Acórdão Nº 0005515-40.2019.8.24.0023 do Primeira Câmara Criminal, 24-09-2020

Número do processo0005515-40.2019.8.24.0023
Data24 Setembro 2020
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal
Classe processualRecurso em Sentido Estrito
Tipo de documentoAcórdão










Recurso em Sentido Estrito Nº 0005515-40.2019.8.24.0023/SC



RELATOR: Desembargador CARLOS ALBERTO CIVINSKI


RECORRENTE: ROGER COELHO RAMOS (ACUSADO) ADVOGADO: ALESSANDRA TAVARES GARCIA (OAB RJ090895) ADVOGADO: ANTONIO DE PADUA NUNES PEREIRA (OAB SC031265) RECORRENTE: FELIPE CESAR BATISTA SILVA (ACUSADO) ADVOGADO: Thiago Burlani Neves (DPE) RECORRENTE: GABRIEL RODRIGUES BENTO (ACUSADO) ADVOGADO: DOMINGOS DA CONCEICAO HURTADO JUNIOR (OAB SC029076) RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (AUTOR)


RELATÓRIO


Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Roger Coelho Ramos, Felipe César Batista Silva, Gabriel Rodrigues Bento e Bianco Laurentino, dando-os como incursos nas sanções do artigo 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal, e artigo 2º, §2º, da Lei 12.850/2013, em razão dos seguintes fatos:
1 - Do Homicídio Triplamente Qualificado
No início do mês de janeiro de 2019, na região conhecida como "Papaquara", na Vargem Grande, nesta Capital, em comunhão de esforços, na companhia de outras pessoas não identificadas, os denunciados mataram a vítima Carlos Eduardo Brites Atanásio. Em conjunto, os denunciados renderam a vítima e levaram-na a um matagal na localidade referida, a fim de dar cabo a sua vida. Após, o denunciado Bianco, em unidade de desígnios com os demais que estavam ao seu redor, desferiu disparo de arma de fogo na cabeça do ofendido e, em seguida, decapitou-o. Os denunciados, em seguida, jogaram o corpo da vítima numa vala próxima.
O homicídio foi triplamente qualificado. (1) O motivo do crime foi torpe. Os denunciados são integrantes da facção criminosa denominada Primeiro Comando da Capital - PCC, que impõe aos seus membros código de condutas e sanções próprias, à margem da lei e do Estado. Dentre tais regras, instituem a vedação de que haja envolvimento dos simpatizantes com ex-namoradas de outros membros, sob pena de morte. Assim, como acreditavam que o ofendido estava se relacionando amorosamente com a ex-companheira de "Lacoste", falecido membro da mesma organização, decretaram-lhe a morte, como forma de vingança, revelando, assim, motivação vil. (2) O crime foi executado com a utilização de meio cruel. Os denunciados, mesmo cientes de que matariam a vítima ao cabo da empreitada, antes deceparam o dedo da vítima, como forma de tortura, demonstrando brutalidade imoderada, irrelevância com a vida alheia e ausência de qualquer sentimento de piedade, de modo a imprimir dor e sofrimento desnecessários ao ofendido, sem que isso fosse preciso para matá-lo. (3) Por fim, o delito restou praticado de forma a dificultar a defesa do ofendido, na medida em que se encontrava completamente subjugado por seus executores, estes em superioridade numérica e com arma de fogo, no interior de comunidade dominada por organização criminosa da qual pertencem, circunstância que tornou impossível esboçar eficaz reação ou eventual fuga.
2 - A Participação em Organização Criminosa
Os denunciados integravam, à época do homicídio, a organização criminosa paulista denominada Primeiro Comando da Capital - PCC, conhecida associação de mais de quatro pessoas, caracterizada pela divisão de tarefas e ordenada estruturalmente, ainda que de forma informal (ministérios, disciplinas, sintonias, etc...), com o objetivo de obter vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas são superiores a quatro anos, impondo temor à sociedade em geral, através da promoção de homicídios, roubos e tráfico de entorpecentes, dentre outras infrações penais, com o emprego de arma de fogo na sua atuação. (evento 23)
Decisão de pronúncia: a juíza de direito Paula Botke e Silva julgou admissível o pedido formulado na denúncia para pronunciar Roger Coelho Ramos, Felipe César Batista Silva, Gabriel Rodrigues Bento pela prática do delito descrito no artigo 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal e do crime conexo, e Bianco Laurentino pela prática do delito descrito no artigo 121, § 2º, I, III e IV, do Código Penal, a fim de submetê-los ao julgamento pelo Tribunal do Júri da Capital. (evento 272)
Recursos de Gabriel Rodrigues Bento e Roger Coelho Ramos: o defensor em comum dos acusados interpôs recurso em sentido estrito individualmente, sustentando que:
a) a despronúncia é medida que se impõe, em respeito ao princípio do in dubio pro reo, pois inexistem elementos probatórios concretos que apontem que os recorrentes praticaram o delito que lhes foram imputados pelo Ministério Público;
b) "se o Magistrado ficou em dúvida quanto à autoria e materialidade do fato é por que o Ministério Público não logrou êxito em sua tese acusatória, de modo que o réu não pode ser prejudicado por não conseguir provar sua inocência";
c) "não é possível uma condenação criminal embasada exclusivamente na palavra dos policiais que participaram da operação e da elaboração do inquérito".
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão, a fim de que os recorrentes sejam impronunciados. (eventos 292 e 293)
Recurso de Felipe César Batista Silva: a Defensoria Pública interpôs recurso em sentido estrito, sustentando que:
a) as provas coligidas no curso da instrução processual não apontaram a materialidade e, com suficiência, a autoria delitiva, pelo que se faz mister a prolação de despronúncia;
b) "tudo o que há contra o acusado é aquilo que foi produzido na fase investigativa - e é importante destacar que NADA realmente foi produzido na fase judicial. Os depoimentos prestados em juízo apenas relatam as investigações - ou a ausência destas -, sem qualquer valor probatório, por não possuir o condão de levar o contraditório àquela fase";
c) caso não seja essa a conclusão, necessário o afastamento das qualificadoras do motivo torpe, meio cruel e recurso que dificultou ou impossibilitou a defesa da vítima, pois ausente qualquer suporte probatório;
Requereu o conhecimento e provimento do recurso para reformar a decisão, a fim de que o recorrente seja impronunciado ou, subsidiariamente, que as qualificadoras sejam decotadas. (evento 394)
Contrarrazões do Ministério Público: a acusação impugna as razões recursais, ao argumento de que há indícios suficientes da autoria delitiva para pronunciar os recorrentes nos termos da denúncia, razão pela qual caberá ao plenário do Tribunal Júri, valorar as provas e decidir pela condenação ou absolvição deles, assim como o acolhimento ou afastamento das qualificadoras.
Postula pela manutenção da decisão de pronúncia. (eventos 306 e 399)
Juízo de retratação: o juiz de direito Emerson Feller Bertemes manteve a decisão recorrida por seus próprios fundamentos. (evento 401)
Trânsito em julgado: foi certificado o trânsito em julgado da decisão de pronúncia para o Ministério Público e o acusado Bianco Laurentino. (evento 310)
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça: o procurador de justiça Lio Marcos Marin opinou pelo conhecimento e desprovimento dos recursos. (evento 17)

VOTO


Os recursos preenchem os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual devem ser conhecidos. E, em atenção ao princípio tantum devolutum quantum appellatum, a apreciação limita-se à análise dos argumentos expostos em sede recursal.
É cediço que a impronúncia ocorre quando o juiz não se convence da existência da materialidade do fato ou de indícios suficientes da autoria ou participação do agente no delito, de modo que se admite a propositura de outra ação penal quando existirem novas provas, conforme dispõe o artigo 414 do Código de Processo Penal:
Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.
Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova.
De outro vértice, para que se prolate uma decisão de pronúncia é necessário verificar a presença de elementos suficientes ao reconhecimento da materialidade e de indícios que aponte o agente como autor da conduta descrita, conforme se depreende do § 1º e do caput do artigo 413 do Código de Processo Penal:
Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.
§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
Porque requer apenas a existência de indícios de autoria, a pronúncia não representa juízo de valor absoluto sobre o fato típico, pois, se assim o fosse, usurparia a competência do Conselho de Sentença.
No procedimento escalonado do Tribunal do Júri vigora, nesta fase de julgamento acerca da admissibilidade da denúncia, o princípio do in dubio pro societate, segundo o qual, "[...] existindo possibilidade de se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos dessa espécie para o tribunal popular" (TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 8 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 833).
Entretanto, conforme advertem os referidos doutrinadores, o postulado em comento deve ser aplicado com prudência, a fim de evitar situações inadequadas em que o agente seja pronunciado sem um suporte mínimo que viabilize o exame válido da causa pelos jurados.
Dessa forma, fica evidente que o Juízo a quo, ao pronunciar o acusado, deve estar convencido da existência do crime e dos indícios suficientes de sua autoria, ressaltando-se, novamente, que a pronúncia não...

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