Acórdão Nº 0006178-09.2016.8.24.0018 do Segunda Câmara Criminal, 27-10-2020

Número do processo0006178-09.2016.8.24.0018
Data27 Outubro 2020
Tribunal de OrigemChapecó
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação Criminal
Tipo de documentoAcórdão



ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE JUSTIÇA


Apelação Criminal n. 0006178-09.2016.8.24.0018, de Chapecó.

Relatora: Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. RECEPTAÇÃO SIMPLES (ART. 180, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA.

PRELIMINAR. SUSCITADA A ILEGALIDADE DAS PROVAS ANTE SUPOSTA IRREGULARIDADE NO INGRESSO, PELA POLÍCIA MILITAR, NO DOMICÍLIO DO APELANTE. INSUBSISTÊNCIA. FUNDADA SUSPEITA DA PRÁTICA DE CRIME. DELITO PERMANENTE. AUTORIZAÇÃO DE MORADORA. EIVA INEXISTENTE. PRELIMINAR AFASTADA.

MÉRITO. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOLO EVIDENCIADO. POSSE DA RES FURTIVA. JUSTIFICATIVAS INSUFICIENTES. FIRME ELENCO PROBATÓRIO. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO EXPRESSA. HIPOSSUFICIÊNCIA DEMONSTRADA. CONCESSÃO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 0006178-09.2016.8.24.0018, da comarca de Chapecó 1ª Vara Criminal em que é Apelante Claudiomiro Souza Rodrigues e Apelado Ministério Público do Estado de Santa Catarina.

A Segunda Câmara Criminal decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento tão apenas para conceder os benefícios da Justiça Gratuita ao Apelante. Custas legais.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Norival Acácio Engel, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Sérgio Rizelo.

Funcionou como representante do Ministério Público, o Excelentíssimo Senhor Procurador de Justiça Dr. Lio Marcos Marin.

Florianópolis, 27 de outubro de 2020.

Desembargadora Hildemar Meneguzzi de Carvalho

Relatora


RELATÓRIO

Denúncia: o Ministério Público ofereceu denúncia em face de Claudiomiro Souza Rodrigues, imputando-lhe a prática do delito capitulado no art. 180, caput, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, pela prática dos fatos assim narrados (fls. 39-42):

No dia 10 de maio de 2.016, por volta das 22h30min, na residência localizada na [...] Trevo, cidade de Chapecó/SC, ladrão ou ladrões até agora não identificados, subtraíram para si: "01 (um) aspirador de pó, marca Black and Decker, de cor vermelha, 01 (um) baby Liss metálico, 01 (um) secador de cabelo, além de outros objetos" consoante descrição feita no Boletim de Ocorrência de fls. 03/04, de propriedade de João Willian Seresoli.

Por razões desconhecidas mas, certamente ilícitas, dias após a aludida subtração, parte dos bens móveis referidos, foi parar nas mãos do aqui acusado CLAUDIOMIRO SOUZA RODRIGUES, mesmo porque, em 20 de junho de 2.016, por volta da 13h30min, a Autoridade Policial tomou conhecimento de que um veículo VW/Gol, de cor vermelha, placas IJG-5369, teria sido utilizado na prática de um furto, sendo que então verificaram o endereço constante no documento do respectivo automóvel e se dirigiram até o local.

Após ter mantido contato com a proprietária da residência (Josimara Boita) e ter obtido autorização para busca domiciliar (fl. 10), vislumbrou a Autoridade Policial que CLAUDIOMIRO estava na posse de parte dos objetos que coincidiam com aqueles subtraídos e, consequentemente, efetuaram a respectiva apreensão.

Por razões desconhecidas mas, certamente ilícitas, o denunciado tanto adquiriu como recebeu e ocultou em proveito próprio ou alheio, bem que sabia ser oriundo de atividade criminosa anterior.

Sentença: Finda a instrução, o Magistrado a quo, Dr. Gustavo Schwingel, julgou procedente o pedido formulado na inicial e condenou o réu ao cumprimento da pena privativa de liberdade de 1 (um) ano de reclusão, em regime aberto, substituída por uma medida restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade, além do pagamento de 10 (dez) dias-multa, fixados no mínimo legal, por infração ao art. 180, caput, do Código Penal (fl. 137).

Recurso de apelação de Claudiomiro Souza Rodrigues: Inconformado com o decisum, Claudiomiro interpôs apelação criminal, mediante a qual postulou, preliminarmente, o reconhecimento da ilegalidade das provas colhidas mediante suposta invasão ilegal de sua residência.

No mérito, almejou a absolvição, ao argumento de que as provas são insuficientes para demonstrar a autoria delitiva e a ciência de que os objetos adquiridos eram produtos de crime.

Ao final, pleiteou a suspensão condicional da pena e a concessão dos benefícios da justiça gratuita (fls. 151/155).

Contrarrazões ofertadas (fls. 160/168), os autos ascenderam a esta Corte e a douta Procuradoria-Geral de Justiça, por intermédio do Dr. Carlos Henrique Fernandes, manifestou-se pelo conhecimento e não provimento do reclamo (fls. 178/185).

Este é o relatório.


VOTO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Claudiomiro Souza Rodrigues contra a sentença que o condenou ao cumprimento da pena privativa de liberdade fixada em 1 (um) ano de reclusão, em regime inicial aberto, bem como ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, cujo valor unitário é o de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, por reconhecer que praticou o crime descrito no artigo 180, caput, do Código Penal.

A reprimenda corporal foi substituída por 1 (uma) pena restritiva de direito consistente na prestação de serviços à comunidade pelo prazo da pena privativa fixada.

1 - Do juízo de admissibilidade

O recurso preenche os requisitos extrínsecos e intrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual é conhecido.

2 -Preliminar - Ilegalidade das provas colhidas

Em preliminar, o Apelante sustenta a ilegalidade das provas colhidas pelos policiais, haja vista que, ao ingressarem na residência familiar em que encontraram os bens subtraídos, teriam ofendido o princípio da inviolabilidade do domicílio.

O inciso XI do art. 5º da Constituição Federal dispõe que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial" .

Como se extrai da norma de regência, o ingresso na residência contempla hipóteses em que pode ser realizada sem determinação judicial. Aliás, é consagrado o entendimento de que a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio não é absoluta. Ainda que não exista consentimento do morador ou determinação judicial, nele é possível adentrar em caso de flagrante delito, desastre ou, ainda, para prestar socorro.

Conforme o Superior Tribunal de Justiça, "a garantia constitucional de inviolabilidade ao domicílio é excepcionada nos casos de flagrante delito, não se exigindo, em tais hipóteses, mandado judicial para ingressar na residência do agente" (STJ, RHC n. 80.559/RS, rel. Min. Rey Soares da Fonseca, j. em 18/4/2017).

Não se descura que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados" (Tese 280, RE n. 603.616/RO, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 5/11/2015).

O encontro fortuito de material de origem proscrita, ou de outras coisas cuja posse é recriminada pela lei penal, dando ensejo à prática de crime permanente, não detém a capacidade de legitimar, em retrospectiva, o ingresso na residência alheia fora das restritas hipóteses permissivas.

Não é esse, todavia, o caso dos autos, em que a excepcionalidade decorre do estado de flagrância, determinado pelo cometimento do crime permanente de receptação (art. 303 do Código de Processo Penal), e a fundada suspeita da prática delitiva, que levou à descoberta da infração, adveio da identificação do veículo da genitora do Apelante(fl. 104).

De mais a mais, embora os agentes da autoridade policial não tenham preenchido integralmente o termo de autorização para busca domiciliar (fl. 10), conforme era devido, a companheira do acusado, Josimara Boita, quando ouvida na fase administrativa, disse que autorizou a entrada na residência (fl. 9). Sob o crivo do contraditório, o policial civil Irani de Jesus da Silva deu a mesma versão aos fatos (fl. 104).

Não há, pois, concluir de forma diversa. Considerando que a matéria foi analisada de forma exauriente pelo membro do Ministério Público de primeiro Grau, a Promotora de Justiça Candida Antunes Ferreira, adota-se parte das contrarrazões de fls. 160-168 como razão de decidir, o que é permitido pelo Superior Tribunal de Justiça (EDcl no AgRg no AREsp 94.942/MG, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 5.2.2013, v.u):

2.1 - Da suposta ilegalidade das provas colhidas.

Em síntese, apontou a defesa a ocorrência de nulidade nos autos com relação à busca domiciliar, pois inexistente mandado judicial de busca e apreensão, bem...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT