Acórdão nº 0005267-70.2017.8.14.0040 do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, 2ª Turma de Direito Privado, 07-03-2023

Data de Julgamento07 Março 2023
Classe processualAPELAÇÃO CÍVEL
Ano2023
Número do processo0005267-70.2017.8.14.0040
AssuntoPagamento
Órgão2ª Turma de Direito Privado

APELAÇÃO CÍVEL (198) - 0005267-70.2017.8.14.0040

APELANTE: L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

APELADO: ELIENE SANTOS DA SILVA

RELATOR(A): Desembargador RICARDO FERREIRA NUNES

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. DESISTÊNCIA DO NEGÓCIO JURÍDICO. INICIATIVA EXCLUSIVA DO COMPRADOR. DEVOLUÇÃO DE 80% DOS VALORES PAGOS. PERCENTUAL EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. JUROS DE MORA A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. PRECEDENTES DO STJ. DIREITO À FRUIÇÃO DO IMÓVEL/TERRENO. INOVAÇÃO RECURSAL. INCABÍVEL. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO, À UNANIMIDADE.

1. O descumprimento contratual por culpa do promitente comprador acarreta o dever de restituição parcial das parcelas pagas, quando da rescisão contratual. Entendimento sumulado pelo STJ. Hipótese dos autos em que houve a desistência do negócio por parte do comprador, sem culpa do vendedor, culminando na restituição de 80% dos valores pagos, em consonância com o entendimento jurisprudencial sobre o assunto. Manutenção da sentença que se impõe.

2. Quanto a alegação de que os juros de mora devem incidir a partir do trânsito em julgado da decisão, entendo que assiste razão ao apelante, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento de Recurso Especial sob a sistemática dos recursos repetitivos. A Colenda Corte entendeu que havendo rescisão de contrato de promessa de compra e venda, por iniciativa do promissário comprador, não há que se falar em mora, até então, da promitente vendedora, razão pela qual os juros moratórios sobre o montante condenatório somente devem incidir a partir da data do trânsito em julgado da decisão condenatória.

3. Pretende o apelante, ainda, a reforma da sentença para que a autora seja condenada ao pagamento de taxa de fruição mensal pelo tempo que passou no imóvel, em montante que se aproximasse de um possível aluguel.

4. Ocorre que, compulsando os autos, verifico que se trata de matéria não alegada em sede de contestação ou reconvenção por parte do apelante e nem aventada em sentença, tratando-se de verdadeira inovação recursal, o que não se admite no ordenamento jurídico pátrio.

5. Recurso conhecido e parcialmente provido, somente para fixar os juros de mora a partir do trânsito em julgado da decisão. À unanimidade.

RELATÓRIO

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por L.M.S.E. EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA contra sentença proferida pelo juízo da 3ª Vara Cível e Empresarial de Parauapebas, nos autos da ação de restituição de parcelas (proc. 0005267-70.2017.8.14.0040), ajuizada por ELIENE SANTOS DA SILVA, em face do ora recorrente.

Alega a autora, em sede inicial, que as partes firmaram contrato de Compromisso de Compra e Venda do Imóvel, que consiste em lote não edificado (ID 5328098 - Pág. 32-45) de nº 474, situado na rua A-5, quadra 08, lote 21, do loteamento Residencial Cidade Jardim.

Na oportunidade, o adquirente se comprometeu a pagar pelo bem em tela o valor de R$ 52.748,68 (cinquenta e dois mil setecentos e quarenta e oito reais e sessenta e oito centavos), parcelado em 120 parcelas. Aduz a autora que no ato da aquisição do imóvel pagou o valor de R$ 1.186,85 como entrada e pagou mais 82 parcelas, o que totaliza o valor de R$ 50.654,88. Ocorre que, em razão de estar sem condições de continuar o pagamento e diante da abusividade dos juros, tentou negociar a devolução do imóvel, todavia sem êxito, quando lhe foi informado pela requerida que só lhe seria devolvida metade do valor pago, de forma parcelada e sem reajuste.

Devidamente citada, a parte requerida apresentou contestação, sob a alegação preliminar de ausência de requisitos para o deferimento da justiça gratuita e, no mérito, defendeu a legalidade do contrato (ID 5328110 - Pág. 1-6).

O Juiz sentenciante deu parcial procedência ao pedido, nos seguintes termos:

a) DECLARAR rescindido o contrato de compromisso de compra e venda entabulado entre as partes e descrito na inicial;

b) Determinar a RESTITUIÇÃO dos valores efetivamente pagos à requerente ELIENE SANTOS DA SILVA, sobre os quais deve incidir apenas a correção monetária, a partir de cada desembolso, com juros de mora a partir da citação, podendo a promissária vendedora reter o percentual de 20% (vinte por cento) desse valor, levando-se em conta as despesas realizadas pelas vendedoras com corretagem, publicidade, tributárias e administrativas, cláusula penal dentre outras despesas.

c) Condeno a ré ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, nos termos disposto no artigo 85, §2º e §16 do Código de Processo Civil de 2015.

Inconformado, o requerido interpôs o presente Apelo, sob a alegação de que a decisão foi fundamentada em dispositivo legal que não se aplica ao caso, além de argumentar que o contrato firmado entre as partes é ato jurídico perfeito, acabado e consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou, de forma que satisfeitos todos os requisitos formais para gerar a plenitude dos seus efeitos. Quanto à restituição, aduz que o contrato faz lei entre as partes e, no caso concreto, se encontra estabelecido entre os litigantes, em sua cláusula 16ª, §§1º e 2º, a forma de restituição dos valores pagos pelos adquirentes em caso de rescisão. Além de entender que o percentual de retenção afronta à Lei 6.766/79, artigo 32-a e incisos.

Por fim, o apelante requer indenização a título de ressarcimento pela ocupação, fruição e exploração e aluguel do lote/terreno e, em caso de condenação, que os juros de mora sejam fixados a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória. (ID 5328112 - Pág. 1-31).

Contrarrazões, pela manutenção da sentença recorrida (ID 5328170 - Pág. 1-13).

É o relatório.

Belém, 1º de fevereiro de 2023.

DES. RICARDO FERREIRA NUNES

Relator

VOTO

1. Juízo de admissibilidade.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

2. Razões recursais.

Conforme relatado, pretende o recorrente a reforma da sentença que o condenou a restituir 80% do pagamento realizado pelo apelado, em razão da rescisão contratual por iniciativa do comprador de contrato de venda e compra de terreno, a ser pago de forma imediata.

As principais alegações recursais residem no argumento de que o Juiz sentenciante fundamentou sua decisão em dispositivo legal que rege matéria diversa, além do argumento de que o contrato firmado entre as partes prevê expressamente, em sua cláusula 16ª, §§1º e 2º, a forma e o valor da restituição em caso de desistência do negócio jurídico e, por ser ato jurídico perfeito e acabado, deve haver a proteção necessária para imutabilidade da situação jurídica que foi realizada de boa-fé, dentro dos parâmetros legais.

Aduz, ainda, que os negócios jurídicos somente podem ser revistos ou anulados diante da existência de fraude, coação ou dolo, conforme preconizam as normas elencadas nos artigos 138 ao 155 do Código Civil, o que não aconteceu no caso concreto.

Por fim, alega que faz jus à indenização a título de ressarcimento pela ocupação, exploração e aluguel do lote/terreno e, caso, seja mantida a condenação expressa na sentença, que os juros de mora sejam fixados a partir do trânsito em julgado.

Passo ao exame dos argumentos articulados no recurso.

2.1 Da alegação de que a lide deve ser julgada sob a Lei Nº 6.766/79 e não sob a Lei 4.591/64.

O Juiz sentenciante fundamentou a legalidade da rescisão contratual, ainda que por inadimplência do comprador, com restituição de 80% do valor pago, com base na Súmula 543 do STJ e na Lei 4.591/64 que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.

Inconformado, o Apelante aduz que o diploma legal que se aplica ao caso é a Lei 6.766/79 que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e não o diploma legal (Lei 4.591/64) utilizado pelo magistrado.

Ora, é sabido, na jurisprudência brasileira, que o Juiz não está restrito aos fundamentos indicados pelas partes. Do contrário o magistrado não teria a autonomia necessária para realizar o julgamento em processos judiciais postos a sua apreciação.

Nesse sentido, trago o trecho do voto do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA do STJ quando afirma que o juiz não está adstrito a nomes jurídicos nem a artigos de lei indicados pelas partes, devendo atribuir aos fatos apresentados o enquadramento jurídico adequado. Aplica-se ao caso o brocardo da mihi factum, dabo tibi ius”. Dá-me os fatos que lhe darei o direito.


Segue a ementa do citado voto.

RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DOS PEDIDOS FORMULADOS NOS AUTOS. 1. Se os fatos narrados na peça preambular e a causa de pedir ajustam-se à natureza do provimento conferido à parte autora pela sentença, não cabe falar em julgamento extra petita, tampouco em contrariedade ao art. 460 do CPC. 2. O juiz não está adstrito a nomes jurídicos nem a artigos de lei indicados pelas partes, devendo atribuir aos fatos apresentados o enquadramento jurídico adequado. Aplicação do brocardo da mihi factum, dabo tibi ius. 3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - REsp: 1537996 DF 2015/0046034-2, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 21/06/2016, T3 - TERCEIRA TURMA. Data de Publicação: DJe 28/06/2016).

Na hipótese dos autos, é certo que a possibilidade de rescisão contratual de compra e venda, por inadimplência, com pedido de devolução dos valores pagos encontra respaldo tanto nos contratos regidos pela Lei 4.591/64 mencionada em sentença, que trata sobre o condomínio em edificações, quanto nos contratos regidos pela Lei 6.766/79 aplicável ao caso em concreto, conforme amplamente reconhecido na jurisprudência pátria.

Por outro lado, as alterações trazidas pela Lei 13.786/18, no que tange ao desfazimento do contrato celebrado por fato imputado ao adquirente, não se aplicam ao caso em tela, na medida em que se trata de...

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