Acórdão Nº 0006300-41.2020 do null, 07-12-2020

Número do processo0006300-41.2020
Data07 Dezembro 2020
Tribunal de OrigemPorto Belo
Classe processualRecurso Administrativo
Tipo de documentoAcórdão


ACÓRDÃO



Recurso Administrativo n. 0006300-41.2020.8.24.0710, Porto Belo



Relator: José Agenor de Aragão



RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA INVERSA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DE USUCAPIÃO. SENTENÇA QUE REJEITOU O PEDIDO E MANTEVE A NEGATIVA CARTORÁRIA.



RECURSO DOS SUSCITANTES/PROPRIETÁRIOS.



IMÓVEL INSERIDO EM ÁREA MAIOR. PREVALÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DO DIREITO À MORADIA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA. SENTENÇA REFORMADA.



A legislação restritiva do parcelamento do solo não pode se sobrepor ao mandamento constitucional que ampara a função social da propriedade, principalmente se verificados os requisitos para o sucesso da ação de usucapião" (TJSC, Apelação Cível n. 0005682-20.2007.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 16-8-2018).



Satisfeitos os requisitos da usucapião extraordinária, impõe-se a declaração de aquisição da propriedade, não obstante irregularidade referente às normas de parcelamento de solo urbano, haja vista a boa-fé do postulante. Entendimento diverso implica na exigência de nova condição não albergada pela legislação pátria e macula o conceito jurídico da função social da propriedade urbana (Apelação Cível n. 0001043-17.2011.8.24.0139, de Porto Belo, rel. Des. Gilberto Gomes de Oliveira, j. 25-10-2016).



RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.



Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Administrativo n. 0006300-41.2020.8.24.0710, da comarca de Porto Belo, em que são recorrentes Cláudio Luciano Bron e Ivanildes Márcia Rubih Baro, o Conselho da Magistratura decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, para abster-se a Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo de dar prosseguimento ao pedido contido no procedimento extrajudicial de usucapião da área descrita na à fl. 02 do documento n. 4324091.



O julgamento, realizado no dia 9 de novembro de 2020, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Ricardo José Roesler e dele participaram os Excelentíssimos Senhores Desembargadores José Agenor de Aragão (Relator), João Henrique Blasi, Soraya Nunes Lins, Dinart Francisco Machado, Volnei Celso Tomazini, Salim Schead dos Santos, Carlos Adilson Silva, Roberto Lucas Pacheco, Odson Cardoso Filho e Helio do Valle Pereira.



Florianópolis, 9 de novembro de 2020.



RELATÓRIO



Cláudio Luciano Baron e Ivanildes Márcia Rubih Baron apresentaram suscitação de dúvida inversa em face da Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo, objetivando o pronunciamento do juízo quanto à negativa administrativa dada em pedido de reconhecimento de usucapião extrajudicial.



Relataram que "a posse do imóvel usucapiendo restou devidamente comprovada, mediante contrato particular de compromisso de compra e venda datado de 13/11/2007", além disso, que acostaram "nos autos do pedido de usucapião extrajudicial todos os documentos exigidos pelo Provimento n. 65/2017 do Conselho Nacional da Justiça, comprovando todos os requisitos cumulativos e necessários para a declaração do domínio".



Todavia, asseveram que "a Oficial do Registro de Imóveis negou o pedido de usucapião extrajudicial, sob o argumento de que o imóvel usucapiendo integra loteamento irregular e que a área pretendida é objeto de ação judicial que visa regularizar o Loteamento Vila Nova II".



Enfatizam que "o fato de o imóvel estar inserido em loteamento irregular não é fato impeditivo para a declaração de domínio da área usucapienda e que "possuem justo título, comprovado pelo contrato particular de compromisso de compra e venda, firmado em 13 de novembro de 2007, o qual, por si só, presume a boa-fé."



Requerem ao final, assim, a procedência da presente suscitação de dúvida inversa, a fim de que seja autorizado o prosseguimento do procedimento extrajudicial, bem como a requalificação da guia n. 49.106".



Intimada, a Oficial manifestou-se, afirmando que, "não foi possível dar prosseguimento ao pedido contido no procedimento extrajudicial de usucapião, em razão do imóvel pertencer a loteamento irregular. Além disso, menciona que "[...] logrou-se descobrir junto ao Ministério Público e Poder Judiciário estadual, a existência de processo que visa a regularizar o Loteamento Vila Nova II (Projeto Lar Legal) - processo autuado sob o n. 0000101-48.2012.8.24.0139 - no qual se insere o imóvel usucapiendo ('Lote 47, quadra 02B, Loteamento Vila Nova II, bairro Vila Nova, na cidade de Porto Belo - Santa Catarina', com área de 349,61m²). Outrossim, há também em andamento o ICP 06.2019.00001157-1, mediante o qual o MPSC busca regularizar tal empreendimento irregular".



Após parecer do Ministério Público pela manutenção das exigências (Parecer 4594059), sobreveio sentença prolatada pelo Juízo da 2ª Vara da comarca de Porto Belo, que não acolheu a dúvida inversa suscitada (Sentença 4605720).



Irresignados, os suscitantes interpuseram recurso de apelação, no qual reitera as alegações da inicial e asseveram que o imóvel usucapiendo não é objeto de qualquer ação judicial. Ao final, requerem o provimento do reclamo a fim de reformar a sentença proferida pelo Juízo de origem, julgando procedente o pedido da suscitação de dúvida inversa, para abster-se a Oficial Registradora de negar o processamento da guia da Usucapião extrajudicial (recurso de apelação n. 4742084).



Abriu-se vista à Procuradoria-Geral de Justiça (Despacho 4805337) que, em parecer da lavra do Doutor Carlos Alberto de Carvalho Rosa, opinou pelo desprovimento do recurso (Parecer 4806474).



Após, vieram os autos conclusos.



Este é o relatório.



VOTO



Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença que julgou improcedente a dúvida inversa suscitada por Cláudio Luciano Baron e Ivanildes Márcia Rubih Baron, ora apelantes, em face da Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Porto Belo.



Do caderno processual extrai-se que os suscitantes ingressaram com procedimento extrajudicial de usucapião alegando a posse por onze anos (desde 13.11.2007) quando adquiriram por contrato particular de Pedro Leme Carvalho e Georgina Maria da Silva, de forma mansa, pacífica, contínua e sem oposição, um terreno urbano, situado na rua Liberato dos Santos, n. 44, lote 47, quadra 02B, loteamento Vila Nova II, bairro Vila Nova, na cidade Porto Belo - Santa Catarina, com área de 349,61m².



Contudo, dos documentos apresentados, verdadeiramente, extrai-se que o imóvel é parte integrante de uma área maior e, nesse ponto, reside à insurgência.



Dessa maneira, a controvérsia, cinge-se em averiguar se a desconsideração da legislação de parcelamento do solo urbano (Lei n. 6.766/1979) configura-se óbice à declaração originária da propriedade.



Pois bem.



A usucapião, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício contínuo da posse prolongada no tempo, acompanhada de alguns requisitos exigidos pela lei.



O Código Civil prevê:



"Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para registro no Cartório de Registro de Imóveis.



Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo."



Assim, Orlando Gomes conceitua o instituto:



"Usucapião é, no conceito clássico de MODESTINO, o modo de adquirir a propriedade pela posse continuada durante certo lapso de tempo, com os requisitos estabelecidos na lei: 'usucapio est adjectio dominii per continuationem possessionis temporis lege definit'.



A usucapião é, com efeito, um modo de aquisição da propriedade, por via da qual o possuidor se torna proprietário." (Direito Reais. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 156-157).



Portanto, o ajuizamento judicial ou extrajudicial de pedido de usucapião é própria para obtenção de declaração de propriedade, passível de Registro no...

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