Acórdão Nº 0005613-42.2008.8.24.0045 do Terceira Câmara de Direito Público, 27-07-2021

Número do processo0005613-42.2008.8.24.0045
Data27 Julho 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoTerceira Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão










Apelação Nº 0005613-42.2008.8.24.0045/SC



RELATOR: Desembargador JAIME RAMOS


APELANTE: OLGA MARIA DA COSTA ANDRADE (AUTOR) APELANTE: JOAO CARLOS ANDRADE (AUTOR) APELADO: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)


RELATÓRIO


Na Comarca de Palhoça, Olga Maria da Costa Andrade e João Carlos Andrade ajuizaram ação de usucapião ordinário alegando que adquiriram de Carlos Manoel Medeiros Júnior, por Contrato Particular de Compromisso de Compra e Venda, datado de 15.10.2004, um terreno situado na Praia da Pinheira, no Município de Palhoça, com área de 328,03 m²; que exercem a posse no referido imóvel, sem interrupção, contestação ou oposição com ânimo de dono há 18 anos e, por isso, possuem direito à aquisição da propriedade em razão da usucapião; que deve ser concedido o domínio sobre o imóvel aos demandantes; que preenchem os requisitos indispensáveis à aquisição da propriedade do bem objeto da Escritura de Cessão de Direitos Possessórios.
Após, foi determinada a emenda da inicial, o que foi cumprido pela parte autora.
Determinada a citação dos confinantes, o Estado se manifestou nos autos informando que o imóvel discutido nos autos está situado em Área de Proteção Ambiental (APA); que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião e, por isso, afigura-se patente a carência de ação, por impossibilidade jurídica do pedido.
Foram solicitadas informações ao Instituto de Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, que se pronunciou no processo afirmando que a área em litígio é de propriedade do Estado.
Após manifestação ministerial, foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido autoral.
Inconformados, os demandantes interpuseram recurso de apelação alegando que o imóvel não está inserido em área de preservação permanente; que exercem a posse no referido imóvel há mais de 30 anos, sem qualquer interrupção e/ou contestação; que a região em que se encontra o imóvel é urbanizada; que os demandantes preenchem os requisitos processuais necessários à aquisição da propriedade do bem.
Com as contrarrazões, os autos foram encaminhados à douta Procuradoria-Geral de Justiça que, no parecer da lavra do Exmo. Dr. Guido Feuser, manifestou-se pelo desprovimento do recurso

VOTO


Trata-se de recurso de apelação interposto por Olga Maria da Costa Andrade e João Carlos Andrade, inconformados com a sentença que julgou improcedente o pedido formulado na ação de usucapião ajuizada contra o Estado de Santa Catarina.
Os recorrentes sustentam que:
i) "(...) o fato dos Apelantes pretende usucapir gleba de terras possuindo registro na Prefeitura Municipal de Palhoça/SC, como área PLENAMENTE URBANA, E EM EXPLORAÇÃO LEGAL DA CONSTRUÇÃO CIVIL COM PREDIOS COMERCIAIS E RESIDENCIAIS. Frisa-se NUNCA ESTEVE O IMOVEL ANGULARIZADO COMO ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. (Evento 225, APELAÇÃO1, p. 03).
ii) Nobre julgador repisa-se que os Recorrentes nesses quase 30 anos encontram-se na posse do imóvel, jamais houve qualquer contestação sobre o uso do imóvel usucapido, é crível a sentença, pois, o Estado de Santa Catarina, sem qualquer interesse, por mera acumulação de patrimônio Evento 225, APELAÇÃO1, p. 03).
Por fim, formularam pedido para, "decretando-se a nulidade da sentença, seja declarado por fim, o domínio em relação ao Página 6 de 5 imóvel supramencionado, por acordão, que servirá de título para transcrição no Registro de Imóveis competente, por fim, invertendo o ônus sucumbência." (Evento 225, APELAÇÃO1, p. 06).
Pois bem.
A Constituição Federal nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, prevê a impossibilidade de se usucapir qualquer espécie de bem público, seja de uso comum do povo, de uso especial ou dominical, mesmo na hipótese de usucapião urbano ou rural constitucional para moradia própria ou da família ou "pro labore". Veja-se:
Art. 183. Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
[...]
§ 3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (grifou-se)
Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinquenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião. (grifou-se)
O Código Civil, em seu art. 102, também estabelece que "os bens públicos não estão sujeitos a usucapião."
Acerca desse dispositivo, leciona Flávio Tartuce:
Enuncia o art. 102 do Código de 2002 que os bens públicos, móveis ou imóveis, não estão sujeitos a usucapião, eis que há a imprescritibilidade das pretensões a eles referentes, confirmando determinação que já constava dos arts. 183, § 3.º, e 191, parágrafo único, da CF/1988, quanto aos bens imóveis. A expressão contida no dispositivo legal engloba tanto os bens de uso comum do povo como os de uso especial e dominicais. (Tartuce, Flávio., Manual de direito civil: volume único, 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, p.
Da mesma forma, colhe-se do enunciado da Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, a orientação de que: "Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião".145).
Ensina Hely Lopes Meirelles, a respeito da impossibilidade de aquisição da propriedade de imóvel público por meio da usucapião:
A imprescritibilidade dos bens públicos decorre como consequência lógica de sua inalienabilidade originária. E é fácil demonstrar a assertiva: se os bens púbicos são originariamente inalienáveis, segue-se que ninguém os pode adquirir enquanto guardarem essa condição. Dai não ser possível a invocação de usucapião sobre eles. É princípio jurídico, de aceitação universal, que não há direito contra Direito, ou, por outras palavras, não se adquire direito em desconformidade com o Direito. (Direito Administrativo Brasileiro, 42 ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 660).
Na hipótese dos autos, o conjunto probatório permite uma conclusão segura no sentido de que o imóvel que os autores, ora apelantes, pretendem usucapir, está localizado em área de propriedade do Estado de Santa Catarina.
Isso porque, inicialmente, os apelantes não apresentaram qualquer tipo de prova em sentido adverso às informações prestadas pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, hábil a atestar que o imóvel não pertence ao Estado de Santa Catarina (Evento 206, Parecer 2).
Pelo contrário, todas as provas apresentadas no curso do processo são determinantes a comprovar que o bem discutido no processo é de propriedade do Estado de Santa Catarina, conforme previsto na Lei Estadual, n. 652, de 16.09.1904, assim como no Decreto Presidencial n. 30.443, de 25 de janeiro de 1952.
Aliás, a questão aqui discutida foi examinada com muita percuciência pelo MM. Juiz, Dr. André Augusto Messias Fonseca, razão pela qual os motivos expendidos na sentença, que a seguir serão transcritos, passam a integrar os fundamentos deste voto:
Busca-se aqui a aquisição de propriedade de imóvel inserido em região conhecida como Campos de Araçatuba ou Massiambu, a qual abrange praias famosas do município de Palhoça, como a Praia do Sonho, a Praia da Pinheira, a Guarda do Embaú etc (vide parecer do IMA - evento 206, parecer 2).
O Estado de Santa Catarina opôs resistência ao pleito dos autores. Alega a impossibilidade do prosseguimento do feito, posto que o imóvel objeto da ação está inserido em área que lhe pertence (evento 182, PET 123-125, Anexo 126-131).
Com razão o Estado. A área em disputa é de propriedade do Estado de Santa Catarina, por força do disposto na Lei Estadual n. 652/1904 e no Decreto Presidencial n. 30.443, de 25 de janeiro de 1952.
O domínio do Estado de Santa Catarina sobre a área em questão é fato que também já foi reconhecido pelo TJSC em processos anteriores.
Não se pode negar que alguns imóveis situados nessa mesma área acabaram tendo título de propriedade outorgado a particulares pelo Município de Palhoça. Todavia, cumpre ressaltar que essas transferências ocorreram irregularmente. A Lei Estadual n. 652/1904 transferiu ao Município apenas a administração sobre a porção de terras em litígio, não a propriedade. Logo, jamais o Município poderia ter entregue títulos de propriedade a particulares, como o fez no passado.
É da jurisprudência:
AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO - CAMPOS DE MACIAMBU OU ARAÇATUBA - DECRETO PRESIDENCIAL N. 30.443/52 - PROPRIEDADE.São de domínio do Estado de Santa Catarina as terras situadas nos Campos do Maciambu ou Araçatuba, tendo a Lei Estadual n. 652/1904 transferido, tão-só, sua administração à Municipalidade de Palhoça.REGISTRO DE IMÓVEIS - CANCELAMENTO - ART. 859 DO CÓDIGO CIVIL - PRESUNÇÃO JURIS TANTUM.Presume-se titular do direito real aquele constante do registro. Tal presunção, no entanto, é relativa, sendo passível de cancelamento a transcrição da venda efetuada a non dominus (TJSC, Ap. Cível n. 99.018234-7, de Palhoça, rel. Des. Volnei Carlin, j. em 07.03.2002).
AÇÃO RESCISÓRIA - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - INDENIZAÇÃO PRETENDIDA - PARQUE ESTADUAL DA SERRA DO TABULEIRO - TERRENO LOCALIZADO NOS CAMPOS DE MASSIAMBU E ARAÇATUBA - LEI ESTADUAL N. 652/1904 E DECRETO PRESIDENCIAL N. 30.443/52 - ALIENAÇÃO ENTRE PARTICULAR E O MUNICÍPIO DE PALHOÇA - IMÓVEL QUE, EM VERDADE, É...

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