Acórdão Nº 0005600-51.2008.8.24.0010 do Primeira Câmara de Direito Civil, 07-10-2021

Número do processo0005600-51.2008.8.24.0010
Data07 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0005600-51.2008.8.24.0010/SC

RELATOR: Desembargador RAULINO JACÓ BRUNING

APELANTE: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO APELADO: SILVIO MORAIS DE CAMPOS

RELATÓRIO

Adoto o relatório da r. sentença (EVENTO 107) proferida na Comarca de Braço do Norte, da lavra do Magistrado Júlio César Bernardes, por refletir fielmente o contido no presente feito, in verbis:

Trata-se de Ação de Rescisão de Contrato de Compra e Venda de Veículos c/c Indenização por Danos Morais, ajuizada por Sílvio Morais de Campos, contra Auto Vale Veículos e BV Financeira.

Narrou o autor que, em julho de 2008, adquiriu do réu Auto Vale Veículos o automóvel VW Gol CL, ano/modelo 1994, cor preta, placa LXO 8355, Renavam 548595380.

Aduziu que o negócio foi firmado da seguinte forma: entrega, pelo autor, de uma motocicleta Honda XR 200, ano/modelo 1997, cor azul, placa LZA 3626, Renavam 682089303, avaliada em R$ 3.300,00, e restante, no valor de R$ 13.872,00, financiado junto ao réu BV Financeira.

Ocorre que o veículo, por defeito oculto, incendiou-se e foi parcialmente consumido.

Procurado o primeiro réu, este comprometeu-se a encaminhar o carro incendiado à oficina mecânica de sua confiança, entregando ao autor um veículo Fiat Uno para utilização enquanto o seu veículo estava no conserto.

Contudo, o referido veículo também apresentou problema mecânico já no primeiro dia de uso pelo autor, o qual permaneceu no pátio da empresa que guinchou o carro desde o dia em que apresentou o defeito.

Noticiou que a motocicleta dada como pagamento já foi negociada pelo réu Auto Vale Veículos.

Requereu a confirmação da medida liminar concedida nos autos da ação cautelar n. 0003763-58.2008.8.24.0010 - cessação de pagamento do financiamento.

Requereu, no mérito, a condenação do primeiro réu ao ressarcimento do valor de R$ 3.300,00 ou a imediata devolução de motocicleta dada como pagamento, além de condenação para arcar com as despesas decorrentes da estadia do veículo UNO no pátio do serviço de guincho e indenização por danos morais e, com relação a segunda ré, a sua condenação ao ressarcimento das parcelas já quitadas do financiamento/leasing celebrado com o autor, bem como anulação do contrato.

Citada, a ré BV Financeira apresentou defesa em forma de contestação, alegando, preliminarmente, ilegitimidade passiva, e matérias ligadas ao mérito (fls. 37/51).

Relatou que emitiu a Cédula de Crédito Bancário n. 116023633, tomando a importância de R$ 8.134,82, a ser paga em 48 parcelas de R$ 289,08.

Alegou que o contrato foi firmado com o autor de forma livre e espontânea, ciente ele das condições do negócio.

Sustentou que o veículo incendiado não era objeto do negócio e que não possui qualquer ingerência na escolha do automóvel, bem como que refere-se a apenas uma garantia do contrato e que, perdendo-se esta garantia, nada altera o contrato de financiamento, permanecendo-se a obrigatoriedade de pagamento das parcelas.

Da mesma forma, o réu Odinei Wiggers e Cia Ltda - qualificado pelo autor como Auto Vale Veículos Ltda., apresentou contestação, alegando apenas questões ligadas ao mérito (fls. 72/77).

Confirmou que o veículo vendido realmente incendiou-se. Contudo, afirmou que o fato ocorreu 8 meses após a aquisição, não se podendo afirmar que por motivo de vício oculto.

Relatou que acordou com o autor que pagaria metade do conserto e que o veículo ficou pronto cerca de 20 dias após o ocorrido, mas, comunicado o autor de que o veículo poderia ser novamente retirado, este informou não ter mais interesse no negócio, com intenção de desfazê-lo.

Requereu a improcedência dos pedidos iniciais e a condenação do autor em litigância de má-fé.

Réplica, impugnando os termos das contestações (fls. 81/82).

Decisão saneadora, afastando a preliminar ventilada e determinando a produção de prova testemunhal (fls. 84/85).

Apresentado rol de testemunhas pelo autor (fls. 88/89) e pelo réu Odinei Wiggers e Cia Ltda (fl. 91).

Procedeu-se à oitiva de 2 testemunhas arroladas pelo autor, apresentando as partes alegações finais remissivas em audiência (fls. 132/134).

A ré BV Financeira não apresentou alegações finais (fl. 154).

