Acórdão Nº 0005287-22.2013.8.24.0073 do Primeira Câmara de Direito Comercial, 30-06-2022

Número do processo0005287-22.2013.8.24.0073
Data30 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Comercial
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0005287-22.2013.8.24.0073/SC

RELATOR: Desembargador LUIZ ZANELATO

APELANTE: ESPÓLIO DE WILLY GESSNER (Representado) (EXEQUENTE) ADVOGADO: STEFAN KLUG (OAB SC031721) ADVOGADO: JULIANO KRUEGER (OAB SC022348) APELADO: KIRTON BANK S.A. - BANCO MULTIPLO (EXECUTADO) ADVOGADO: TERESA CELINA DE ARRUDA ALVIM (OAB SC023727) ADVOGADO: EVARISTO ARAGÃO FERREIRA DOS SANTOS (OAB SC023721A)

RELATÓRIO

ESPÓLIO DE WILLY GESSNER interpôs recurso de apelação da sentença proferida pelo juízo da 1ª Vara Cível da Comarca de Timbó, que julgou extinto o feito, nos seguintes termos:

RELATÓRIO

Trata-se de Cumprimento de Sentença ajuizado por ESPÓLIO DE WILLY GESSNER e HANYLORE GESSNER em face de KIRTON BANK S.A. - BANCO MULTIPLO, por meio da qual objetiva cobrar valores que lhe são devidos em decorrência do julgamento da ação civil pública nº 583.00.1993.808239-4.

A parte executada apresentou impugnação.

Após o regular trâmite, os autos vieram conclusos.

FUNDAMENTAÇÃO

Para constituição válida do cumprimento de sentença é necessária a existência de título executivo líquido, certo e exigível.

Por sua vez, determina o Código de Processo Civil:

Art. 803. É nula a execução se:

I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;

[...]

Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.

No caso dos autos, a parte exequente pretende o cumprimento da sentença proferida na Ação Civil Pública nº 583.00.1993.808239-4, que tramitou perante a 19ª Vara Cível do Foro Central da Capital do Estado de São Paulo, a qual foi proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor contra o Banco Bamerindus S/A, por meio da qual este último foi condenado ao pagamento do índice de 42,72% no cálculo do reajuste dos valores depositados nas contas de poupança com ele mantidas em janeiro de 1989.

Contudo, há que ser reconhecida de ofício a necessidade de prévia liquidação de sentença, uma vez que a sentença proferida em ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos é genérica, consoante disciplina o art. 95, do Código de Defesa do Consumidor: "Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados".

Para o ajuizamento de cumprimento proveniente de sentença coletiva, é imprescindível que antes sejam definidas a titularidade ativa e passiva, assim como o quantum debeatur em procedimento que assegure a oportunidade de ampla defesa e contraditório pleno ao executado, ou seja, é necessário o ajuizamento de incidente de liquidação.

Essa questão, a propósito, já foi alvo de análise pelo Superior Tribunal de Justiça em recurso submetido à sistemática dos repetitivos, dando ensejo ao Tema n. 482, do qual se colaciona a tese firmada:

"A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por si, não confere ao vencido o atributo de devedor de 'quantia certa ou já fixada em liquidação' (art. 475-J do CPC), porquanto, 'em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica', apenas 'fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados' (art. 95 do CDC). A condenação, pois, não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, não sendo aplicável a reprimenda prevista no art. 475-J do CPC."

