Acórdão Nº 0005542-86.2016.8.24.0036 do Terceira Câmara Criminal, 30-03-2021

Número do processo0005542-86.2016.8.24.0036
Data30 Março 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Criminal Nº 0005542-86.2016.8.24.0036/SC

RELATOR: Desembargador LEOPOLDO AUGUSTO BRÜGGEMANN

APELANTE: SERGIO LUIS RONCHI APELANTE: RONALDO MOURA SILVEIRA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA

RELATÓRIO

Na comarca de Jaraguá do Sul, o Ministério Público do Estado de Santa Catarina ofereceu denúncia contra Sérgio Luis Ronchi e Ronaldo Moura Silveira, dando-os como incursos nas sanções do art. 180, § 1º, do Código Penal, pela prática da conduta assim descrita na inicial acusatória:

Consta do incluso caderno indiciário que no dia 29 de agosto de 2016, durante o período matutino, no estabelecimento comercial "R.S. Malhas", localizado na Rua Erich Mathias nº 1.081, Rio Cerro I, nesta cidade e comarca, o denunciado SÉRGIO LUIS RONCHI adquiriu de Adevanir Padilha, em proveito próprio, no exercício de atividade comercia/industrial, 14 toneladas de fio de algodão da marca "Brastex", descrito no Auto de Exibição e Apreensão de fls. 8, e que mantinha em depósito mesmo devendo saber ser produto de crime (Boletim de Ocorrência de fls. 6/7).

No mesmo dia, no estabelecimento comercial "Estamparia Mais Brasil", localizado na Rua Jacob da Silva nº 100 (galpão 2, sala 2), Ilha da Figueira, nesta cidade e comarca, o denunciado RONALDO MOURA SILVEIRA adquiriu de Sérgio Luis Ronchi e Adevanir Padilha, em proveito próprio, no exercício de atividade comercia/industrial, 67 caixas de fio de algodão da marca "Brastex", descrito no Auto de Exibição e Apreensão de fls. 8, e que mantinha em depósito mesmo devendo saber ser produto de crime (Boletim de Ocorrência de fls. 6/7). (ev. 32).

Concluída a instrução do feito, a denúncia foi julgada procedente para condenar o acusado Sérgio Luiz Ronchi às penas de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixada no valor de 1/5 (um quinto) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos; condenar o acusado Ronaldo Moura Silveira às penas de 3 (três) anos de reclusão, em regime aberto, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixada no valor de 1/7 (um sétimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, ambos por infração ao disposto no art. 180, § 1º do CP. As penas privativas de liberdade foram substituídas por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e limitação de fim de semana. Foi-lhes concedido o direito de apelar em liberdade (ev. 169).

Irresignada, a defesa de Ronaldo interpôs recurso de apelação e pugnou por sua absolvição com base no reconhecimento do princípio in dubio pro reo. Ademais, prequestionou o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal (ev. 186).

Também inconformada, a defesa de Sérgio interpôs recurso de apelação e, da mesma forma, pugnou por sua absolvição com base no reconhecimento do princípio in dubio pro reo. Alternativamente, pleiteou a desclassificação para o crime do art. 180, § 3º do CP. Por fim, prequestionou diversos dispositivos legais (ev. 213).

Juntadas as contrarrazões (ev. 203 e 216), os autos foram remetidos à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Gilberto Callado de Oliveira, opinou pelo conhecimento e desprovimento dos apelos (ev. 218).

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Sérgio Luis Ronchi e Ronaldo Moura Silveira, contra decisão que julgou procedente a denúncia e os condenou às sanções previstas no art. 180, § 1º, do Código Penal.

Os apelos devem ser conhecidos, porquanto presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

Dito isto, passa-se à análise do mérito.

Da absolvição

Do crime de receptação qualificada (art. 180, § 1°, do CP)

Textua o tipo penal em questão:

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: [...]§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

Acerca do tipo penal, colhe-se lição de Luiz Regis Prado:

Receptação qualificada (art. 180, §1º): qualifica-se o delito de receptação, na modalidade dolosa, quando perpetrado no exercício de atividade comercial ou industrial, através das condutas adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, coisa que deve saber ser produto de crime. [...] O tipo é misto alternativo, de forma que a prática de mais de uma conduta em relação ao mesmo objeto material caracteriza delito único. O tipo subjetivo está representado pelo dolo, direto ou eventual. O dever saber, empregado na receptação qualificada, não expressa certeza sobre a realidade, e, sim, um juízo de dúvida a respeito da origem criminosa da res. O elemento subjetivo do injusto está representado pelo particular fim de agir do agente, consistente em obter proveito ilícito para si ou para outrem (animus lucrandi) (Comentários ao código penal. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 697-698, grifou-se).

Pois bem.

Buscam os recorrentes serem absolvidos da condenação imposta em primeiro grau, em razão da suposta ausência de provas acerca da autoria do delito.

A materialidade delitiva veio amparada pelo auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, fotografias, auto de avaliação, e termo de reconhecimento e entrega (todos no ev. 1).

Interrogados sob o crivo do contraditório, os acusados negaram a prática do crime de receptação. Colhe-se das transcrições do togado singular:

O acusado Sérgio Luis Ronchi, quando ouvido na solenidade instrutória, asseverou:

"Não procedem as acusações; Padilha era seu cliente há aproximadamente dois anos; fizeram um serviço para ele onde ele devolveu a mercadoria em fio; Padilha trouxe o fio (que era roubado) e o compraram, com o preço um pouco abaixo do mercado; foi buscar na empresa dele e ao chegar tinha movimento de polícia, mas entrou normalmente e foi abordado, sendo-lhe dito que o fio era roubado; até então não sabia de nada e Padilha ia vender com nota fiscal; nunca disse para o policial que sabia que o fio era de "rolo"; não sabia que seria preso no dia; acha que foi vítima de Adevanir; ficou chocado porque o policial fez o boletim de ocorrência e mandou ele assinar, dizendo "tem que assinar aqui porque se não você vai se ferrar mais tarde, vai ser pior". (transcrição não literal da mídia à p. 205).

O acusado Ronaldo Moura Silveira, por sua vez, narrou:

"O fio foi adquirido de "China" e não de Padilha nem Sérgio; conhece "China" do tempo que tinham comércio no Centro; "China" tinha uma lanchonete e ele uma sorveteria ao lado; nunca viu ele preso nem nada; abriu a empresa têxtil e "China" o contatou dizendo que queria entrar no ramo e pedindo para que ele prestasse um serviço com um material que receberia em 20 dias, ao que aceitou; certo tempo depois "China" o contatou pedindo para que tecesse e estampasse uma malha com urgência, precisando descarregar o material naquele mesmo dia; arrumou o caminhão para "China" e ele levou até sua empresa por volta das 14h; fez o preço de R$6,00 pelo serviço; pegou a malha e colocou no galpão da frente, não escondeu nada; "China" não foi entregar, então perguntou sobre a nota fiscal para o motorista e ele disse que viria no dia seguinte; eram 188 caixas; por volta das 20h seu vizinho lhe telefonou e disse que estava cheio de polícia no seu galpão e que já teriam arrombado o portão; foi para a empresa no mesmo momento (estava colocando uma placa na loja do seu filho); chegando lá, o policial Arruda perguntou sobre a nota fiscal da carga de fios, ao que respondeu que viria no dia seguinte; foi informado que a malha era roubada; disse que não era roubada, porque seria do "China"; telefonou para "China" em frente aos policias e pediu para que ele comparecesse ao local; o Arruda falou com "China" mas ele só enviou a advogada; não manteve contato com "China" mas conheceu ele por muitos anos, sabendo que ele é alguém que trabalha bastante; não arrolou "China" como testemunha porque não queria falar com ele depois de tudo que ele fez; se soubesse que a malha era roubada, fugiria, assim como fez "China", que teria ido para Curitiba". (transcrição não literal da mídia à p. 205).[...] (ev. 169).

Em seu interrogatório, Sérgio explicou que Ademir Padilha, dono da empresa onde a res furtivae foi encontrada, é seu cliente. Salientou que prestou-lhe um serviço e ele "devolveu" a mercadoria em fio. Em seguida, confirmou que comprou o tecido por um preço um pouco abaixo do valor de mercado, dizendo que Padilha iria vendê-lo com nota fiscal. Ademais, negou ter dito para um dos policiais que sabia que o fio era "de rolo".

Por sua vez, Ronaldo negou ter adquirido parte da res que foi encontrada em sua empresa, explicando que um tal de "China" levou o material até o local, pelo que ficou responsável unicamente pelo beneficiamento do produto.

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