Acresço que o Juiz a quo julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, entendendo que o veículo adquirido, apesar de usado, apresentara vício oculto por ter se incendiado apenas dois meses após a compra, conforme parte dispositiva que segue:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Silvio Morais de Campos, contra Odinei Wiggers e Cia Ltda., e BV Financeira S.A. - Crédito Financiamento e Investimento, com fundamento no art. 487, I, do CPC e, em consequência:

Determino que a BV Financeira S.A. - Crédito, Financiamento e Investimento suspenda a cobrança decorrente do contrato de financiamento firmado com o autor, envolvendo o veículo VW Gol CL, ano/modelo 1994, cor preta, placa LXO 8355, Renavam 548595380, e se abstenha de inscrever o nome do autor em cadastros de proteção ao crédito ou exclua a anotação se existente, relacionada com este contrato, sob as penas da lei;

Declaro rescindido o contrato de compra e venda realizado entre o autor e o réu Odinei Wiggers e Cia Ltda., referente ao veículo VW Gol CL, ano/modelo 1994, cor preta, placa LXO 8355, Renavam 548595380, e respectivo contrato de financiamento, firmado entre o autor e a ré BV Financeira S.A. - Crédito, Financiamento e Investimento;

Condeno o réu Odinei Wiggers e Cia Ltda a restituir ao autor a motocicleta Honda XR 200, ano/modelo 1997, cor azul, placa LZA 3626, Renavam 682089303 ou, na impossibilidade, restituir a importância de R$ 3.300,00, acrescidos de atualização monetária a partir do desembolso e com acréscimo de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação;

Condeno a ré BV Financeira S.A. - Crédito, Financiamento e Investimento à restituição das parcelas quitadas pelo autor, acrescidos de correção monetária desde o pagamento de cada parcela e juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação;

Condeno os réus, solidariamente, ao pagamento de R$ 10.000,00, a título de danos morais, acrescidos de correção monetária, pelo INPC, a partir da data da presente sentença (súmula 362 do STJ), e juros de mora, no montante de 1% ao mês, desde a data do evento danoso - 08/08/2008;

Diante da sucumbência recíproca, considerando que o autor sucumbiu em parte mínima dos pedidos, condeno as partes ao pagamento das custas processuais na seguinte proporção: 3/4 pelos réus e 1/4 pelo autor.

Condeno as partes ao pagamento de honorários advocatícios em favor do procurador da parte contrária, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado atribuído à causa (art. 85, §2º, do CPC).

Concedo o benefício da justiça gratuita ao autor.

Suspensa, então, a exigibilidade de pagamento de custas processuais e honorários advocatícios em relação ao autor.

Publique-se.

Registre-se.

Intime-se.

Transitada em julgado, arquivem-se os autos, dando-se as devidas baixas no sistema.

Inconformada, BV Financeira S.A. - Crédito, Financiamento e Investimento apela, sustentando que: a) é parte ilegítima para figurar no polo passivo, haja vista que somente liberara o crédito para o autor, não tendo qualquer relação com o vício apresentado pelo automóvel; b) não há acessoriedade entre o contrato de financiamento e o de compra e venda do veículo sub judice; c) é inviável a rescisão do contrato de financiamento, pois cabe ao adquirente verificar o automóvel no momento da compra - devendo arcar com a responsabilidade sobre os vícios não apurados; d) a condenação ao dano moral e à restituição dos valores pagos não viceja; e) a Cédula de Crédito Bancário deve ser mantida hígida, pois decorrente de contrato válido; f) o autor deve pagar as parcelas do financiamento; g) não há dano ou ato ilícito imputável a si; h) deve ser reduzido o quantum compensatório; i) os juros de mora devem incidir a partir da data em que o valor da condenação foi fixado. Em arremate, requer o conhecimento e provimento do recurso (EVENTO 112).

Ato contínuo, Silvio Morais de Campos apresentou contrarrazões (EVENTO 121) pugnando pela manutenção da sentença.

Por fim, em obediência à vedação de decisão surpresa, as partes foram intimadas para se manifestarem sobre eventual análise ultra petita na sentença de origem (EVENTO 33, SG).

VOTO

O reclamo é tempestivo e está munido de preparo.

1. Do recurso

1.1. Ilegitimidade passiva

Primeiramente, a ré sustenta ser parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda, haja vista que apenas emprestara ao consumidor o valor para aquisição do automóvel, não tendo responsabilidade sobre eventual vício neste.

Todavia, a irresignação não pode ser conhecida no ponto. Isso porque a matéria já fora aventada anteriormente em decisum não recorrido em tempo e modo oportunos (EVENTO 94, Anexo 83/84). Destaca-se que tal decisão foi proferida em 30/6/2014, quando vigia o Código de Processo Civil de 1973, segundo o qual:

Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

Parágrafo único. O agravo retido independe de preparo.

Entretanto referido recurso não restou manejado. Operada está, pois, a preclusão.

Nesse sentido, colhe-se da jurisprudência da nossa Câmara:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO SUPERMERCADO DEMANDADO. PRELIMINAR AFASTADA EM DESPACHO SANEADOR PROLATADO NA VIGÊNCIA DO CPC/1973. INÉRCIA QUANTO À EVENTUAL INTERPOSIÇÃO DE RECURSO. PRECLUSÃO TEMPORAL. NÃO...

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