Acórdão Nº 0005302-61.2018.8.24.0090 do Segunda Turma Recursal, 21-07-2020

Número do processo0005302-61.2018.8.24.0090
Data21 Julho 2020
Tribunal de OrigemCapital - Norte da Ilha
ÓrgãoSegunda Turma Recursal
Classe processualRecurso Inominado
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Segunda Turma Recursal



Recurso Inominado n. 0005302-61.2018.8.24.0090, da Capital - Norte da Ilha

Relatora: Juíza Ana Karina Arruda Anzanello


RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE VOO E ATRASO NA CHEGADA AO DESTINO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA COMPANHIA AÉREA. AFASTAMENTO DO DEVER DE INDENIZAR PELA EXISTÊNCIA DE CASO FORTUITO/FORÇA MAIOR E PELA ADOÇÃO DAS MEDIDAS ESTABELECIDAS PELA ANAC. INSUBSISTÊNCIA. INCONTROVERSO CANCELAMENTO DE VOO PARA MANUTENÇÃO DE AERONAVE. SITUAÇÃO PREVISÍVEL E INERENTE AO SERVIÇO PRESTADO. ASSISTÊNCIA MATERIAL INCOMPLETA À AUTORA, QUE SE DESLOCAVA EM VIAGEM PROGRAMADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO QUE NO VERTENTE CASO, ULTRAPASSOU O MERO DISSABOR. DANO MORAL CARACTERIZADO. MODIFICAÇÃO DO TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA, PARA DATA DO ARBITRAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. RELAÇÃO CONTRATUAL. DIES A QUO QUE DEVE CORRESPONDER A DATA DA CITAÇÃO. EXEGESE DO ARTIGO 405 DO CÓDIGO CIVIL. MINORAÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO PELO ABALO ANÍMICO. PLEITO ACOLHIDO. VALOR ELEITO QUE NÃO SE AFIGURA COMPATÍVEL COM AS PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO E OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO IMPLEMENTADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Inominado Criminal n. 0005302-61.2018.8.24.0090, da comarca da Capital - Norte da Ilha Juizado Especial de Santo Antônio de Lisboa, em que é Recorrente Tam Linhas Aéreas S/A e Apelada Ana Patricia Farias Domingues.


A Segunda Turma Recursal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento. Sem custas e honorários advocatícios.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Juiz Marco Aurélio Ghisi Machado, com voto e dele participou o Juiz Vitoraldo Bridi.


Florianópolis, 21 de julho de 2020.


Ana Karina Arruda Anzanello

RelatorA


RELATÓRIO

Tam Linhas Aéreas S/A interpôs Recurso Inominado contra sentença do Juizado Especial Cível do Norte da Ilha, que julgou procedentes os pedidos deduzidos por Ana Patrícia Farias Domingues, a fim de condená-la ao pagamento de indenização por danos morais, fixados em "R$ 10.000,00, corrigidos monetariamente (INPC), desde a prolação da sentença, e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. (fl. 88)

Em suas razões recursais (fls. 96/113) a companhia aérea alegou, em síntese, a ausência de responsabilidade pelo cancelamento do voo, em razão de caso fortuito ou de força maior, consistente na necessidade de realização de manutenção na aeronave, evento imprevisível e invencível, visando a segurança dos passageiros e tripulação. Defendeu ainda, que prestou assistência material à Autora, cumprindo o disposto na resolução n. 400/2016 da ANAC, sendo a situação narrada na exordial incapaz de ensejar abalo moral à passageira. Sucessivamente, requereu a redução do quantum e a readequação do dies a quo dos juros de mora para data da sentença.

Com contrarrazões (fls. 119/124), os autos ascenderam a esta Turma Recursal

Este é o relatório.












VOTO

1 . Da admissibilidade

Inicialmente, encontram-se presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, razão pela qual, o reclamo merece ser conhecido.


2. Do mérito

2.1 Da responsabilidade civil

A companhia aérea defende que não pode ser responsabilizada pelo cancelamento do voo, em razão de ter feito manutenção da aeronave, o que caracterizaria caso fortuito/força maior, bem como porque prestou toda a assistência à passageira, como preconiza a normatização da ANAC, não restando caracterizado o abalo moral na situação.

Em que pese o esforço argumentativo , a insurgência não prospera.

A responsabilidade da empresa aérea – fornecedora de serviços de transporte – por atraso ou cancelamento de voo é objetiva e independe da comprovação de dolo ou culpa, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Na medida que, tal qual consignou o magistrado de origem, situações ordinárias de manutenção de aeronaves são considerados fortuitos internos, insuficientes a afastar a responsabilidade civil da prestadora de serviço.

De precedente envolvendo a Ré:

RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. CANCELAMENTO DE VOO INTERNACIONAL. MANUTENÇÃO DA AERONAVE. ATRASO DE MAIS DE 24 (VINTE E QUATRO) HORAS NA CHEGADA AO DESTINO FINAL. [...] MANUTENÇÃO NÃO PROGRAMADA DA AERONAVE. FORTUITO INTERNO QUE NÃO EXIME A EMPRESA AÉREA DE RESPONSABILIDADE. ASSISTÊNCIA PRESTADA PELA COMPANHIA AÉREA INADEQUADA.[...] SENTENÇA IRRETOCÁVEL, MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC -Recurso Inominado n. 0001501-64.2018.8.24.0082. Primeira Turma de Recursos – Capital. Rel. Juiz Davidson Jahn Mello. Data do Julgamento: 07.11.2019) (g.n.)


Na hipótese, é incontroverso nos autos que houve o cancelamento de voo que partiria de Guarulhos – SP rumo a Salvador – BA, às 10h45min do dia 22.11.2019 (fl. 13). Igualmente, não se insurgem as partes, quanto ao fato de que a autora conseguiu embarcar em outro voo ofertado pela ré para seu destino final, apenas no dia seguinte (23.11.2019), à 01h e 30min (fl. 16).

Ainda que o cancelamento ou atraso de voo não importe automática configuração de abalo moral, no caso tem-se que as circunstâncias ultrapassaram a barreira do mero dissabor.

Apesar da ré alegar que cumpriu o disposto no artigo 27 da resolução n. 400/2016 da ANAC, não há prova de que a companhia aérea tenha facilitado a comunicação dos passageiros e fornecido alimentação adequada. A única assistência foi a hospedagem em hotel, como a própria autora mencionou na inicial.

Vale ressaltar que no caso, o itinerário teria como destino a cidade de Salvador, local onde participar do casamento de sua melhor amiga, sendo evidente que o cancelamento e depois atraso na viagem programada importou em grande desgosto e intranquilidade que infligiram o estado psicológico da autora.

De outro caso envolvendo a companhia aérea:


DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL. DANOS MORAIS DECORRENTES DE ATRASO DE VOO E FALTA DE ASSISTÊNCIA DA COMPANHIA AÉREA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. ATRASO NO VOO DE CONGONHAS A NAVEGANTES SOB A ALEGAÇÃO DE MÁS CONDIÇÕES CLIMÁTICAS. EXCLUDENTE NÃO COMPROVADA. MERA JUNTADA DE PÁGINA DE SITE DE METEOROLOGIA. ÔNUS QUE COMPETIA À RÉ. ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ESPERA DE 8 (OITO) HORAS NA VIAGEM DE VOLTA EM RAZÃO DE CANCELAMENTO DE VOO. AUXÍLIO MATERIAL NÃO PRESTADO PELA COMPANHIA AÉREA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS A SER FIXADA EM R$ 5.000,00 (CINCO MIL REAIS). VALOR ADEQUADO AO PADRÃO MÉDIO ADOTADO POR ESTA CÂMARA EM CASOS SEMELHANTES. REDISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS RECURSAIS. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO. 1. "Em regra, os atrasos ou cancelamento de voos em decorrência de comprovada condição climática adversa afasta a responsabilidade da empresa aérea ou da agência de viagem. No entanto, se o voo não parte em razão de falhas técnicas da empresa ou há falta de assistência aos passageiros, ou esta é inadequada, configura-se conduta apta a causar dano moral e a obrigar à respectiva indenização compensatória" (TJSC, Apelação Cível n. 0301256-64.2014.8.24.0067, de São Miguel do Oeste, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 16.10.2018). [...] (TJSC - Apelação Cível n. 0307004-17.2015.8.24.0011. Terceira Câmara de Direito Civil. Rel. Des. Marcus Tulio Sartorato. Data do Julgamento: 27.08.2019) (g.n.).


De tal modo que a conjunção de fatores experimentados pela autora ultrapassou o mero desconforto do cotidiano, suficiente para causar-lhe abalo moral.


2.2 Do termo inicial dos juros de mora

Por outro lado, busca a recorrente a readequação do dies a quo dos juros de mora incidentes sobre a condenação, para que tenham fluência "a partir do arbitramento". (fl. 112)

In casu, os prejuízos sofridos pela autora decorrem de descumprimento de contrato de transporte aéreo. E, sendo assim, a mora do devedor depende de providência do credor, por meio de interpelação que, in casu, ocorreu judicialmente, através da citação, nos termos do artigo 405 do Código Civil.

Deste modo, a sentença não merece qualquer reparo no ponto.


2.3 Quantum indenizatório

Por fim, a empresa aérea Recorrente sustenta que a indenização concedida na origem (R$ 10.000,00) estaria ocasionando o enriquecimento indevido da autora.

No ponto, a irresignação merece ser acolhida.

Com relação à valoração dos danos morais, o julgador deve estar atento às circunstâncias do evento danoso, o interesse do bem jurídico tutelado e a condição das partes, atendidos ainda os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória, sem importar no seu enriquecimento sem causa.

O doutrinador Sérgio Cavalieri Filho pondera que:


"[...] No âmbito do dano extrapatrimonial (moral), a sua quantificação como um decréscimo material é também absolutamente impossível, razão pela qual o critério do arbitramento judicial é o único apropriado [...]. Também aqui terá o juiz que se valer da lógica do razoável, que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável, é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT