Acórdão Nº 0006231-94.2011.8.24.0040 do Quarta Câmara de Direito Público, 14-10-2021

Número do processo0006231-94.2011.8.24.0040
Data14 Outubro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça de Santa Catarina
ÓrgãoQuarta Câmara de Direito Público
Classe processualApelação
Tipo de documentoAcórdão
Apelação Nº 0006231-94.2011.8.24.0040/SC

RELATOR: Desembargador DIOGO PÍTSICA

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA APELADO: ANA DE MEDEIROS JERONIMO ADVOGADO: LUANA RAMALHO MORAIS (OAB SC035276)

RELATÓRIO

Na comarca de Laguna, Ana Medeiros Jerônimo ajuizou "ação cominatória" contra o Estado de Santa Catarina.

Argumentou que é portadora de estenose de carótida interna e do óstio vertebral, sendo hipossuficiente e, em virtude de seus problemas de saúde, necessita utilizar os medicamentos: aas 100 mg (60 comprimidos mensais), clopidogrel 75 mg (30 comprimidos mensais), sinvastatina 20 mg (30 comprimidos mensais), vasativ 50 mg ( 60 comprimidos mensais), tolrest 50mg (30 (c primidos mensais), diprospan (1 frasco mensal) e dexa citoneurim (4 ampolas mensais).

A justiça gratuita e a antecipação da tutela foram deferidas para determinar que o Estado, em 5 dias, providenciasse os medicamentos descritos na inicial, sob pena de multa diária equivalente a 5 salários mínimos (Evento 78, p. 21-26).

O Estado de Santa Catarina interpôs agravo retido (Evento 78, p. 181-188).

Devidamente instruído o feito, a lide foi julgada procedente (Evento 78, p. 166-176), com a confirmação da tutela antecipada, para determinar que o ente público conceda os medicamentos aas, clopidogrel, sinvastatina, vasativ, tolrest, diprospan e dexa citoneurin à autora, observando-se os termos da prescrição médica, e providencie a inclusão da parte nos programas governamentais de tratamento da doença. O magistrado, ainda, determinou, como contracautela, que autora esteja presente nas datas previamente agendadas, ou comunique sua desnecessidade, para a retirada da medicação, assim como ateste a persistência da moléstia mediante a apresentação de atestado médico atualizado, que contenha a prescrição dos medicamentos a cada 6 meses, sob pena de revogação. Em caso de descumprimento, ficou estabelecida imposição de multa, sem prejuízo do sequestro dos valores respectivos para aquisição pessoal e direta do medicamento. Por fim, condenou o Estado ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 900,00.

Irresignado, o Estado interpôs recurso de apelação (Evento 78, p. 181-188). Alegou, em síntese, que: a) de acordo com o médico perito, a recorrida não necessita mais dos medicamentos diprospam, dexa citoneurim e tolrest para o seu tratamento, ocorrendo a perda superveniente do objeto; b) os medicamentos aas, clopidogrel e sinvastatina já são fornecidos pelo SUS e podem ser requeridos pela via administrativa, fato que enseja a extinção parcial do feito por falta de interesse; c) diante da ausência padronização pelo poder público, resta impossibilitado o fornecimento gratuito do medicamento postulado vasativ, especialmente pelo alto custo, arguindo que o direito à saúde não é absoluto ou irrestrito, sendo limitado pelos planos orçamentários e limites constitucionais, devendo os medicamentos serem garantidos, através da promoção de políticas públicas, de competência preferencial da Administração Pública. Ademais, requereu (i) preliminarmente, a apreciação do agravo retido, com fulcro no artigo 523 do antigo CPC, para majorar o prazo para cumprir a determinação e suprimir o valor da multa, e (ii) a improcedência dos pedidos exordiais.

Com contrarrazões (Evento 78, p. 193-197), os autos ascenderam ao Tribunal de Justiça.

A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento parcial do agravo retido, para aumentar o prazo do fornecimento dos fármacos para 10 dias, e pelo conhecimento e desprovimento da apelação e do reexame necessário (Evento 78, p. 201-218).

É o relatório.

VOTO

1. Juízo de admissibilidade

Destaco que, ressalvadas as normas de aplicação imediata, a lide será apreciada com amparo nas regras do Código de Processo Civil de 1973, uma vez que a sentença objurgada foi publicada quando ainda em vigência aquele Diploma.

O recurso apelatório é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.

Igualmente se conhece do agravo retido (Evento 78, p. 181-188) diante do pedido expresso de sua apreciação (artigo 523, caput, do CPC/1973).

2. Reexame Necessário

Na origem, determinou-se a remessa dos autos ao Sodalício (Evento 78, p. 166-176).

Por outro lado, verifico que a sentença não está sujeita ao duplo grau de jurisdição por força do artigo 475, §2º, do Código de Processo Civil de 1973, conforme entendimento uníssono desta Câmara:

REMESSA NECESSÁRIA. SENTENÇA LÍQUIDA. CONTEÚDO ECONÔMICO INFERIOR AO LIMITE PREVISTO NO ART. 496, § 3º, III, DO CPC. DECISUM NÃO SUJEITO AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. Havendo elementos suficientes nos autos para aferir a extensão patrimonial do litígio, e sendo essa inferior ao valor de alçada estabelecido no § 3º, III, do art. 496 do Código de Processo Civil, inegável que a decisão de primeiro grau não está sujeita à remessa oficial. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. (TJSC, Remessa Necessária Cível n. 0028538-77.2013.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 05-08-2021).

APELAÇÃO CÍVEL, AGRAVO RETIDO E REEXAME NECESSÁRIO. AÇÃO COMINATÓRIA. MEDICAMENTOS. PARCIAL PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. INCONFORMISMO DO RÉU. [...] REMESSA OFICIAL. CONTEÚDO ECONÔMICO INFERIOR AO LIMITE PREVISTO NO § 2º DO ART. 475 DO CPC/1973. SENTENÇA NÃO SUJEITA AO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. Havendo elementos suficientes nos autos a aferir a extensão patrimonial do litígio, e sendo essa não superior ao valor de alçada estabelecido no § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil de 1973, norma vigente ao tempo da publicação da sentença, inegável que a decisão de primeiro grau não está sujeita à remessa oficial. [...] REEXAME NECESSÁRIO E AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDOS E APELO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0003885-51.2011.8.24.0015, de Canoinhas, rel. Odson Cardoso Filho, Quarta Câmara de Direito Público, j. 14-03-2019).

Dessa forma, não conheço do reexame necessário.

3. Apelação Cível

A controvérsia da demanda reside em entendimento já pacificado por este Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina e pelo Grupo de Câmaras de Direito Público, o qual, através do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas nº 0302355-11.2014.8.24.0054/5000, firmou as seguintes teses jurídicas vinculantes acerca do tema:

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA - IRDR. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. DISPENSAÇÃO DE MEDICAMENTOS E TERAPIAS PELO PODER PÚBLICO. DISTINÇÃO ENTRE FÁRMACOS PADRONIZADOS DOS NÃO COMPONENTES DAS LISTAGENS OFICIAIS DO SUS. NECESSÁRIA REPERCUSSÃO NOS REQUISITOS IMPRESCINDÍVEIS AO NASCIMENTO DA OBRIGAÇÃO POSITIVA DO ESTADO. 1. Teses Jurídicas firmadas: 1.1 Para a concessão judicial de remédio ou tratamento constante do rol do SUS, devem ser conjugados os seguintes requisitos: (1) a necessidade do fármaco perseguido e adequação à enfermidade apresentada, atestada por médico; (2) a demonstração, por qualquer modo, de impossibilidade ou empecilho à obtenção pela via administrativa (Tema 350 do STF). 1.2 Para a concessão judicial de fármaco ou procedimento não padronizado pelo SUS, são requisitos imprescindíveis: (1) a efetiva demonstração de hipossuficiência financeira; (2) ausência de política pública destinada à enfermidade em questão ou sua ineficiência, somada à prova da necessidade do fármaco buscado por todos os meios, inclusive mediante perícia médica; (3) nas demandas voltadas aos cuidados elementares à saúde e à vida, ligando-se à noção de dignidade humana (mínimo existencial), dispensam-se outras digressões; (4) nas demandas claramente voltadas à concretização do máximo desejável, faz-se necessária a aplicação da metodologia da ponderação dos valores jusfundamentais, sopesando-se eventual colisão de princípios antagônicos (proporcionalidade em sentido estrito) e circunstâncias fáticas do caso concreto (necessidade e adequação), além da cláusula da reserva do possível. 2. Aplicação ao caso concreto: 2.1 Recursos do Município e do Estado conhecidos e parcialmente providos para excluir da condenação o fornecimento dos fármacos não padronizados. (TJSC, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 0302355-11.2014.8.24.0054, de Rio do Sul, rel. Ronei Danielli, Grupo de Câmaras de Direito Público, j. 09-11-2016).

No mesmo sentido há de se consignar que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar o Recurso Especial n. 1.657.156/RJ, deliberou acerca da "obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS" e firmou o Tema 106, cuja redação dispõe a seguinte tese:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

Todavia, a Corte Superior modulou os efeitos de sua decisão e estabeleceu que a tese acima colacionada teria efeito ex...

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