O posicionamento é mantido, conforme se observa de julgados recentes do STJ:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. EXECUÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA.EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. NECESSIDADE DE PRÉVIA LIQUIDAÇÃO. 1. A condenação oriunda da sentença coletiva é certa e precisa - haja vista que a certeza é condição essencial do julgamento e o comando da sentença estabelece claramente os direitos e as obrigações que possibilitam a sua execução -, porém não se reveste da liquidez necessária ao cumprimento espontâneo da decisão, devendo ainda ser apurados em liquidação os destinatários (cui debeatur) e a extensão da reparação (quantum debeatur). Somente nesse momento é que se dará, portanto, a individualização da parcela que tocará ao exequente segundo o comando sentencial proferido na ação coletiva. 2. O cumprimento da sentença genérica que condena ao pagamento de expurgos em caderneta de poupança deve ser precedido pela fase de liquidação por procedimento comum, que vai completar a atividade cognitiva parcial da ação coletiva mediante a comprovação de fatos novos determinantes do sujeito ativo da relação de direito material, assim também do valor da prestação devida, assegurando-se a oportunidade de ampla defesa e contraditório pleno ao executado. 3. Embargos de divergência providos. (STJ, EREsp 1590294/DF, rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, j. 10/12/2020, DJe 10/02/2021).

Inclusive, deste mesmo julgado, observa-se que a tese levantada pelo exequente foi voto vencido:

(VOTO VENCIDO) (MIN. NANCY ANDRIGHI) "[...] a sentença coletiva pode, excepcionalmente, conter condenação a obrigação líquida e facilmente determinável quanto aos seus titulares, como ocorre na hipótese de condenação de instituição bancária ao pagamento de expurgos inflacionários em cadernetas de poupança. Nessas situações, a instauração da fase de liquidação é dispensável, podendo os beneficiários do título judicial proceder ao imediato cumprimento individual da sentença coletiva, mediante a demonstração da titularidade do direito e a indicação do valor devido em memória discriminada e atualizada do cálculo, resguardada a possibilidade de o devedor refutar as alegações do credor por meio da impugnação de que trata o art. 525 do CPC/15 (art. 475-L do CPC/73)."

Neste contexto, tem-se que o título apresentado não é líquido, logo, a extinção do cumprimento de sentença é medida que se impõe.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, ante a ausência de título apto ao manejo da execução, DECLARO NULO o cumprimento de sentença, na forma do art. 803, I e parágrafo único, do CPC e, por consequência, JULGO EXTINTO o processo, na forma do que dispõe o art. 485, IV, do CPC.

Condeno a parte executada ao pagamento das despesas processuais pendentes, conforme arts. 86 e 87 do CPC.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se. (EV 80/1G).

Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados (EV 85 e 97/1G).

A parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que "a sentença recorrida não está em harmonia aos entendimentos do TJSC e Tribunais Superiores sobre a questão, razão pela qual, perfeitamente cabível o presente recurso para que o presente Cumprimento de Sentença seja anulado parcialmente a partir do despacho que determinou a intimação do Recorrido para realizar o pagamento, determinando-se a intimação da parte Recorrente para que emende a exordial a fim de promover a liquidação da sentença genérica coletiva" (EV 102/1G).

Contrarrazões (EV 110/1G).

Ao aportar no Tribunal de Justiça, o recurso foi distribuído a esta relatoria por sorteio (EV 1/2G).

É o relatório.

VOTO

1. Exame de admissibilidade

Porquanto presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, conheço do recurso.

2. Fundamentação

Insurge-se a parte autora contra o pronunciamento judicial o qual, por considerar indispensável a instauração do procedimento de liquidação de sentença coletiva, extinguiu o feito sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV, do CPC.

O cumprimento da sentença pressupõe a existência de um título executivo judicial que constitui obrigação dotada de certeza, liquidez e exigibilidade. Via de regra, como ocorre nos processos de conhecimento individuais, a sentença irá reconhecer a existência de um dívida, a quem é devido, quem é o devedor, o objeto da prestação devida e, quando possível, a quantificação do débito a ser executado.

Nas ações coletivas, como é o caso da ação civil pública, a sentença reconhece a existência de uma violação a um direito individual homogêneo, coletivo ou difuso, em demanda exercida por legitimado extraordinário, que pode vir a beneficiar um número indeterminado de pessoas. Essa sentença, portanto, não define todos os elementos da obrigação, anteriormente expostos, para dar ensejo à imediata execução...

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