Acórdão Nº 0006141-92.2006.8.24.0030 do Primeira Câmara de Direito Civil, 02-12-2021

Número do processo0006141-92.2006.8.24.0030
Data02 Dezembro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoPrimeira Câmara de Direito Civil
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0006141-92.2006.8.24.0030/SC

RELATOR: Desembargador FLAVIO ANDRE PAZ DE BRUM

APELANTE: MANOEL DOS PASSOS CARVALHO (AUTOR) ADVOGADO: LUIZ FERNANDO DE OLIVEIRA THADEO (OAB PR071668) APELADO: FERNANDO RICARDO CAMARGO PINTO (RÉU) ADVOGADO: FERNANDA ZANETTE ALFONSIN (OAB RS057978)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por MANOEL DOS PASSOS CARVALHO, contra sentença prolatada pelo juízo da 1ª Vara da comarca de Imbituba, que nos autos da "ação declaratória de nulidade de contrato" n. 00061419220068240030, ajuizada contra FERNANDO RICARDO CAMARGO PINTO, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial e, por consequência, condenou o autor e litisconsorte ativo ao pagamento das custas e despesas processuais, além de honorários de sucumbência, estes fixados em 12,5% do valor atualizado atribuído à causa, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade de justiça (evento 243, da origem):

Contra esta decisão foram opostos embargos de declaração (evento 244), os quais foram rejeitados (evento 245).

Inconformado, o apelante postulou seja reconhecida a nulidade do Instrumento de Cessão de Direitos celebrado entre as partes, por conta da simulação, "pois o negócio jurídico de fato realizado foi um empréstimo no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para, após 60 dias devolver R$ 27.000, 00 (vinte e sete mil reais). Os R$ 7.000,00 (sete mil reais) de juros, correspondem a 35% do valor emprestado, caracterizando de forma clarividente a estipulação de juros onzenários."

Acrescentou que "o Autor Domingos, já falecido (fl. 264), era pessoa idosa e analfabeta quando foi induzido em erro para assinar o Instrumento de Cessão de Direitos, objeto desta ação. À época, foi convencido de que estava a assinar dito instrumento apenas como uma formalidade necessária para que seu filho Manoel obtivesse o empréstimo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) junto ao Apelado.

Ponderou, ainda, que, "da mesma forma, Manoel, também pessoa simples e de pouca instrução, acreditou no Réu-Apelado quando este afirmou a necessidade de constar no instrumento a nomenclatura "CESSÃO DE DIREITOS" ao invés de "EMPRÉSTIMO" porque os juros onzenários pedidos pelo apelado eram ilegais. Por crer no Apelado, que afirmava ser o dito contrato mera formalidade, e que o contrato jamais seria executado porque se findaria quando do pagamento da dívida, em boa-fé o casal cedente acabou ludibriado: quando foi pagar o empréstimo, o Apelado se recusou a receber o montante pactuado (fato comprovado nos autos pela testemunha Gessy, evento 149 aos 5min e 48seg), revelando sua real intenção de enriquecimento sem causa e ter agido com o dolo previsto no artigo 145, do Código Civil."

Com as contrarrazões (evento 264, da origem), ascenderam os autos a esta Corte de Justiça.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão por que dele se conhece.

Com razão a parte autora/apelante, porquanto a sentença, que foi pela improcedência do pedido, não resiste à interpretação distinta, como se verá.

O caso é singular, e não pode ser olvidado de que com a morte do autor Domingos, mesmo diante da negociação incontroversa - instrumento particular de cessão de direitos (Evento 221, PET28/29) - não gera qualquer efeito processual negativo nem mesmo para com o exame do mérito da causa. E isto porque, na época, 2005, constou também do referido documento a assinatura do filho ora autor, Manoel, único herdeiro, convalidando todos os atos anteriores. Aliás, nesse ponto, o autor Manoel asseverou - daí da falta de qualquer prejuízo - que "Não obstante o falecido Domingos fosse parte ilegítima para propor a presente ação anulatória de contrato, pois Domingos não figura entre os celebrantes, tal nulidade se convalidou com seu falecimento, sendo sucedido por seu único filho Manoel que, de "litisconsorte Ativo", passou a ocupar o Polo ativo desta ação com exclusividade" (fl.6 Evento 259, REC1). Ainda dito pelo apelante: "Durante a instrução deste processo o Sr. Domingos veio a falecer (certidão de óbito fl. 268), e Luciana foi excluída da lide, restando apenas Manoel no polo ativo. Foi ingressada Ação de Inventário dos bens deixados pelo Sr. Domingos, a qual tramita sob o número 0002221-18.2003.8.24.0030, onde Manoel é o único herdeiro dos espólio."

Com efeito, o autor ora apelante, Manoel, pretende a nulidade do Instrumento Particular de Cessão de Direitos firmado em janeiro de 2006, assinado por ele e Luciana (cedentes) com Fernando Ricardo (cessionário), tendo como anuente o Sr. Domingos, os quais cedem a posse de um imóvel no bairro Ibiraquera pelo valor de R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais). Ou seja, segundo o pacto, R$ 20.000,00 em conta bancária e mais R$ 7.000,00 após confirmação do referido depósito, tudo consignado no referido contrato (Evento 221, PET28/29).

Assim:

"CLÁUSULA SEGUNDA: Que assim sendo, vem (vêm) ele(a)(s) CEDENTE(S), pelo presente instrumento e na melhor forma de direito, ceder e transferir, como de fato e na verdade cedido e transferido tem (êm), todos os seus referidos direitos, vantagens, obrigações e responsabilidades sobre a aquisição do dito imóvel, em favor do(a)(s) CESSIONÁRIO(A)(S), pelo preço certo e ajustado DE R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais), pagos da seguinte forma: R$ 20.000,00 (vinte mil reais) - pagos em depósito bancário na conta corrente 8.014-4, Agência 1408-7, em nome de Silce (sic) Mara Turcato , em espécie na Assinatura do Contrato o qual damos plena, geral e irretratável quitação do referido valor após confirmação do referido valor na conta. R$ 7.000,00 (sete mil reais) pagos em espécie."

Bem se vê das alegações iniciais e do sustentado no curso do processo que houve uma verdadeira simulação na negociação, agiotagem, e não efetivo contrato de compra e venda - cessão de direitos, a rigor -, e que o referido imóvel apenas serviu de garantia desse empréstimo (R$ 20.000,00), e mais pagamento de juros, em seguida (R$ 7.000,00).

Afirma a parte autora de que fora "LUDIBRIADO" pelo requerido Fernando/apelado ao alienar o imóvel na Praia do Rosa por R$ 27.000,00 (vinte mil reais). Eis a questão básica nos autos.

A prova constante do processo, por sem dúvidas, expressa o empréstimo tomado pela parte autora, sendo que o contrato em questão apenas configurou como expediente escuso para encobrir o dinheiro entregue pelo requerido, e censurável que o referido imóvel, por valor módico ainda, tenha sido dado como garantia de pagamento, como bem explicado pelo autor em depoimento pessoal, porque evidenciado no contexto fático dos autos, tudo o mais crível.

Ora, um tanto incomum, a começar, que um imóvel, na época, valorado, no mínimo (a partir do depoimento do próprio requerido) em torno de R$ 200.000,00 (preço variável), fosse alienado por pessoas simples, por apenas R$ 27.000,00, aliás, tudo o mais de confirmação pelo próprio requerido, o qual, afinal, não evidenciou, como de sua obrigação basilar, o pagamento em espécie do alegado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Nesse particular, pelo seu depoimento, soa por demais desarrazoado de que teria levado esse dinheiro (R$ 80.000,00) num carro e entregue à parte autora, para cujas circunstâncias não se infere uma negociação de compra e venda - cessão de direitos -, havendo, sim, expediente enganoso em detrimento da parte autora. E sobretudo pela valoração do imóvel em ser muito superior àquela que constante do documento, e, ademais, sendo crível de que o imóvel fora dado em garantia de pagamento. Registre-se, a menor das avaliações apresentadas pelo autor (Evento 221, PET22) importou em R$ 250.000,00 - sem qualquer objeção ou resistência pelo requerido.

Em contestação, o requerido Fernando (Evento 225, CONT68) afirmou que, em 2005, os requerentes lhe propuseram um 'negócio da china' e que construísse no imóvel e o explorasse até 2010, "mediante pagamento de R$ 5.000,00 por ano, haja vista que as construções ficariam para os requerentes ao final do contrato." Mas houve um negócio distinto, se referindo "à compra de um imóvel dos requerentes, o qual possui 3 edificações, as quais são usadas para aluguel, pelo valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor este para compensar as perdas e danos do requerido, já que o imóvel custa em média 220.000,00 (duzentos e vinte mil reais), conforme avaliações juntadas pelos próprios agravados às folhas 22/26 dos autos." E prossegue afirmando que "Então, o requerido aceitou a proposta, sendo que os requerentes solicitaram que fosse realizado um contrato com valor de R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais), haja vista que teriam que juntar tal cópia ao inventário que tramita na comarca de Imbituba, para que eles pagassem pouco imposto de transmissão." Alude, passo seguinte: "O requerido sempre na boa-fé, acabou aceitando em firmar o contrato no valor de R$ 27.000,00, achando que não haveria com o que se preocupar, pois eles estariam declarando no contrato, como realmente fizeram, que estaria todo o valor da transação quitado, não havendo qualquer valor a ser adimplido pelo requerido, o qual repassou o importe de R$ 80.000,00, sendo que os R$ 20.000,00 foram através da...

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