocorrência do ilícito penal.
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a sentença, de modo de modo a condenar Renato Tomacheuski pela prática da conduta narrada na denúncia (evento 117, RAZAPELA114-RAZAPELA124, dos autos originários).
Contrarrazões de Renato Tomacheuski: a defesa impugnou as razões recursais, ao argumento de que:
a) os fatos descritos na inicial acusatória não ficaram comprovados, especialmente porque os documentos apresentados foram produzidos unilateralmente pelos policiais, sem a presença de pessoa tecnicamente habilitada e do apelado;
b) o apelado incorreu em erro de proibição (CP, art. 21), pois b.1) antes de comprar a área houve uma queimada no local, que danificou a vegetação, de modo que desconhecia a necessidade de autorização do órgão ambiental para retirar aquelas árvores da propriedade, e precisava do espaço para o plantio de grãos; b.2) possui reduzido grau de instrução e é proprietário de um minifúndio em Matos Costa, "cidade com IDH de 0,6571, o nono município mais pobre de Santa Catarina".
Postulou o conhecimento do recurso e a manutenção da sentença absolutória; e a fixação de honorários advocatícios pela atuação recursal (evento 123).
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Ernani Dutra opinou pelo conhecimento e provimento dos recurso (evento 7)

VOTO


O recurso preenche os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual deve ser conhecido.
A acusação sustenta que o apelado praticou o crime previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, porquanto, apesar da falta de laudo técnico, há elementos suficientes nos autos capazes de comprovar a materialidade delitiva, além da autoria.
A defesa, em sede recursal, reforça a manutenção integral da sentença penal absolutória.
O Magistrado a quo absolveu o apelado quanto à imputação da prática do delito descrito na denúncia, com fulcro no art. 386, VII, do Código de Processo Penal. Na sentença, consignou a ausência de prova suficiente para condenação, pois adota "o entendimento de que a realização de perícia técnica por pessoa habilitada na área da realização da perícia é imprescindível. Isso porque o tipo penal apresenta elementares do tipo específicas, que somente podem ser indicadas, com segurança, por profissionais da área." (evento 117, SENT104, dos autos originários).
Imputou-se ao apelado a prática do crime previsto no art. 38-A, caput, da Lei 9.605/1998, o qual dispõe:
Art. 38-A. Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Acerca do delito em destaque, retira-se da doutrina de Guilherme de Souza Nucci:
O objeto protegido é a vegetação, primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica (é o conjunto de vegetação predominante na Mata Atlântica). Para efeito de destruição ou dano não se envolve o estágio inicial de regeneração da vegetação [...] O tipo penal difere do anterior (art. 38), pois cuida não somente da floresta, mas da vegetação em geral existente na Mata Atlântica. Logo, não deixa de ser um tipo especial em relação ao anterior. (Leis penais e processuais penais comentadas. 6. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 568). (grifou-se)
Diante desse cenário, convém reproduzir o disposto no art. 2º da Lei 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, e dá outras providências, considerando como integrantes
as seguintes formações florestais nativas e ecossistemas associados, com as respectivas delimitações estabelecidas em mapa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, conforme regulamento: Floresta Ombrófila Densa; Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias; Floresta Ombrófila Aberta; Floresta Estacional Semidecidual; e Floresta Estacional Decidual, bem como os manguezais, as vegetações de restingas, campos de altitude, brejos interioranos e encraves florestais do Nordeste.
Parágrafo único. Somente os remanescentes de vegetação nativa no estágio primário e nos estágios secundário inicial, médio e avançado de regeneração na área de abrangência definida no caput deste artigo terão seu uso e conservação regulados por esta Lei.
Por sua vez, consta do art. 4º, § 2º, IX, da referida legislação:
Art. 4º A definição de vegetação primária e de vegetação secundária nos estágios avançado, médio e inicial de regeneração do Bioma Mata Atlântica, nas hipóteses de vegetação nativa localizada, será de iniciativa do Conselho Nacional do Meio Ambiente.
§ 1º O Conselho Nacional do Meio Ambiente terá prazo de 180 (cento e oitenta) dias para estabelecer o que dispõe o caput deste artigo, sendo que qualquer intervenção na vegetação primária ou secundária nos estágios avançado e médio de regeneração somente poderá ocorrer após atendido o disposto neste artigo.
§ 2º Na definição referida no caput deste artigo, serão observados os seguintes parâmetros básicos:
I - fisionomia;
II - estratos predominantes;
III - distribuição diamétrica e altura;
IV - existência, diversidade e quantidade de epífitas;
V - existência, diversidade e quantidade de trepadeiras;
VI - presença, ausência e características da serapilheira;
VII - sub-bosque;
VIII - diversidade e dominância de espécies;
IX - espécies vegetais indicadoras.
Com efeito, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), editou a Resolução 4, de 4 de maio de 1994, para definir as vegetações primária e secundária nos estágios inicial, médio e avançado de regeneração da Mata Atlântica:
Art. 1º Vegetação primária é aquela de máxima expressão local, com grande diversidade biológica, sendo os efeitos das ações antrópicas mínimos, a ponto de não afetar significativamente suas características originais de estrutura e de espécies, onde são observadas área basal média superior a 20,00 m2/ha, DAP médio superior a 25 cm e altura total média superior a 20 m.
Art. 2º Vegetação secundária ou em regeneração e aquela resultante dos processos naturais de sucessão, após supressão total ou parcial da vegetação primária por ações antrópicas ou causas naturais, podendo ocorrer árvores remanescentes da vegetação Primária.
Art. 3º Os estágios em regeneração da vegetação secundária a que se refere o artigo 6º do Decreto no 750/93, passam a ser assim definidos:
I - Estágio inicial de regeneração:
a) Nesse estágio a área basal média é de até 8 m²/ha;
b) Fisionomia herbáceo/arbustiva de porte baixo; altura total média até 4 m, com cobertura vegetal variando de fechada a aberta;
c) Espécies lenhosas com distribuição diamétrica de pequena amplitude: DAP médio até 8 cm;
d) Epífitas, se existentes, são representadas principalmente por líquens, briófitas e pteridófitas, com baixa diversidade;
e) Trepadeiras, se presentes, são geralmente herbáceas;
f) Serapilheira, quando existente, forma uma camada fina pouco decomposta, contínua ou não;
g) Diversidade biológica variável com poucas espécies arbóreas ou arborescentes, podendo apresentar plântulas de espécies características de outros estágios;
h) Espécies pioneiras abundantes;
i) Ausência de subosque;
j) Espécies indicadoras:
j.1) Floresta Ombrófila Densa: Pteridium aquilium (Samambaia-das-Taperas), e as hemicriptófitas Melinis minutiflora (Capim-gordura) e Andropogon bicornis (capim-andaime ou capim-rabo-de-burro) cujas ervas são mais expressivas e invasoras na primeira fase de cobertura dos...

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